quarta-feira, 7 de agosto de 2019

O que pensa a mídia: Editoriais

Leia, abaixo, os editoriais dos jornais: Valor Econômico, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo  e O Globo

Com MP, Bolsonaro tenta intimidar a imprensa: Editorial / Valor Econômico

O presidente Jair Bolsonaro não gosta do que lê nos jornais nem das críticas que sofre. Resolveu revidar ontem, editando Medida Provisória que altera lei aprovada pelo Congresso e sancionada por ele há quatro meses (a 13.818, de 24 de abril) e desobriga as empresas de capital aberto de publicarem demonstrações financeiras em jornais. A lei que foi modificada estabelecia que até 31 de dezembro de 2021 valeria a regra da Lei das Sociedades Anônimas, que determina publicação de balanços no Diário Oficial do Estado em que estiver situada a companhia e em um jornal de grande circulação nacional. Bolsonaro mencionou o Valor e, entre risos irônicos, disse esperar que o jornal "sobreviva à MP de ontem".

O presidente costuma inventar argumentos para atacar adversários ou interpretar o conteúdo do que lê de maneira singular. Ele disse ontem, após mencionar a MP 892 que assinara no dia anterior, que concedeu duas entrevistas ao Valor durante a campanha eleitoral e em uma delas a manchete era a de que sua proposta de política econômica era igual à da presidente Dilma Rousseff. Detalhe: o presidente não concedeu entrevistas ao jornal durante a campanha, apesar de procurado. Os únicos registros de entrevistas ao Valor datam de 2017 e não trazem tal referência. Articulistas em colunas de Opinião fizeram paralelos entre os dois em alguns episódios específicos, como o de quando o presidente interferiu diretamente na política de preços da Petrobras.

O atropelo à verdade pelo presidente tem sido recorrente, assim como sua campanha contra a imprensa. Bolsonaro reconheceu ontem em Itapira (SP) seu objetivo ao editar a MP: "No dia de ontem eu retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou".

Mas, mais do que buscar atingir a imprensa, o presidente mais uma vez passou por cima da Câmara dos Deputados e do Senado, que deliberaram sobre o assunto e aprovaram, após quatro anos de debates, um esquema de transição que eliminaria a obrigatoriedade de publicação de balanços integrais em jornais impressos e fixou prazo razoável de adaptação para que isso fosse feito.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ontem que "retirar receitas dos jornais do dia para a noite" não lhe parece a melhor decisão. Ele destacou que não acha que Bolsonaro esteja sendo "atacado" pelos jornais, que "estão divulgando notícia" e que considera que o jornal impresso "ainda é instrumento muito importante da divulgação de informação, da garantia da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão e da nossa democracia".

Na semana passada, o presidente foi criticado pelo decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, por também ter atropelado o entendimento do Congresso, ao lançar uma MP alguns dias depois de outra ter sido rejeitada, com a mesma finalidade de retirar a demarcação de terras indígenas da Funai e transferi-la para o Ministério da Agricultura. Mello viu na atitude de Bolsonaro o sinal de haver, "na intimidade do poder, um resíduo de indisfarçável autoritarismo". A edição da nova MP confirma a percepção do ministro do STF.

Não há a mínima questão de urgência ou relevância que justifique o uso de medida provisória para tratar do assunto. O presidente utilizou seus poderes legais para tentar constranger financeiramente jornais pelo fato de eles publicarem críticas ou avaliações negativas de seu governo, um fato corriqueiro em regimes democráticos. A MP 892 não vai mudar em nada a atitude dos jornais independentes, que não se pautam por objetivos políticos, como o presidente acredita.

Os impulsos autoritários do presidente causam problemas para o próprio governo. No início da discussão da reforma da Previdência, Bolsonaro disse que por ele a reforma jamais seria feita, maneira estranha de defender a primeira e mais relevante batalha de seu governo. Agora, quando a reforma tributária adentra o Congresso, com enormes obstáculos à frente, Bolsonaro ataca os governadores do Nordeste em seu conjunto - e os governadores tiveram papel decisivo para enterrar todas as tentativas que passaram pelo Congresso.

