segunda-feira, 1 de julho de 2019

Alex Ribeiro: Iniciativas do BC no câmbio e compulsórios

- Valor Econômico

Plano não visa impacto monetário e cambial de curto prazo

Duas iniciativas do Banco Central foram mal entendidas, pelo mercado e pelo próprio governo: a liberação dos depósitos compulsórios e aperfeiçoamentos nas intervenções no mercado de câmbio. O erro é entendê-las como medidas conjunturais, voltadas ao curto prazo, quando a intenção é promover mudanças mais estruturais no funcionamento dos mercados.

O BC anunciou a liberação, na semana passada, de R$ 16,1 bilhões em compulsórios sobre depósitos a prazo. A medida levou o ministro da Economia, Paulo Guedes, a afirmar que existe um plano para liberar R$ 100 bilhões para alavancar o crédito privado.

Deve-se ponderar que a liberação de compulsórios beneficiaria indistintamente bancos públicos e privados. Mas esse não é o principal ponto. O mercado bancário já opera com ampla liquidez. A média diária do estoque de operações compromissadas é de R$ 1,315 trilhão em junho, quase 20% do Produto Interno Bruto (PIB). Não é por falta de dinheiro em caixa, portanto, que o sistema bancário não empresta mais, embora as pequenas instituições tenham maior restrição de liquidez. O que determina o volume de crédito é a propensão dos bancos em ofertar empréstimos e a capacidade e vontade dos clientes de contrair dívidas.

A liberação de compulsórios está mais ligada a fatores estruturais. Pode reduzir spreads bancários, mas pouco: seu peso na margem bruta dos bancos é pequeno; e, no caso dos depósitos a prazo, os compulsórios são remunerados. Pode também ampliar a competição, via fortalecimento dos bancos menores.

Há questões práticas que dificultam a liberação de R$ 100 bilhões em compulsórios do dia para a noite. Uma delas é que, pelo atual sistema de gerenciamento de liquidez usado pelo BC, os compulsórios liberados vão representar um aumento da dívida bruta (os R$ 16,1 bilhões já terão esse efeito). O BC libera o compulsório com uma mão e, como outra, enxuga a liquidez, por meio de operações compromissadas. Essas operações compromissadas são contabilizadas na dívida bruta, ao contrário dos compulsórios. Para evitar esses efeitos, o Banco Central depende da aprovação no Congresso da proposta que dá autonomia à autoridade monetária. Ela contém um dispositivo que cria os depósitos voluntários para o gerenciamento de liquidez.

Outro problema com a liberação maciça de compulsórios é que representaria uma baixa num dos principais colchões do sistema para resolver crises de liquidez. Os altos compulsórios foram muitos úteis, por exemplo, na crise financeira mundial de 2008. Assim, de forma prudente, o BC cortou os compulsórios sobre depósitos a prazo, na semana passada, apenas para recolocá-los nos níveis de antes de 2008. A regulamentação de Basileia 3 criou outros indicadores de liquidez que podem substituir o colchão formado pelos compulsórios, mas para o sistema funcionar a contento no Brasil é preciso resgatar as linhas de assistência de liquidez. O projeto de autonomia do BC dá condições legais para a autoridade monetária voltar a fazer operações de redesconto. O passo seguinte é desenhar um sistema operacionalmente eficiente.

Na política cambial, um discurso do diretor de Política Monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, causou ruídos no mercado. Ele se referia a aspectos operacionais da intervenção no câmbio, reforçando a mensagem de que a autoridade monetária não tem preconceito em usar todos os instrumentos, incluindo venda de dólar à vista e no mercado futuro e empréstimos em dólar. Alguns operadores entenderam que a intenção era reduzir o estoque de swaps cambiais. O mal-entendido foi desfeito com declarações do presidente do BC, Roberto Campos Neto, de que continuará a ofertar swaps cambiais se houver demanda. O BC anunciou ainda que vai rolar integralmente o vencimento de swaps cambiais de 1º de agosto.

Nesse caso, além do ajustes mais corriqueiros na forma de o BC intervir no mercado, há também um diagnóstico estrutural de que esse mercado apresenta imperfeições ligadas à falta de conversibilidade da moeda. A taxa de câmbio é formada no mercado futuro, com mais participantes, e há uma conexão imperfeita com o mercado à vista, com uma base mais restrita de atores. A falta de conversibilidade ajuda a explicar por que, às vezes, o cupom cambial sobe muito.

Um estudo divulgado pelo BC no seu Relatório de Economia Bancária mostra que o spread cambial no mercado primário de câmbio (diferença entre a taxa de câmbio cobrada pelas instituições financeiras de empresas e indivíduos e a taxa de câmbio do interbancário medida pela Ptax) vem aumentando, passando de 0,4% para 0,9% de 2005 a 2018, nas operações sem a intermediação de corretoras.

São custos altos arcados pela economia, de exportadores a investidores. O BC ainda não deu detalhes, mas pretende incluir mais participantes no mercado. Serra disse, em um discurso em abril, que num mercado onde a moeda é conversível, não há sequer a necessidade de autorização específica para realização de operações de câmbio.
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O governo perdeu a chance de indicar uma meta de longo prazo para a inflação. Legalmente, o Conselho Monetário Nacional (CMN) deveria definir, agora, apenas a meta de inflação de 2022, que ficou em 3,5% (queda em relação os 3,75% de 2021). Mas, habilmente, no governo Temer o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, havia indicado que o objetivo era levar a meta de inflação para 3% adotados por Chile e México.

A vantagem de indicar uma meta de inflação ótima é coordenar as expectativas de inflação de longo prazo de analistas econômicos e do mercado financeiro, reduzindo os prêmios de riscos na curva de juros e influenciando o processo de barganha de preços na economia real.

No caso atual, teria uma vantagem adicional de eliminar incertezas suscitadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Mais para o começo do ano, ele disse que, se as reformas fiscais propostas pelo governo não passassem no Congresso, ele poderia fazer o ajuste fiscal em dois anos pela inflação, segurando as despesas nominais do governo.

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