terça-feira, 6 de agosto de 2019

Pedro Cafardo: Por que demora tanto esse "Plano Ipiranga"?

- Valor Econômico

A liberação de recursos do FGTS é apenas um aperitivo

Sete meses depois do início do governo, a equipe econômica afinal rendeu-se a evidências e colocou um pouco de combustível na economia. Baixou medida provisória determinando a liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS/Pasep, decisão que promoverá, segundo estimativas, uma injeção de recursos de R$ 42 bilhões na economia até 2020.

O Banco Central, depois de manter teimosamente por 16 meses inalterados os juros básicos em 6,5%, apesar da estagnação da econômica e da inflação baixa e declinante, reduziu a taxa em meio ponto.

A medida sobre o FGTS foi importante não pelo valor a ser liberado, mas pelo reconhecimento da equipe de que é necessário estimular a demanda para tirar o país do quadro depressivo em que se encontra desde 2014. No início, o discurso era de que a reforma da Previdência e outras contenções de gastos fariam o milagre da ressurreição da economia. Reduziriam a incerteza sobre a solidez das contas públicas. Isso permitiria a queda dos juros e o aumento do crédito. Dessa forma, haveria estímulo à demanda, mais emprego e mais investimentos.

Agora o discurso mudou. Aceita-se a ideia de que as medidas de estímulo à demanda são necessárias, mas não há muito pressa de apresentá-las. A liberação de recursos do FGTS é apenas um aperitivo. Para começar a sair da crise de baixo crescimento, a economia precisaria de empurrões muito mais fortes. A equipe econômica sabe o que fazer. Se não o faz é porque não quer.

Deve ficar para depois da votação do segundo turno da reforma da Previdência o anúncio da agenda do governo de longo prazo, um pacote de medidas que estava sendo preparado para ser divulgado na quarta-feira, 31 de julho. Não se sabe se esse "Plano Ipiranga" terá medidas de estímulo à demanda, mas, para o bem do país, deveria ter.

Quando a reforma da Previdência começou a ser debatida no Congresso, o ministro Paulo Guedes, da Economia, disse que as medidas antirrecessivas seriam anunciadas somente depois da votação em primeiro turno. Aprovada a MP em primeiro turno na Câmara, o discurso mudou. Agora o país terá de esperar o segundo turno.

Falta sensibilidade para entender que a situação de 12,8 milhões de desempregados é aflitiva e exige decisões imediatas. Não faz nenhum sentido ficar esperando a aprovação da reforma para tentar aliviar essa aflição.

Na semana passada, o repórter Fabio Graner, do Valor, publicou um estudo feito pelos economistas Manoel Pires e Bráulio Borges, pesquisadores associados do Ibre/FGV, e Gilberto Borça Jr., do BNDES, cuja conclusão batia exatamente nessa tecla: "a necessidade de políticas de demanda, em especial o uso da taxa de juros, tem sido negligenciada pelos governos nos últimos anos e é um dos fatores que explicam o baixo crescimento econômico após a grave recessão de 2015/2016".

Por conta dessa negligência, segundo o estudo, a recuperação da economia tem sido a mais lenta desde o fim do século XIX. Para os três economistas, existe uma "postura de certo desprezo" em relação à necessidade de estimular a demanda na economia nos últimos anos, o que teria sido o principal fator limitante da expansão mais acentuada do PIB do país.

Nesses últimos anos, segundo eles, as políticas de demanda têm sido não apenas negligenciadas como também demonizadas. A política monetária, por exemplo, teria sido inadequada desde meados de 2016. Com o teto de gastos, a contenção do crédito público e a política de contenção fiscal, os juros básicos poderiam ter sido muito mais baixos. Os economistas estimam que, dadas as expectativas de inflação, a taxa Selic deveria ter encerrado o segundo trimestre entra 3,25% e 4,75% ao ano, bem aquém dos 6,5% observados. A redução da taxa para 6% feita pelo BC na semana passada, portanto, já vem tarde demais.

STF e autoritarismo
Mudando radicalmente de assunto, vamos recuar no tempo, para 1964. Naquele ano, quando se instalou a ditadura militar no Brasil, o presidente do Supremo Tribunal Federal era Ribeiro da Costa, que deu apoio imediato ao golpe. Mesmo assim, ele reagiu a uma atitude autoritária.


O Caso Arraes é contado no livro "Tanques e Togas", de Felipe Recondo. Deposto em 1º de abril de 1964, o então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, foi preso e levado para Fernando de Noronha e depois para um presídio em Recife. Um pedido de habeas corpus foi negado pelo Superior Tribunal Militar em dezembro de 1964 e, então, os advogados de Arraes recorreram ao Supremo Tribunal Federal. Sustentavam que o tribunal militar não tinha atribuição para processar o governador, um civil, acusado de atos subversivos e de corrupção. O Supremo acatou a liminar e determinou a soltura de Arraes.

Os militares porém, se negavam a cumprir a ordem do Supremo. Começou então um longo embate entre Ribeiro da Costa e o presidente da República, general Castello Branco. Para disfarçar o descumprimento da decisão do STF, os militares soltaram Arraes, mas imediatamente o prenderam novamente sob a alegação de que estava sendo processado em dois outros inquéritos policiais-militares.

Os militares tentavam, portanto, se sobrepor ao Judiciário. Ribeiro da Costa enviou um duro ofício ao comandante do I Exército: "Advirto ser implícito no dever disciplinar o acatamento às ordens emanadas de superior hieráquico. (...) Acate, pois, a decisão tal como foi comunicada".

A cúpula militar demorou para digerir o "advirto", mas acabou cedendo. Dias depois, Ribeiro da Costa recebeu um telegrama do então chefe do gabinete militar da Presidência da República, general Ernesto Geisel: "Levo conhecimento V. Excia que Miguel Arraes de Alencar foi posto em liberdade por ordem do CMT I Exército. Cordiais Saudações".

Durante a ditadura, os militares suprimiram competências do STF, aumentaram o número de ministros de 11 para 16 a fim de garantir maioria no tribunal, cassaram três ministros e dois foram forçados a renunciar. Mesmo assim, em alguns casos, não conseguiram acovardar a instituição.

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