terça-feira, 10 de setembro de 2019

Desigualdade vai implodir país, diz Huck

Por Malu Delgado | Valor Econômico

SÃO PAULO - Ao incluir-se no rol dos 1% de brasileiros mais ricos e admitir o desconforto com o "tsunami político" que assolou seu dia a dia, o apresentador e empresário Luciano Huck afirmou que o "abismo social gigantesco e a desigualdade social gritante" impedem o desenvolvimento e podem levar o país à implosão. "Hoje mais de 7 milhões de brasileiros vivem com menos de R$ 2 por dia. Se a gente não fizer nada esse país vai implodir", sentenciou, durante talk show no Fórum Exame 2019, num hotel em São Paulo.

"A gente não pode achar que vai discutir desigualdade, ou a solução para as favelas no Brasil, com um monte de gente branca, rica, sentada numa mesa na [avenida] Faria Lima", criticou Huck. O apresentador é visto no meio político e entre setores empresariais como um possível nome para disputar a Presidência em 2022.

Huck falou por 27 minutos sobre o tema "O Brasil que queremos" e apontou a desigualdade social como principal entrave ao desenvolvimento do país. Foi aplaudido de pé ao final. "Nós precisamos discutir seriamente a mobilidade social no Brasil. O Brasil já teve mobilidade social. Não tem mais. Hoje, se você nascer pobre, numa favela do Brasil, a chance de você morrer pobre, numa favela do Brasil, é enorme. Isso não está certo. É inaceitável."

Em nenhum momento Huck mencionou diretamente o presidente Jair Bolsonaro, mas por diversas vezes fez questão de enfatizar sua crença na necessidade de construções coletivas e respeito às diferenças. "Eu não fui treinado para o ringue da luta livre, eu não contribuí para a polarização, não sou um cara que grita, fala alto, eu não enxergo as pessoas que pensam diferente de mim como inimigos, eu também tento não excluir quem tem qualquer atitude e orientação diferente da minha. Estou com cabeça aberta ao diálogo de ideias e construção coletiva", disse.

O apresentador deu munição às especulações sobre sua candidatura futura. Afirmou que está fora de sua zona de conforto ao participar de eventos que promovem discussões políticas, mas disse entender que essa é a maneira de contribuir "para que o Brasil seja mais eficiente e um país mais afetivo, menos desigual". "Eu tinha dois caminhos: podia ser continuar sendo um peixinho dourado lá no aquário, protegido pelos muros do Projac, sendo alimentado diariamente com bastante fartura, fazendo o que eu gosto, ou me jogar no oceano e tentar de contribuir para que o Brasil seja um país melhor no futuro. A resposta está dada. Estou aqui."

Ressaltou, porém, que não quis se aproximar "da política tradicional" e optou - pelo menos até o momento - por não se filiar a nenhum partido, preferindo a atuação ligada a "movimentos cívicos", como o RenovaBR. Deixou claro, por outro lado, que trabalha ativamente na construção coletiva de um projeto alternativo de desenvolvimento do país, que está sendo gestado no movimento Agora. "Não é eleitoral, não é político, é aberto", explicou.


Huck citou o ministro da Economia, Paulo Guedes, reforçando a aproximação que tem com o economista. Mas fez questão de delimitar algumas diferenças de pensamento com os liberais ao enfatizar, com voz firme, que há uma geração perdida de brasileiros, analfabetos funcionais, sem direitos básicos e sem acesso a oportunidades, que precisa ser amparada pelo Estado. "Teremos que criar uma rede de proteção social para essas pessoas sim", disse, elevando o tom de voz. Foi fortemente aplaudido.

Segundo Huck, ainda que todos os filantropos e empresários brasileiros se unam, "o ponteiro da desigualdade não vai mexer". "Quem tem o poder para mexer no ponteiro da redução da desigualdade é o Estado." O apresentador defendeu a qualificação dos políticos e compromisso com o planejamento.

Em uma clara alusão a políticos da direita, citou o polêmico episódio no qual se envolveu o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), ao determinar a retirada do HQ "Os Vingadores", da Marvel, da Bienal do Livro porque, segundo ele, eram impróprios a crianças por ter conteúdo sexual.

"O povo pra valer não está preocupado em como é o desenho do casal que está no gibi da Marvel. As pessoas querem saber é como a vida delas pode melhorar de verdade, só isso."

Mas Huck também fez uma crítica a governos petistas, citando o mantra preferido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "A gente precisa de uma narrativa conciliadora no Brasil. Não dá para ficar brigando com todo mundo, discutindo, iludindo as pessoas. E não é de hoje... Usaram muito a retórica 'muito antes na história desse país', e não é verdade. O 'nunca antes na história desse país só foi possível porque antes disso teve um governo que organizou o Estado, equilibrou o Estado". Os governos de Lula e Dilma Rousseff foram precedidos por dois mandatos do tucano Fernando Henrique Cardoso.

Ao final da palestra, Huck foi questionado sobre a Amazônia. Explicou que tem ouvido vários especialistas sobre o assunto e defendeu a "Amazônia 4.0". Ele criticou o modelo da Zona Franca de Manaus. "A gente continua produzindo bicicleta e geladeira em Manaus para vender em Santa Catarina. Não estou desqualificando a Zona Franca, acho importante. Mas é possível algo muito mais moderno. A Amazônia pode ser zona de inovação e tecnologia. "

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