quinta-feira, 25 de julho de 2019

Maria Cristina Fernandes: Em busca dos prejudicados

- Valor Econômico

Agenda não passa pela capitulação nem pelo isolamento

Uma das principais promessas do candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, foi a redução no preço do gás para R$ 49. Seis meses depois de sua posse, o presidente Jair Bolsonaro lançou um programa com a mesma meta. O público-alvo não poderia ser mais claro. O botijão de R$ 75 consome 40% do benefício médio do Bolsa Família.

Como o programa ainda carece de regulamentação, está por se provar que as novas regras do mercado de gás vão torná-lo, de fato, competitivo, ou se novos arranjos se apropriarão das margens de lucro de um setor que, a despeito de ter deixado de ser monopólio estatal há mais de duas décadas, permanece concentrado.

Se for para valer, o programa compõe com a liberação pingada do FGTS as medidas com as quais o governo tenta conter o derretimento de sua popularidade entre os mais desvalidos enquanto o emprego não vem. A satisfação dos mais ricos com o governo é quase o dobro daquela medida entre os mais pobres. Foi entre os moradores do Nordeste, que o Datafolha do início de julho colheu a maior proporção de insatisfeitos. A fatia dos que aprovam a gestão do presidente já é menor do que aquela de seus eleitores na região, a única em que foi derrotado em todos os Estados. É com base nessa retaguarda que os governadores do Nordeste se constituem numa frente de resistência, encorpada sempre que o presidente conjuga com paraíbas, cabras-machos e cabeças-chatas seu glossário de preconceitos.

O bastião, porém, ainda se atrapalha com as armas de seu enfrentamento. Com sua agressividade, o presidente, a despeito de reforçar animosidades na região, agrada aos núcleos mais radicais do seu eleitorado no Centro-sul, aquele que pretende consolidar para se blindar contra o mau humor da economia. Com este figurino de vítima de um presidente revanchista e raivoso à disposição, o governador da Bahia, Rui Costa, preferiu tomar de empréstimo as vestes bolsonaristas.

Reeleito no primeiro turno por 75,5% dos votos, o governador baiano é dono do mais expressivo quinhão de votos petistas no país. Animado pela perspectiva de vir a ser o escolhido por um PT em busca do eleitor centrista em 2022, chegou até a defender, depois de empossado, mensalidades para alunos mais aquinhoados de universidades públicas.

Inconformado pelo formato da inauguração do aeroporto de Vitória da Conquista, moldado para a claque presidencial, o governador não apenas se recusou a comparecer, como desautorizou a presença da Polícia Militar no evento. Optou por falar a língua do bolsonarismo quando poderia ter comparecido ao evento e dado seu recado em discurso.

Na disputa de protagonismos da oposição, o governador do Maranhão, Flávio Dino, também reeleito no primeiro turno, foi noutra direção. Diretamente atingido pelo microfone aberto do presidente, que captou sua intenção de deixar o Estado a babaçu e água, Dino foi alçado à condição de vítima-mor do bolsonarismo e, nesta condição, teve propaganda gratuita para além das fronteiras do seu Estado e do minúsculo PCdoB.

O governador maranhense defende Costa e diz que Bolsonaro mimetiza Donald Trump, que partiu para cima do esquadrão das quatro deputadas mais à esquerda do Partido Democrata com um apelo discriminatório destinado a reavivar seu eleitorado raiz. Dino, porém, evita o enfrentamento.

Defensor do acordo fechado pelo governo Bolsonaro para a base de Alcântara e signatário da lista de presença de ambas as reuniões já havidas entre os governadores do Nordeste e o presidente, Dino tem na sua base de apoio na Assembleia Legislativa o único deputado estadual do PSL. Depois do microfone vazado, o governador, que é juiz de carreira, delegou a um deputado federal do seu partido a iniciativa de entrar com uma representação contra Bolsonaro.

A constitucionalização dos repasses e a execução mandatória das emendas parlamentares e de bancada, delimita as consequências do confronto. A região, porém, enfrenta uma conjuntura que, se não impõe a capitulação ao obscurantismo bolsonarista, desaconselha o isolamento. Depois de anos seguidos com um crescimento superior ao nacional, a economia do Nordeste levou um tombo maior que o do resto do país por sua maior dependência de investimentos públicos, de transferências vinculadas a receitas federais e do mercado externo. Cresceu metade do Brasil em 2018 e viu a pobreza absoluta alcançar quase o dobro da nacional.

A situação teria sido suficiente, por exemplo, para colocar os governadores na linha de frente da defesa da inclusão dos servidores estaduais e municipais nas regras previdenciárias aprovadas pela Câmara em primeiro turno. O apoio ficou registrado em carta pública, mas os governadores não foram capazes de mover seus aliados pela inclusão dos servidores. Dos nove governadores da oposição, sete são do Nordeste. É lá também que PT, PSB, PDT e PCdoB têm suas maiores bancadas e o partido do presidente, o PSL, a menor, com apenas quatro cadeiras.

O PSB encabeçou a emenda que devolveu os 15 anos de contribuição mínima para os homens e o PDT, aquela que retirou cinco anos da idade mínima dos professores, mas o PT, que optou por tentar mudar o eixo da reforma, não aprovou nenhuma de suas emendas ao texto. Sem reconhecer o sufoco fiscal de seus próprios governadores, as lideranças petistas queixam-se de terem sido abandonadas pelas centrais sindicais na votação e orgulham-se de o partido ter sido o único a dar 100% dos seus votos contra a reforma.

O PT não foi o único derrotado para o Centrão na disputa pelo discurso de que mitigou os malefícios da reforma. Com as ameaças aos dissidentes, o ex-candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, fingiu desconhecer que sua plataforma de governo contemplava até a capitalização da Previdência. Minou uma liderança como a deputada Tabata Amaral (SP) que, além de enfrentar a agenda regressiva de Bolsonaro na educação, é uma pinguela para o futuro.

Com 47 milhões de votos, os partidos que hoje estão na oposição caíram em pé em 2018. Não precisam se pôr de cócoras para viabilizar alternativas aos prejudicados pelo bolsonarismo, no Nordeste e alhures.

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