A equipe econômica valoriza e pretende incentivar o mercado de capitais, enquanto o presidente, com a MP, vai, como diz nota da Associação Nacional de Jornais, "na contramão da transparência de informações exigida pela sociedade". Ele se orgulha de retirar custos de publicação das empresas, mas se esquece dos atuais e futuros acionistas, que buscam cada vez mais informações facilmente disponíveis diante da arrancada da bolsa de valores. A palavra está novamente com o Congresso, que tem a oportunidade de reafirmar o entendimento anterior como a melhor solução para a questão.

Extremismo nas redes sociais: Editorial / O Estado de S. Paulo
O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) determina, em seu artigo 2.º, que “a disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão”. Ou seja, a lei “que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil”, conforme se lê em seu artigo 1.º, coloca a liberdade de expressão como sua principal baliza.

A ênfase não é aleatória nem acidental: trata-se de assegurar que nenhuma regulação seja capaz de tolher o direito à livre manifestação do pensamento no ambiente da internet – cuja vocação democrática é ainda mais evidente quando se observam as tentativas de regimes autoritários de submetê-la a censura.

Nesse aspecto, o Brasil se alinha às democracias maduras, já que seu marco legal para a internet, um dos mais modernos do mundo, não deixa dúvidas sobre a prevalência da liberdade de expressão na web. Entretanto, frequentemente esse compromisso democrático é testado por liberticidas de diversas extrações.

Enquanto no Brasil o problema se limita, por ora, aos extremistas políticos que transformaram as redes sociais em terra de ninguém, onde adubam com mentiras e distorções o ódio que ajuda a ampliar a crise nacional, nos Estados Unidos e na Europa os fanáticos virtuais passaram do palavrório à ação real. Multiplicam-se atentados terroristas motivados por racismo e xenofobia amplamente disseminados em diversas redes sociais.

O caso mais recente ocorreu em El Paso, no Estado norte-americano do Texas, onde no dia 3 passado um supremacista branco matou a tiros 22 pessoas num supermercado. Segundo os relatos conhecidos até aqui, o atirador foi motivado por mensagens de ódio aos imigrantes veiculadas livremente numa rede social chamada “8chan”.

Esse fórum foi criado em 2013 pelo norte-americano Frederik Brennan com a intenção, segundo o jornal The New York Times, de oferecer na internet um lugar onde qualquer mensagem seria bem-vinda, independentemente de sua virulência. Brennan pretendia assim reagir às restrições impostas aos usuários de outro fórum que ele frequentava, o “4chan”.

Em pouco tempo, graças a essa sua natureza irrestrita, o “8chan” tornou-se uma espécie de santuário para os extremistas expulsos de outras comunidades virtuais por violarem as regras de boa convivência. Brennan deixou de comandar o fórum em 2015, quando o radicalismo já havia se tornado sua principal marca, e hoje o site é administrado por Jim Watkins, veterano do Exército norte-americano que vive nas Filipinas. Watkins, assim como Brennan antes dele, não exerce nenhuma forma de moderação sobre os comentários ali postados. Foi graças a essa liberdade que o assassino de El Paso pôde anunciar tranquilamente seu intento no “8chan”, momentos antes de cometer o crime, acrescentando a recomendação de que sua mensagem homicida fosse propagada pelos demais frequentadores.

O “8chan” já havia sido usado como veículo dos criminosos para anunciar outros massacres, como o ataque de um supremacista branco contra muçulmanos em Christchurch (Nova Zelândia), que deixou 51 mortos em março passado, e o ataque de um antissemita a uma sinagoga na Califórnia, que matou uma pessoa, em abril.

