“A experiência da modernização autoritária do capitalismo brasileiro vai ser interrompida, quer pela exaustão das forças que o animavam, quer pela resistência em escala crescente dos movimentos sociais e das forças políticas de inclinação liberal que em aliança a ele se opunham. Derrotado politicamente o regime militar, mas não derrubado, abriu-se um difícil processo de negociação entre ele e a oposição, que conduziu a convocação de uma assembleia nacional constituinte, consagrando a Carta de 88 uma modelagem de país que o comprometia com ideais de solidariedade social e da representação política democrática. A rigor, o constituinte procedeu a partir de uma interpretação do nosso processo de modernização, expurgando-o dos elementos autoritários que nele se fizeram presentes. Fixou também procedimentos que viessem a garantir sua eficácia, criando para tanto novos institutos, entre os quais um Ministério Público com o papel de defender as suas disposições. Com essas inovações, a Carta confirmava e protegia o DNA que se plasmou no curso da nossa história de modernização, afirmando a dimensão do público como relevante no capitalismo brasileiro.
Nesse sentido, a Constituição fixou princípios e valores constantes da tradição da nossa formação não homólogos aos desejados pelas forças do mercado, infensas à política e ao social como presenças estranhas à lógica que lhe é própria. Tais forças, dominantes no governo atual, embora camufladas pelo alarido que ele produz em torno de questões comportamentais, atuam no sentido de uma drástica remoção dos obstáculos institucionais que imponham limites à sua ação, o principal deles a Constituição. Esse objetivo não é de fácil realização, como o próprio governo admite, daí sua estratégia de sitiá-la, minando aos poucos sua autoridade como em sua política de agir por decretos claramente inconstitucionais, como na questão indígena, entre outras, movimento que procura se reforçar pelos ataques pessoais a integrantes do STF. Delenda Constituição, essa a palavra chave que preside o governo Bolsonaro.”
*Luiz Werneck Vianna é sociólogo, PUC-Rio. ‘O método desta loucura’, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 8/8/2019.
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