- O Globo
Adianta pouco acusar o mundo como tem feito o governo Bolsonaro. Muito mais produtivo é se entender e negociar
A pressão sobre o Brasil aumentou ontem com outros governantes do G7 apoiando a ideia de que a Amazônia seja assunto da reunião de cúpula, e líderes europeus querendo que se rediscuta o acordo UE-Mercosul. Nas redes, a campanha é por boicote ao produto brasileiro. O dólar disparou batendo o maior valor em um ano, e a bolsa caiu abaixo de 98 mil pontos, porque houve uma grave escalada do conflito EUA-China. O mercado brasileiro também teme o atraso na reforma da Previdência, com o adiamento da leitura do relatório. Como já escrevi aqui, o risco é a tempestade perfeita que misture a crise externa com barreiras aos produtos brasileiros por razões ambientais.
Adianta pouco acusar o mundo como tem feito o governo. Muito mais produtivo é se entender e negociar. Foi por este caminho que o governo acabou anunciando ontem, no meio da crise, o acordo do Mercosul coma Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. O presidente quis mostra ração contra o desmatamento e no pronunciamento à noite em cadeia nacional disse que proteger a floresta é nosso dever. Se tivesse agido diante do primeiro alerta do Inpe, teria ganhado tempo.
Quando o quadro econômico internacional está pior há menos espaço para errar, e o Brasil tem errado muito. A China e os Estados Unidos tiver amontem mais um dia de ataques mútuos. Trump criticou o Fed, chamando ode “inimigo dos Estados Unidos”. Isso não tem precedentes. Mas tem motivo: Trump quer um bode expiatório para a desaceleração da economia americana.
Os erros da política ambiental permitiram que se formasse esse movimento contra os produtos brasileiros. O Brasil é grande exportador de proteína animal, para ficar só num exemplo. A Europa consome 10% de tudo o que o Brasil vende de carne bovina, mas é mercado de maior valor agregado e havia expectativa de aumento das compras após o acordo UE-Mercosul. É grande comprador também de outros alimentos. No caso da carne, a Irlanda também é exportadora. Fora da Europa outro produtor é o Canadá. E os Estados Unidos. A França é conhecida pelos eu protecionismo.
O presidente francês, Emmanuel Macron, disse que a França é contra o acordo UE-Mercosul. O primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, disse que não há maneira de o seu país apoiar o acordo. A convocação de Macron de discutir a Amazônia no G 7 foi apoiada pelo primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau. “Eu não podia concordar mais”, disse Trudeau. Todos eles têm interesses comerciais envolvidos? Têm sim, mas isso não explica tudo. Até porque a Inglaterra do conservador Boris Johns ons e juntou ao clamor. A chanceler Angela Merkel aceitou a proposta de Macron. A Finlândia também se manifestou. Bolsonaro só teve o afago, já no fim do dia, de Donald Trump. Queira ou não, o mundo tem o direito de se preocupar com o futuro da floresta que está tão ligada ao destino do planeta. A Amazônia pertence anove países, ainda que seja 60% brasileira.
Na dinâmica hoje dos mercados o consumidor tem voz ativa. O embaixador Sérgio Amaral, que já comandou as embaixadas em Londres, Paris e Washington, explicou essa nova categoria de proteção que não depende dos governos:
—São padrões de consumo, que se um supermercado puser um produto que resulta de desmatamento ele não vai vender. Os distribuidores já retiram das prateleiras. Da mesma forma que não compram produtos que engordam, que derivam de trabalho infantil. Existe o compromisso da sociedade. Esse é o ponto. É o risco que estamos correndo.
A ministrada Agricultura, Tereza Cristina, disse que é preciso diferenciar queimada de incêndio. E que é comum acontecer isso nesta época do ano: —Queimada tem todo ano. Tem que se fazer uma diferença entre os dois acontecimentos. Este ano está mais seco e as queimadas estão maiores. Eles precisavam saber do Brasil o que está acontecendo antes de tomar qualquer tipo de medida.
Ao contrário do que disse a ministra, este ano está havendo uma estiagem mais suave, como mostrou a nota técnica do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam). Queimadas acontecem todos os anos, mas, como disse a ex-ministra Marina Silva, “nunca incentivadas pelo discurso de um presidente”. A ministra faria melhor se ecoasse o que estão falando os líderes do agronegócio: eles estão condenando fortemente o desmatamento. E é o aumento do desmatamento que está alimentando as queimadas.
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