segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Fareed Zakaria* - Conduta do presidente americano segue padrão global

- The Washington Post, O Estado de S.Paulo

Desde 1995, cresce o número de pessoas que gostariam de ter um líder forte que não precisa se importar com um Parlamento ou eleições

Se você acha que foi uma transgressão passível de impeachment, devemos concordar que o que Donald Trump fez foi errado? Ele pressionou um governo estrangeiro a investigar um rival. Isto é bem diferente da investigação no caso da Rússia, para saber se Trump conspirou com o Kremlin. No caso da Ucrânia, o presidente é acusado de usar o poder dos EUA – que faz uma diferença de vida ou morte para a Ucrânia – para ganho pessoal.

Infelizmente, isto faz parte de um padrão de violações de normas democráticas. O relatório de Robert Mueller revela que Trump buscou restringir ou mesmo pôr fim à investigação do procurador especial. Trump ofereceu perdão para autoridades que infringiriam a lei, criticou agências de investigação do governo e as pressionou para investigarem seus oponentes.

Ele também ignorou convocações para depor no Congresso e recusou-se a entregar documentos, incluindo seu informe de imposto de renda, e enriqueceu suas empresas usando sua posição como presidente. Atacou o Judiciário e a mídia, chamando-a de “inimiga do povo.

Trump é um exemplo atroz, mas sua má conduta se insere num padrão global. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, se envolveu em manobras políticas que a Suprema Corte decidiu serem ilegais. O premiê indiano, Narendra Modi, tem aterrorizado as minorias do seu país e corroído sua cultura secular.

O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, elogia assassinatos extrajudiciais. E, em países como Turquia e Hungria, seus líderes, Recep Tayyip Erdogan e Viktor Orban, conseguiram mudar a Constituição para favorecer um governo de um único partido – ou um indivíduo.

Muitos estudiosos e escritores têm abordado o que chamam de “recessão democrática”, mas não está claro qual a razão pela qual ela vem ocorrendo em tantos lugares. Roberto Stefan Foa e Yascha Mounk compilaram dados mostrando que o entusiasmo pelos autocratas aumentou em todo o globo.

Entre 1995 e 2014, cresceu enormemente o número de pessoas que gostariam de ver “um líder forte que não tem de se preocupar com Parlamento e eleições”, com um aumento observado de quase 10 pontos porcentuais nos EUA, quase 20 pontos na Espanha e Coreia do Sul e em torno de 25 pontos na Rússia e na África do Sul.

Épocas de grande mudança
Por que isso vem ocorrendo? O melhor que posso imaginar é que estamos vivendo em épocas de grande mudança – econômica, tecnológica, demográfica, cultural – e, nesse turbilhão, as pessoas se sentem inseguras. Entendem que as instituições e as elites não as servem bem. Assim, as pessoas estão dispostas a apoiar líderes populistas que se aproveitam dos seus temores, usam bodes expiatórios e prometem adotar ações decisivas no interesse delas.

Acrescentemos a isto a realidade crescente de uma política tribal – a percepção de que cada um de nós está num time e o nosso time está sempre certo. O tribalismo é inimigo das instituições, das normas e do Estado de direito. Afinal, a ideia central do Estado de direito é de que ele se aplique a todos, amigos e inimigos. Na política tribal, as pessoas exaltam líderes que infringem a lei porque eles o fazem para ajudar sua tribo.

Os partidos políticos costumavam agir como vigias e criadores de normas, mantendo afastados populistas e demagogos e forçando seus membros a respeitarem determinadas regras. Mas os partidos se tornaram instituições ultrapassadas, incapazes de se manter fortes numa era de política empresarial. Os políticos hoje arrecadam dinheiro e conquistam seguidores por meio de apelos diretos à sociedade, usando a mídia social para explorar o temor e as emoções que os partidos com frequência costumavam aplacar.

A defesa da democracia
O principal impulsionador do populismo americano tem sido o Partido Republicano. A ascensão do movimento começou com o ataque de Newt Gingrich ao velho Partido Republicano de George H. Bush, que ele escarneceu como fraco e contemporizador.

E é ainda mais impulsionado hoje pelo senador Mitch McConnell, que se dispôs a infringir as normas num assunto tão importante como a nomeação para a Suprema Corte simplesmente para atender à agenda republicana. A democracia americana, hoje, necessita que o Partido Republicano defenda a democracia, em vez de festejar sua destruição. / Tradução de Terezinha Martino

*É colunista

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