É evidente que, nesses casos, a liberdade de expressão serve apenas como instrumento para disfarçar de mensagem política o que não passa de crime de ódio. Até pouco tempo atrás, redes sociais importantes como o Twitter e o Facebook recusavam-se a impor filtros a esse tipo de discurso, e não foram poucas as vezes em que ambas serviram para amplificar o que estava restrito a redes obscuras como o “8chan”.

Diante da constatação óbvia de que era preciso impor limites para as mensagens de ódio – e do fato de que poderiam ser de alguma maneira responsabilizadas pelos crimes brutais cometidos a partir delas –, Facebook, Twitter e outras redes recentemente baniram de seu ambiente diversos extremistas, especialmente nos Estados Unidos. A esses fanáticos restou então o submundo da internet, onde cinicamente reivindicam o direito fundamental à liberdade de expressão com o objetivo de destruir a essência da democracia.

A inovação em involução: Editorial / O Estado de S. Paulo
Seguindo sua série de mensurações sobre o desenvolvimento nacional rumo aos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) publicou o estudo Construir Infraestruturas Resilientes, Promover a Industrialização Inclusiva e Sustentável, e Fomentar a Inovação – O que mostra o retrato do Brasil? E o que mostra é desanimador. O quadro geral é de estagnação, com involução em alguns setores-chave e um ou outro avanço digno de nota. Mais desalentador é o fato de que essas tendências regressivas já estavam presentes antes da recessão. Ademais, boa parte dos dados cotejados só cobre até o ano de 2016, o que permite inferir que de lá para cá certas dinâmicas negativas se agravaram.

O caso mais crítico diz respeito à meta sobre a industrialização inclusiva e sustentável. No caso do Brasil, ela foi especificada de modo a priorizar o aumento da produtividade, a geração de emprego e a elevação do PIB. Na prática, o movimento do País segue na direção oposta. Entre 2010 e 2016, o valor adicionado da indústria de transformação em proporção ao PIB caiu de 12,7% para 10,6%. No mesmo período, o valor adicionado per capita encolheu de R$ 2.592,00 para R$ 2.057,00. Enquanto a remuneração média dos empregados, incluindo setores como serviços, aumentou, para os empregados das indústrias ela ficou estável.

O Ipea verificou involução em outras duas metas correlacionadas: a modernização da infraestrutura, em particular no emprego de recursos e técnicas sustentáveis, e os incentivos à pesquisa, desenvolvimento e inovação. A meta para os gastos em pesquisa e desenvolvimento é de 2% do PIB. Entre 2010 e 2015, houve aumento de 1,16% para 1,34%. Mas em 2016, último ano computado, houve regressão para 1,27%. Um indicador ainda pior talvez tenha sido a composição de gastos públicos e privados. Historicamente, estes últimos já são anormalmente baixos no Brasil em comparação com os países mais inovadores, onde a iniciativa privada é muito mais decisiva tanto quantitativa como qualitativamente. Mas, nos mesmos cinco anos, o dispêndio empresarial caiu de 48,9% para 47,6%. Essas dinâmicas regressivas com toda a probabilidade devem ter se acentuado no último triênio.

Houve também uma tendência à perda no acesso ao crédito pelas pequenas e médias empresas. A sua participação no saldo do sistema financeiro de 2012 correspondia a 50%. Em queda contínua, chegou em 2017 a 40%. As perspectivas não são boas, porque, apesar de haver diversas políticas públicas de incentivo ao setor, elas não abrangem todas as suas necessidades e se mostraram até o momento mal articuladas.

Em contrapartida, em pelo menos dois dos oito indicadores houve alguma melhora. Um deles diz respeito ao aumento do número de trabalhadores e pesquisadores dedicados à inovação nas empresas e universidades. Segundo o Ipea, entre 2010 e 2017 o porcentual de graduandos em ciência, tecnologia, engenharia e matemática subiu de 19% para 21%. O pessoal envolvido em pesquisa e desenvolvimento no setor empresarial também cresceu razoavelmente: de cerca de 71 mil em 2010 para 104 mil em 2014. Nota-se ademais um crescimento sensível no acesso a tecnologias da informação e comunicação. Em apenas um ano (2016-2017), o porcentual da população que tem telefone móvel com acesso à internet passou de 61% para 66%, enquanto nos domicílios do País a disponibilidade de internet subiu de 69% para 75%.

