quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Vinicius Torres Freire: A moratória disfarçada da Argentina

- Folha de S. Paulo

Sem crédito após derrota eleitoral, governo Macri vai atrasar pagamentos da dívida

O governo da Argentina vai atrasar o pagamento de suas dívidas de curto prazo. Pretende atrasar também os pagamentos que vencem entre 2020 e 2023. Disse que vai "reperfilar os vencimentos da dívida". O nome disso é moratória.

O que houve? O governo quase não conseguia mais rolar sua dívida de curto prazo. Isto é, não era capaz de tomar novos empréstimos suficientes para pagar os que venciam. Até agosto, refinanciava 78% da dívida que vencia. Nas semanas recentes, rolava apenas 10%.

Por que o governo argentino perdeu ainda mais o crédito? Porque nas prévias eleitorais de 11 de agosto ficou claro que o presidente Mauricio Macri será reeleito apenas com a ajuda dos céus. Deve ganhar o peronista moderado Alberto Fernández.

O motivo de fundo é que o governo da Argentina quebrou de novo, o que ficou evidente em maio do ano passado, quando o país pediu e levou o maior empréstimo da história do FMI.

Por que a Argentina quebrou de novo? Macri endividou brutalmente o governo. Quando assumiu o cargo, no final de 2015, a dívida equivalia a 52% do PIB (do tamanho da economia). Agora, passa de 90% do PIB. A dívida externa foi de 14% do PIB para 44% nesse período.

Por que tanta dívida? O governo argentino gasta mais do que arrecada, vinha com déficits feios, mas tem imensa dificuldade de tomar empréstimos na própria Argentina (dado o histórico de calotes e maluquices ainda piores do que as brasileiras). Cobre o buraco das contas simplesmente emitindo dinheiro (que deu em aumento da inflação) ou fazendo dívida externa, quando consegue.

Macri praticamente não diminuiu o déficit do governo até ser obrigado a fazê-lo, quando o país foi para o vinagre, em maio de 2018. Fez um monte de dívida quando os donos do dinheiro grosso sorriam para o seu governo liberal e o dinheiro andava sobrando para emergentes.

O governo diz que não está com problemas de solvência, mas de liquidez. Ou seja, tem dinheiro para pagar, não vai dar calote, mas não quer gastar o dinheiro das reservas, que está sumindo pelo ralo. Vai pelo ralo porque Macri precisa pagar a dívida que não consegue refinanciar e ainda gasta dinheiro para evitar desvalorização ainda maior do peso (25% desde as prévias eleitorais).

Então, declarou moratória, mudança de prazos de pagamento, de perfil dos pagamentos da dívida, "reperfilamento". Já decretou que vai pagar na data de vencimento apenas 15% das dívidas de curto prazo em pesos e dólares (excluídos débitos com pessoas físicas). O restante vai atrasar de três a seis meses.

Dívidas com FMI ou que vencem de 2020 a 2023, o grosso dos débitos, serão "renegociadas". Como a reeleição de Macri está quase perdida, trata-se de uma gentileza com o provável futuro governo peronista.

No entanto, o que acontece se os credores não aceitarem a "renegociação", a extensão de prazos? Calote?

Ou a Argentina aceita a asfixia e a perda de reservas (o que pode levar na prática ao calote)? De resto, ao ouvir a notícia do "reperfilamento voluntário", quantos credores não vão dar o fora de vez da Argentina?

O governo teve de fazer arrocho a fim de controlar o endividamento. O PIB caiu 2,5% no ano passado, deve cair mais 1,5% neste ano. O país cumpre o plano com o FMI. Mas os credores não acreditam que o país vai seguir na linha dura, sob os peronistas.

Enfim: sim, parte desse rolo vai nos envolver, como de resto ocorre desde o ano passado.

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