domingo, 18 de agosto de 2019

Míriam Leitão || Origem das crises e das ameaças

- O Globo

O risco não vem da direita nem da esquerda, vem do autoritarismo e do populismo. Eles arruínam a economia e ameaçam a democracia

O problema não é a direita ou a esquerda. Em qualquer democracia há alternância de tendências políticas no poder. O risco vem do populismo e do autoritarismo. Eles produzem crises econômicas, ameaçam instituições, emburrecem o debate. Na Argentina, na Venezuela e no Brasil, o problema sempre foi o autoritarismo, e piora quando ele vem vestido com as cores do populismo.

A Argentina de Cristina Kirchner aprovou uma lei de imprensa para brigar com alguns órgãos, principalmente o “Clarín”. A Venezuela de Chá veze Maduro atacou jornalistas, jornais e emissoras de T Vem geral. Conseguiu fechara maioria. No silêncio que se seguiu, escalo uno populismo autoritário qu elevou o país à devastação. O governo Lula tentou imitar a onda da Venezuela e da Argentina na relação com a imprensa e propôs projetos de controle. Teve que recuar, mas a ideia é renovada nos programas do PT a cada eleição.

O governo Bolsonaro ofende cotidianamente jovens repórteres que fazem perguntas pertinentes, posta mentiras sobre jornalistas, ataca jornais, ameaça usar a força econômica do governo para acabar com órgãos de imprensa e editou a MP do balanço das empresas declarando que o fazia para retaliar o “Valor”. Autoritários e populistas não gostam de jornalistas e jornais.

A Argentina de Cristina Kirchner brigou com o número da inflação, fez uma intervenção no Indec e mudou a fórmula de cálculo. O governo Bolsonaro não gosta das notícias de aumento do desmatamento, fez uma intervenção no Inpe e vai contratar um serviço privado extraindo o dinheiro do cofre público que já está vazio. O desmatamento continuará aumentando, assim como a inflação argentina. O governo Macri anunciou que corrigiria o que Cristina fez no índice. Cumpriu a promessa. Mas foi incompetente para reduzir a inflação e recorreu a uma arma velha dos populistas: o congelamento de preços. Fez o controle da cesta básica e agora, depois da eleição, congelou gasolina e combustíveis em geral. Não vai ajudá-lo na eleição e aprofundará a crise da Argentina.

Cristina Kirchner fez uma intervenção desastrosa nas tarifas de energia. Dilma Rousseff fez a MP 579 que quebrou esse setor no Brasil. O populismo energético nunca deu certo. Se é para reduzir o preço tem que ser com mais competição. É isso que Paulo Guedes está prometendo com seu projeto de aumento da oferta de gás. Tomara que funcione.

O governo Bolsonaro está atacando órgãos públicos. Já atingiu o meio ambiente. Agora está na área econômica. O Coaf pode ser desfeito, sob o pretexto de ser transferido para o Banco Central. O órgão de inteligência financeira era elogiado pelo seu trabalho de combate à corrupção, até que revelou as movimentações estranhas nas contas do gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro. Nunca mais sua vida foi a mesma.

Agora o ataque é à Receita Federal, uma das melhores e mais competentes burocracias brasileiras. Ninguém ousou mexer com ela. O presidente Bolsonaro num dia diz que a Receita fez devassa nas contas da sua família, depois diz que quer transformá-la em agência dando a desculpa de que quer protegê-la de intervenções políticas. O problema é que o mesmo Bolsonaro havia falado mal das agências reguladoras. Basta somar. Ele não gosta das agências, se sente perseguido pela Receita e quer transformá-la em agência e, claro, não é para fortalece-la. Se quiser proteger o órgão de intervenção política, basta não intervir.

O populismo desmonta economias porque ignora dados da realidade e prefere medidas de efeito imediato ainda que causem distorções. Os exemplos são inúmeros. A Argentina estagnou em 2012. O peronismo, se corrigir os erros que cometeu, tem a chance de retomar o crescimento. Na Venezuela, o desmonte populista e autoritário foi tão longe que a economia desmoronou. A democracia, também.

O Brasil é uma democracia forte, mas tem um presidente de extrema-direita que admira ditaduras e elogia torturadores. Sua tendência populista não chegou na economia por força desta equipe, mas o presidente não é um liberal e aceita a política de austeridade até que o atinja. Protegeu os policiais na Previdência, e a reforma dos militares embute um grande aumento de salário. O maior risco de Bolsonaro é o autoritarismo. É da sua natureza e ele não vai mudar. O Brasil precisa que as instituições funcionem.

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