domingo, 25 de agosto de 2019

Elio Gaspari*: Aprendeu matemática? Dane-se

- Folha de S. Paulo | O Globo

O CNPq tungou as bolsas de quem ganhou medalhas nas Olimpíadas de Matemática

O bolsonarismo deve ter encontrado sinais de marxismo gramsciano e ideologia de gênero nas quatro operações da matemática.

Só isso explicaria a decisão do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de não renovar o contrato do Programa de Iniciação Científica e Mestrado dos jovens que ganharam medalhas nas Olimpíadas de Matemática e chegaram às universidades. São 650 alunos e cada um deles recebe R$ 400 por mês. Coisa de R$ 3,1 milhões por ano. (Nos seus primeiros meses, o governo gastou R$ 1,6 milhão com medalhas para seus agraciados.)

As Olimpíadas de Matemática são a mais bem sucedida experiência pedagógica já criada para o andar de baixo de Pindorama. A garotada das escolas públicas faz a prova e a cada ano são distribuídas medalhas de ouro, prata e bronze. Além do prêmio, os medalhistas entram num Programa de Iniciação Científica que lhes dá acesso a dois dias por mês de aulas em universidades próximas. Originalmente, a Viúva cobria os custos do transporte e as refeições. A máquina de moer carne dos educatecas limou essa ajuda e hoje ela está em R$ 100 mensais. Se o garoto mora longe, tem acesso às aulas pela internet.

Em 2015 as trigêmeas medalhistas Fábia, Fabiele e Fabíola Loterio comoveram o país com sua história. Elas tinham 15 anos e viviam na roça no distrito de Rio do Norte, no Espírito Santo. Não tinham internet em casa e a escola ficava a 21 quilômetros da propriedade onde seus pais plantavam verduras.

Hoje as trigêmeas estão na Universidade Federal do Espírito Santo. Com os recursos da família dificilmente poderiam viver com os R$ 400 da Bolsa do CNPq. Graças a uma iniciativa da TIM, elas continuarão na universidade, pois recebem R$ 1.200 cada uma. (A TIM ajuda 200 jovens num programa que lhe custa R$ 2,9 milhões anuais.) Quem depende só do CNPq, irá às favas.

Se ninguém gritar, em setembro o CNPq poderá cortar também o Programa de Iniciação Científica, que dá bolsas de R$ 100 mensais a 6.000 medalhistas. Foi esse o programa que permitiu às trigêmeas o acesso às suas primeiras aulas com professores da Federal do Espírito Santo.

É difícil entender por que os educatecas de Bolsonaro metem a faca em programas que custam pouco e estimulam jovens que demonstraram suas capacidades. De certa maneira, só tungam a garotada do andar de baixo, aquela que precisa de R$ 100 ou R$ 400 mensais. Isso, no meio do ano letivo.

Quebrando-se a cabeça, pode-se suspeitar que o governo tenha percebido o ativismo maligno das quatro operações da matemática. Aprendendo a somar, os jovens podem juntar ambientalistas, quilombolas, LGBTs e petistas. Os mais espertos poderão aprender a multiplicá-los, subtraindo antiglobalistas e milicianos. Para os profetas desse novo tempo isso poderia levar a uma divisão.

Guedes vende o sonho da privatização

Como o doutor prometeu também zerar o déficit primário em um ano, ninguém lhe pode cercear o direito ao delírio


O ministro Paulo Guedes anunciou o desejo do governo de privatizar 17 empresas públicas até o fim deste ano. Faz tempo que lhe ensinaram que essas coisas não podem ser feitas às pressas. Como o doutor prometeu também zerar o déficit primário em um ano, ninguém lhe pode cercear o direito ao delírio.

Numa trapaça da história, Guedes fala em privatizações na hora em que chega ao Planalto a desesperadora situação da Oi. Pelas suas contas, a operadora de telefonia só tem caixa até fevereiro. Por uma porta, vende-se o sonho privatista, por outra, lida-se com a ruína da privataria.

A Oi, ex-Telemar, é um símbolo da ruína de um negócio associado aos instintos marqueteiros e à fome de caixa do governo.

No grande leilão de 1998 a Telemar ficou com a rede de telefonia do Rio de Janeiro para cima. Foi arrematada por um consórcio de estranhos interesses e o presidente de BNDES chamou-a de “telegangue”. Já o presidente Fernando Henrique Cardoso foi mais educado: “empresa um tanto artificial”.

No mandarinato petista fabricou-se um novo artificialismo. Associada a um grupo português, ela viria a ser a “SuperTele”. Muita gente denunciava a manobra, até porque o filho de Lula era parceiro estratégico de uma das empresas interessadas. Ao lado da JBS e das empresas de Eike Batista, a Supertele da Oi foi uma “campeã nacional”.

Tanto no surgimento da Telemar como na criação da SuperTele o governo fez o que lhe convinha, desprezando a essência do negócio. A partir de 2014 o governo fez gambiarras para manter a Oi viva com a ajuda de aparelhos, até que em 2016 ela entrou em recuperação judicial.

Desde 1998 a ladainha é uma só. O governo não pode entrar com a mão pesada num negócio artificial que vai dar errado, mas deve entrar com a mão que afaga, para impedir que a empresa quebre.

*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Nenhum comentário:

Postar um comentário