Esses dois últimos avanços, contudo, claramente decorrem muito mais de uma conjuntura de mercado global do que de políticas públicas nacionais. Entre estas, vale destacar que está em vigor a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação 2016-2022. Com recursos escassos para pesquisa e inovação, é preciso priorizar neste plano as áreas nas quais o País já é forte ou promissor. De resto, independentemente da conjuntura, não há outro caminho senão investir na cooperação entre o poder público e o privado a fim de fortalecer este último.

Corte de juros e risco externo: Editorial / O Estado de S. Paulo
Com cerca de US$ 380 bilhões de reservas cambiais e contas externas ainda em ordem, o Brasil pode enfrentar choques externos sem grandes estragos e sem mudar o rumo da política de juros, segundo o Banco Central (BC). Qualquer choque, mesmo muito forte e de efeitos prolongados? A pergunta é inevitável, diante do agravamento do conflito comercial entre Estados Unidos e China, com reflexos perigosos na atividade global, no fluxo de capitais e nas taxas de câmbio.

A semana começou com bolsas em queda em todo o mundo e o dólar batendo em R$ 3,96 no Brasil, depois do anúncio de novas barreiras comerciais americanas e de uma preocupante desvalorização da moeda chinesa. Pela primeira vez desde 2008 foi ultrapassada a barreira de sete yuans por dólar. O governo americano imediatamente acusou as autoridades chinesas de manipular o câmbio para encarecer importações e baratear exportações. Era um retorno ao velho tema da guerra cambial.

Depois do primeiro susto, havia sinais de melhora nos mercados, na manhã de ontem, quando o BC divulgou a ata da última reunião de seu Comitê de Política Monetária, o Copom, na quarta-feira da semana passada. O cenário internacional, segundo a ata, continuava “benigno”, apesar das tensões comerciais e geopolíticas e do risco de menor crescimento da economia global. O adjetivo “benigno” era explicado, no texto, como referência às políticas monetárias muito moderadas em vigor nas principais economias, um sinal de condições de financiamento ainda muito favoráveis.

A redução do crescimento global é o grande risco externo mencionado na ata, como efeito possível das tensões comerciais e geopolíticas. Não se deve, no entanto, menosprezar o perigo de uma turbulência cambial, apontado pelo Banco do Povo da China (PBoC), o BC chinês, em resposta às ações e acusações do governo dos Estados Unidos.

O risco de uma turbulência forte e prolongada, com potencial para provocar grandes fugas de dólares dos países emergentes, parece por enquanto descartado pelo Copom.

Excluída a hipótese de uma catástrofe, o Brasil tem condições de suportar a instabilidade externa. Estaria menos preparado se o Executivo tivesse imposto a ideia de vender reservas cambiais para diminuir a dívida pública federal. Esse plano, defendido há meses por gente da equipe econômica, parece hoje abandonado.

Uma desordem cambial poderia forçar o BC a mudar o rumo da política de juros. Na semana passada o Copom baixou de 6,50% para 6% a taxa básica de juros, a Selic. Foi a primeira mudança em mais de um ano. Novos cortes poderão ocorrer, segundo o Copom havia anunciado logo depois da última reunião e confirmou com a ata recém-publicada. Não se indicou o tamanho dos novos cortes. Além disso, o comitê preservou espaço para seguir outro rumo, se as condições piorarem. No mercado, o afrouxamento adicional é tido como certo. Só se discute a sua extensão. O ano terminará, segundo as apostas, com a Selic entre 5,25% e 5%.

