segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Cida Damasco – Circuito da crise

- O Estado de S.Paulo

Desemprego persistente e Orçamento anêmico ainda ameaçam evolução do PIB

Quem dormiu na quinta-feira aliviado com a notícia de que o Brasil escapou da "recessão técnica" acordou na sexta-feira com a informação de que o País ainda tem uma legião de 12,6 milhões de desempregados, mais do que a população da cidade de São Paulo.

Desemprego real mesmo e não "técnico". E ainda terminou o dia com a confirmação de que, se depender do governo, não haverá nenhuma tração para o crescimento no ano que vem. Só para dar uma ideia do arrocho, o projeto encaminhado ao Congresso quase na prorrogação do segundo tempo prevê que os gastos obrigatórios consumirão 94% do Orçamento federal e os investimentos terão uma queda de 15%, limitando-se a R$ 19 bilhões, o menor nível em 10 anos.

São vários ângulos da mesma crise, que se reflete na extrema lentidão com que a economia se move há tempos. Com crescimento minúsculo, as empresas não só deixam de ampliar os quadros como partem para demissões e achatam os custos da mão-de-obra recorrendo à "informalidade". Com desemprego renitente, associado ao endividamento, consumidores restringem as compras ao mínimo necessário, o que, no fim da linha, resulta em menos crescimento. E, no sufoco, o governo mal consegue cumprir suas obrigações básicas, que dirá investir ou mesmo induzir o setor privado a tomar seu lugar.

A economia andou um pouco no segundo trimestre -- 0,4% sobre o primeiro e 1% sobre igual período de 2018, com a ajuda de uma reação do investimento, que registrou aumentos de 3,2% sobre o trimestre anterior e de 5,2% na comparação anual. E o desemprego caiu um pouco no trimestre encerrado em julho -- menos 0,7 ponto porcentual na taxa de desemprego, que chegou a 11,8%, e menos 4,6% em número de desocupados, no confronto com os três meses imediatamente anteriores.

Mas ainda preocupa a qualidade desse aumento na ocupação, como demonstra uma sucessão de recordes apontados pelo IBGE: no emprego sem carteira assinada no setor privado (11,7 milhões de trabalhadores), por conta própria (24,2 milhões) e até no chamado desalento (4,8 milhões), aquele conceito que identifica os trabalhadores sem ânimo sequer para buscar uma colocação. E mais: com esse mercado dominado por vagas de pior qualidade, nada mais natural do que um "congelamento" na renda dos trabalhadores -- menos 0,1% na comparação anual, principalmente em consequência da redução de 1% no rendimento dos trabalhadores com carteira assinada.

Se o desemprego continua empacando o consumo -- o avanço desse item ficou em 0,3% no trimestre e em 1,6% sobre o mesmo período do ano passado --, a contenção de gastos do governo também ameaça a trajetória do PIB. As manifestações de vários ministros nos últimos dias, todos tentando preservar o máximo possível de recursos para o seu pedaço, no Orçamento de 2020, deixam claro que não há dinheiro disponível para bancar as despesas do dia a dia. Ou, se há dinheiro, entraves burocráticos e de gestão estariam determinando seu "empoçamento".

Sabe-se que o ministro da Economia tem várias ideias para acertar as contas do ano que vem, que vão da eliminação do adicional de 10% na multa rescisória sobre o FGTS pago pelas empresas à suspensão das obras do Minha Casa Minha Vida, segundo o Estadão/Broadcast. Essas alternativas serão jogadas para negociação no Congresso, o que deve acirrar discussões e desviar o foco de outros projetos da pauta econômica. Tudo em nome de cumprir as metas de resultado primário, teto de gastos e regra de ouro.

Como se vê, trata-se de um circuito que, apesar do alívio com o PIB acima das previsões e o desemprego em queda, continua perverso. O próprio Guedes preferiu não festejar os números do segundo trimestre, por estar ciente de alguns indicadores desfavoráveis da atividade econômica em agosto, já sob efeito do cenário externo.

A grande esperança é que a economia tenha finalmente chegado ao fundo do poço. Em resumo, que os investimentos mostrem uma reação mais firme, especialmente a construção, e o consumo ganhe algum ânimo com o mercado de trabalho exibindo uma troca da informalidade por contratações formais. No momento, porém, o mais visível é que o poço é bem mais fundo do que muitos imaginavam.

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