segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Celso Rocha de Barros*: Os golpistas de 2019

- Folha de S. Paulo

Não há mais como discordar que a democracia brasileira está em crise há vários anos

A revista Veja desta semana publicou uma entrevista com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli. Na introdução à entrevista, Veja fez uma série de revelações importantes: entre abril e maio deste ano, tivemos militares e civis falando em impeachment, empresários tentando achar uma brecha para convocar novas eleições e, o que é incomparavelmente mais grave, “oficiais de baixa patente” falando em uma “sublevação contra as instituições corruptas”.

Enfim, o risco de golpe militar voltou a existir no Brasil, ao menos por alguns meses. É possível que já tenha passado, é provável que o golpe em questão fracassasse. Mas golpes fracassados também são perigosos. Talvez os oficiais de baixa patente tenham planejado um negócio sem chance de dar certo por serem idiotas. Mas também é possível que o tenham feito por terem percebido que, na atual administração, sinalizar golpismo pode ajudar nas promoções futuras.

Por outro lado, já deve estar claro para os oficiais de alta patente que esse golpe seria contra eles. Não é a única iniciativa nesse sentido. Quem paga o curso de doutrinação que Olavo de Carvalho está oferecendo gratuitamente a policiais militares? Tem gente no bolsonarismo procurando uma turma armada para fazer bagunça. O medo de golpe militar já vem do ano passado e atravessou toda a campanha eleitoral.

No recém-lançado livraço “Os Onze – o STF, seus bastidores e suas crises”, os jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber contam uma história aterradora: quando a Folha revelou a fraude bolsonarista do WhatsApp, um general da reserva publicou ofensas à ministra Rosa Weber, porque ela recebeu parlamentares de esquerda que pediam investigação do esquema.

Em uma reunião em 23 de outubro de 2018, militares e ministros do STF se reuniram para discutir o assunto. Ao fim do encontro, Dias Toffoli dirigiu-se a seus colegas de corte e lembrou que Villas-Bôas tinha à sua disposição 300 mil homens armados que, em sua grande maioria, votariam em Bolsonaro. Tem prova maior da saúde institucional de uma democracia do que o presidente da suprema corte dizendo a seus colegas o equivalente a “rapaziada, ó só, os militares tão com raiva, é melhor fazer o que eles mandam”?

Tudo isso, repito, aconteceu e talvez continue acontecendo nas sombras, longe do olhar do público. É até difícil julgar os compromissos assumidos por Toffoli nesses meses todos. Se a correlação de forças era tal que era isso ou golpe, Toffoli acertou, e o Brasil deu uma imensa sorte de não ter um sujeito inflexível na presidência do STF nesse período.

Se era possível preservar a normalidade institucional sem isso tudo, Toffoli errou horrendamente. É provável que ninguém nunca descubra qual das duas avaliações é justa. Não há mais como discordar que a democracia brasileira está em crise há vários anos, e que a deterioração se acelerou muito com a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República.

O golpe de Estado voltou a fazer parte do repertório de gente que quer subir na vida. Quando Bolsonaro homenageia Ustra, que mensagem está passando para os jovens oficiais? Não tem como saber se a turbulência de abril passou. O que está claro é que Bolsonaro quer que ela volte.

*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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