As perspectivas internas são favoráveis a um maior estímulo monetário, segundo a ata. Todos os cenários indicam inflação contida, com espaço para corte de juros. Pressupõe-se a continuação da política de ajustes, com a aprovação final da reforma da Previdência e avanço em outras medidas.
O crescimento poderá ser favorecido pela liberação de recursos do FGTS e do PIS-Pasep, mas o efeito será passageiro. As condições econômicas subjacentes continuarão pouco favoráveis a uma expansão mais acelerada. O País só ficará mais dinâmico, segundo a ata, com medidas para tornar a economia mais flexível, mais produtiva e mais competitiva. Esta observação já apareceu em outros documentos do BC.

Novo corte dos juros na próxima reunião do Copom, em setembro, é a aposta mais comum no mercado. Parece uma aposta segura, se nenhum desatino for cometido pelo governo e se o presidente Donald Trump, guru do colega brasileiro, resistir à tentação de incendiar o mercado global.

Susto global: Editorial / Folha de S. Paulo

Em resposta a Trump, China desvaloriza moeda; disputa ameaça a economia mundial

A seu estilo, Donald Trump encerrou de forma súbita a frágil trégua comercial com a China que se mantinha desde o final de junho. Nas mídias sociais, o presidente americano anunciou que a partir do início de setembro poderá taxar em 10% mais US$ 300 bilhões em importações anuais do país asiático.

Se levada a cabo, a nova rodada de tarifas será somada aos 25% já cobrados sobre outros US$ 250 bilhões em compras. Desta vez, no entanto, espera-se impacto maior na inflação, pois a medida atingiria mais os bens de consumo.

Uma ampla gama de artigos, de celulares a brinquedos, ficará mais cara para o consumidor dos Estados Unidos, a não ser que os fornecedores chineses baixem os preços para não perder mercado.

A ameaça foi recebida com protestos por Pequim, que apontou má-fé e falta de ética do lado americano, uma vez que os dois países estão em processo de negociação.

Incapaz de retaliar com as mesmas armas, dado que importa muito menos, o governo chinês decidiu permitir que a cotação de sua moeda superasse, pela primeira vez desde a crise econômica global de 2008, a barreira de 7 ante o dólar.

A atitude provocou enorme susto nos mercados financeiros —que passaram a temer uma desvalorização abrupta do yuan, com impacto dramático sobre o comércio e as finanças globais.

No mesmo dia, despencaram os índices das Bolsas de Valores e as cotações de moedas de países emergentes em geral. No Brasil, o dólar voltou a se aproximar de R$ 4, a despeito das expectativas favoráveis para a tramitação da reforma da Previdência Social.

Cresce a dúvida, ademais, quanto à perspectiva de retomada do crescimento econômico mundial, após quase um ano de desaceleração.

A maior parte dos bancos centrais dos países desenvolvidos já vinha reconhecendo os riscos e indicando juros menores adiante.

Nos Estados Unidos, o Fed cortou os juros em 0,25 ponto percentual em julho, para o intervalo de 2% a 2,25% ao ano, e atitude similar é esperada em breve de seu congênere europeu. Busca-se sustentar a atividade, que se mostra frágil nas principais praças.

Mesmo assim, Trump não cessa de criticar a postura da autoridade monetária de seu país, que considera austera demais —ele gostaria de taxas ainda menores para facilitar a reeleição no ano que vem.

Por esse motivo, levantaram-se suspeitas entre analistas de que o endurecimento com a China esteja associado a uma pressão sobre o Fed. Desnecessário apontar que uma estratégia desse tipo acarretaria o risco de, no limite, jogar o mundo em uma nova recessão.

Se a China até agora não aceitou negociar de forma ampla, difícil imaginar que mais ameaças surtirão efeito. Fato é que um acordo entre as duas grandes potências vai ficando cada vez mais difícil.

Tensão elétrica: Editorial / Folha de S. Paulo

Brasil e Paraguai ainda não encerraram polêmica em torno da energia de Itaipu

Um acordo entre Brasil e Paraguai referente à usina de Itaipu, que em tese tratava de um ajuste de natureza econômica, provocou um princípio de turbilhão político no país vizinho, levando à queda de autoridades e à quase abertura de processo de impeachment contra o presidente Mario Benítez.

