quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Míriam Leitão - Mente autoritária e seus métodos

- O Globo

É patológica a compulsão de Bolsonaro pelos ditadores. É doentio seu prazer em ferir pessoas atingidas pelas ditaduras

Governantes de mentes autoritárias gostam de estimular a confusão entre governo e pátria, procuram sequestrar os símbolos e as datas nacionais. Eles tentam transformar críticas feitas à sua administração em ataques ao país. Era assim na ditadura militar brasileira, principalmente no período mais violento da repressão aos opositores, o do general Emílio Garrastazu Médici. O sentimento de amor ao país, as alegrias com as vitórias até do futebol, os momentos cívicos eram manipulados para serem vistos como apoio ao governo. Criticar o regime era apresentado como equivalente a trair o país.

Governantes de mentes autoritárias gostam de mentir sobre o passado, alterar fatos históricos comprovados, apostando que se a mentira for repetida, se os livros forem refeitos, se houver uma versão oficial todos passarão a acreditar na narrativa falsa dos eventos. George Orwell tratou disso como literatura na obra-prima “1984”. O passado insistentemente reescrito, para apagar fatos e nomes incômodos.

Bolsonaro disse que a ditadura brasileira foi nota 10 na economia. A verdade: ela deixou o país com uma superinflação crônica e o mecanismo da correção monetária que levava os preços sempre para cima. Ainda que os índices mais altos tenham sido atingidos nos primeiros governos civis, foi a democracia que conseguiu desarmar a bomba inflacionária jogada no colo da população pela administração econômica do regime militar. Não foi a única bomba que eles deixaram: os militares endividaram o país junto a 800 bancos, e a governos estrangeiros, e deram o calote. Essa dívida foi renegociada e paga na democracia, nos governos Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula da Silva. Houve também, na gestão de Henrique Meirelles no Banco Central, a acumulação de reservas cambiais que hoje nos permitem olhar para a Argentina sabendo que a situação aqui é bem diferente.

O período conhecido como “milagre econômico” foi curto e o modelo era concentrador de renda. Só para se ter uma ideia do que foi deixado de lado: ao fim desse forte crescimento do PIB, em 1980, 33% das crianças de 7 a 14 anos estavam for ada escola. A universalização do ensino fundamental foi obra da democracia.

Em qualquer governo pode haver erros na condução da economia ou nas decisões sociais e políticas. E presidentes, mesmo democráticos, costumam reclamar das avaliações negativas. A diferença é que a crítica aos erros governamentais não é tratada como crime, nem traição à pátria. A ideia de que só os governistas eram patriotas era mais uma das mentiras da ditadura. Repetir isso num período democrático é restringir o espaço das ideias, é manipular símbolos nacionais, é estigmatizar quem não se perfila entre os admiradores do governante.

O Brasil está em uma administração que foi eleita democraticamente, mas que tem tentado reduzir o espaço democrático, de livre circulação das ideias, e quer, especialmente nesta semana, usar o sentimento de país para tentar alavancar o apoio ao governo. As críticas feitas pela alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, estão respaldadas na realidade. Qualquer órgão multilateral tem o direito de fazê-las.

O presidente brasileiro reagiu atacando pessoalmente Michelle Bachelet, querendo atingi-la no drama pessoal que viveu muito jovem ao perder o pai, um militar, torturado e morto por seus companheiros de armas. Uma dor que ela conseguiu separar da sua atuação na esfera pública. No período em que foi ministra da Defesa, e nas duas vezes em que foi presidente, não usou os poderes que teve para fazer qualquer vingança pessoal. O ataque de Bolsonaro ao pai de Bachelet foi criticado até pelo presidente do Chile, Sebastian Piñera, que é de direita.

É patológica a compulsão de Bolsonaro pelas ditaduras e sua admiração ilimitada pelos regimes tirânicos, como o de Pinochet. É doentio seu prazer em ferir pessoas atingidas pelos crimes das ditaduras latino-americanas, como fez com o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Mentir sobre o passado do Chile, ou do Brasil, na política ou na economia, não alterará a história real. Tentar apropriar para uma ideologia de extrema-direita os símbolos nacionais não dará certo agora, como não deu no passado. Os amigos e auxiliares que tenham qualquer influência sobre ele deveriam aconselhá-lo. O que ele falou sobre Michelle Bachelet jamais poderia ter sido dito. É sobretudo desumano.

Um comentário:

  1. Bolsonaro não passa de um baba-ovo de torturador, lambe-botas de ditador de republiquetas, puxa-saco de latifundiário e macaca-de-auditório de Trump.

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