No fulcro da crise encontra-se a divisão da energia produzida pelo consórcio binacional —e o valor pago por ela. Cada parte detém metade da geração oficial da hidrelétrica, mas o Paraguai utiliza apenas uma fração do que tem direito, cerca de 15% do total.

Existe, ademais, uma produção que ultrapassa a potência formal da usina, chamada energia excedente. Trata-se de recurso mais barato, por estar livre dos encargos da dívida da construção de Itaipu que oneram a geração regular.

Embora os dois países tenham direito, cada um, a 50% dessa oferta, um acordo de 2007 concedeu aos paraguaios preferência para adquirir a parte brasileira.

O Brasil se queixa de que, para ter maior acesso à energia de menor custo, Assunção vem contratando de forma deliberada nos últimos anos uma potência bastante inferior à de que realmente necessita.

No ano passado, o parceiro consumiu 1.717 MWmed (megawatts médios) da energia de Itaipu. Entretanto apenas 898 MWmed vieram da produção normal da usina, pela qual paga US$ 43,80 por megawatt/hora. Pelo restante, o valor despendido por MWh foi de US$ 6.

Em razão disso, o custo médio da energia foi de US$ 26,16/MWh, ao passo que o Brasil desembolsou US$ 41,45/MWh. Na prática, é como se subsidiássemos o consumo de eletricidade do vizinho.

Para reduzir tais distorções, o Paraguai se comprometeu a aumentar progressivamente até 2022 a quantidade de energia contratada, o que elevaria seu custos em mais de US$ 200 milhões (perto de R$ 800 milhões, pela cotação atual).

As tratativas, que incluíam ainda a atuação de uma empresa privada brasileira, inflamaram o Parlamento paraguaio —onde a oposição chegou a obter o número de votos necessários para iniciar o processo de destituição de Benítez, pela acusação de traição à pátria.

Percebendo o risco que corria um de seus principais aliados na região, o governo Jair Bolsonaro (PSL) aceitou rever os termos do compromisso. Ao colaborar para esvaziar a crise, o presidente agiu com acertada prudência.

As tensões em torno da negociação e dos interesses envolvidos, entretanto, não estão dissipadas.

O desserviço que Bolsonaro presta ao meio ambiente: Editorial / O Globo

Além de acenar com o relaxamento de controles, presidente vulnerabiliza o país ao atrair boicotes às exportações

Ocandidato Jair Bolsonaro já havia emitido opiniões preocupantes sobre o meio ambiente. Mencionou a transferência do Ibama para o Ministério da Agricultura, depois barrada pelo Supremo devido à forma como foi executada, e fez questão de transparecer seu descaso com o preservacionismo. Um universo que, no mundo bolsonariano, é controlado por ONGs que atuam contra os “interesses brasileiros”, este termo difuso cuja definição tem sempre um forte viés ideológico seja do autoritarismo de direita ou de esquerda.

Alertado pelo agronegócio, um segmento da economia que dá certo, o já presidente eleito moderou o discurso. Parecia haver entendido os alertas de que desmatamento passou a ser, felizmente, um tema sensível no mundo, em particular se ocorrer na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, que tem um papel estratégico no clima e não só no Brasil. Em tempos de preocupações com o cientificamente provado aquecimento global, o tema é incandescente.

Tanto que as exportações de alimentos podem sofrer boicotes se eles forem produzidos em regiões desmatadas.

Bolsonaro parecia haver entendido. Mas seus atos recentes e declarações, somados ao ativismo no mesmo sentido do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, demonstram que o presidente nada aprendeu, continua com os preconceitos de sempre.

A demissão do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de excelência, Ricardo Galvão, foi autoexplicativa. O Inpe, que monitora a Amazônia por satélites e funciona como sentinela dos órgãos ambientais, anunciou que em junho o desmatamento aumentou 80%. Bolsonaro e Salles contestaram o número, sem base técnica, e investiram contra o mensageiro da informação. Galvão acaba de ser substituído interinamente pelo oficial da Aeronáutica Darcton Policarpo Damião, mestre em sensoriamento remoto pelo próprio Inpe. A esperar.

O presidente é obcecado por organizações não governamentais. Bastou saber que o chanceler francês, Jean-Yves Le Drian, havia se encontrado com algumas delas, para cancelar em cima da hora a audiência pedida pelo visitante.

Descortesia pessoal e diplomática. E contra o país, porque o governo francês de Emmanuel Macron condiciona a adesão ao acordo comercial MercosulUnião Europeia à real postura brasileira na questão ambiental.

Enquanto isso, há evidências de uma corrida de garimpeiros na Amazônia, em áreas indígenas, como a dos ianomâmis, revelada pelo GLOBO no domingo. A experiência mostra que ao primeiro sinal de relaxamento do governo coma preservação da região, garimpeiros e madeireiros se movimentam. Ejá foram vários os sinais.

Há todas as indicações de que o entendimento do presidente sobre a Amazônia criará problemas para o país, nos negócio sena diplomacia. Em entrevista publicada ontem no jornal “O Estado de S. Paulo ”, repetiu avelha visão nacionalista, propagada no meio militar, de que o mundo quer surrupiar a Amazônia do Brasil. Deve achar que os movimentos ambientalistas são biombo para esta fantasmagórica rapina.


O difícil convívio do autoritarismo com a liberdade de imprensa: Editorial / O Globo

Bolsonaro usa medida provisória para alterar lei que sancionara, a fim de atacar o jornal ‘Valor’

Alonga história do Brasil no autoritarismo não deixa dúvida da dificuldade que é o convívio de políticos não democráticos com a imprensa profissional, independente.

O presidente Bolsonaro, que desde deputado nunca serviu de modelo de tolerância, deu ontem em São Paulo, na abertura do Congresso da Federação Nacional de Distribuição dos Veículos Automotores (Fenabrave) e no interior, em Itapira, demonstração de até onde vai sua incompreensão da liberdade de imprensa.

Ao criticar o jornal “Valor Econômico”, do Grupo Globo, citando a publicação de uma entrevista na campanha que na verdade não concedeu, Bolsonaro citou medida provisória que assinara na véspera, para acabar com a obrigatoriedade de as empresas veicularem balanços em jornais. Esta edição
de demonstrativos financeiros na íntegra já deixará de ser compulsória a partir de janeiro de 2022, segundo lei, sendo permitida, porém, a publicação de balanços resumidos.

Bolsonaro usou a MP para alterar a Lei 13.818, recém-sancionada por ele, sobre regime simplificado de publicidade e publicações de sociedade anônima, para praticar esta retaliação. Bem no figurino de governantes autoritários.

O presidente aproveitou para também criticar O GLOBO, por ter publicado no domingo extensa reportagem sobre a ampla prática de nepotismo do clã Bolsonaro na ocupação de cargos eletivos —todos, o pai, Jair, e os filhos Flávio, Carlos e Eduardo.

O levantamento feito pela reportagem contabilizou 102 apaniguados, entre familiares e pessoas próximas ao clã. Todas, claro, remuneradas pelo contribuinte. Pai e filhos foram procurados. Quem não respondeu com evasivas, não falou. Poderiam ter explicado cada um dos casos.

O presidente preferiu atacar, usando instrumentos colocados pela Constituição ao dispor do chefe do Executivo para governar. Mas usou um desse instrumentos, uma MP, para vingança pessoal contra a imprensa. Em Itapira, não escondeu: “no dia de ontem (segunda) eu retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou...” (sic) No mínimo, má aplicação do poder de governo. Exemplo típico de patrimonialismo, o uso de recursos público para fins privados.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), resumiu: “Eu acho que a imprensa não está atacando ele. A imprensa está divulgando notícia. Se é contra ou a favor, essa é uma avaliação que cada um de nós tem que fazer quando é criticado ou elogiado”.

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