sexta-feira, 6 de setembro de 2019

O que pensa a mídia – Editoriais

Mudar teto de gastos é retrocesso, com alto risco – Editorial | O Globo

Resultado político seria jogar pela janela todo o esforço de ajuste fiscal realizado nos últimos anos

Palavras têm consequências, sobretudo quando ditas pelo presidente da República. Na quarta-feira, Jair Bolsonaro defendeu a revisão do limite aos gastos públicos. Na manhã de ontem, ele recuou e defendeu a preservação do teto de gastos em mensagem divulgada por uma rede social: “Temos que preservar a ‘emenda do teto’. Devemos sim, reduzir despesas, combater fraudes e desperdícios. Ceder ao teto é abrir uma rachadura no casco do transatlântico.”

Talvez tenha se convencido e, também, a alguns seguidores, mas o estrago já estava feito. Emulou discussões no governo e no Congresso sobre “alternativas” para mudar a base de cálculo das despesas públicas.

Pela legislação em vigor, o aumento de gastos de um ano fiscal deve ter correção limitada à inflação do exercício anterior. Ou seja, sem crescimento real, acima da inflação. Mudar isso, hoje, representa retrocesso, com alto risco implícito de
instabilidade política e econômica.

Bolsonaro pode atribuir boa parte dos seus erros políticos à impulsividade, como se tornou costume alegar nos bastidores do Palácio do Planalto. Porém, há limites. Eles estão implícitos na dimensão dos prejuízos que possa provocar e debitar nos no bolso dos contribuintes, ou seja da sociedade brasileira.

Perderam-se décadas com o descontrole dos gastos públicos. Isso levou o Brasil a um longo ciclo de baixo crescimento, pontuado por uma recessão histórica, desemprego recorde, empobrecimento e perda de qualidade de vida.

Felizmente, já é possível afirmar que o país começou a construir uma saída política consensual para impor disciplina fiscal e resgatar a União, os estados e os municípios da atual situação de virtual falência.

Uma evidência está na recente legislação sobre o controle de gastos governamentais, importante legado do governo Michel Temer. Outra é o rito acelerado de tramitação legislativa da reforma da Previdência, coincidentemente aprovada numa comissão do Senado, por unanimidade, no mesmo dia do intempestivo pronunciamento de Bolsonaro.

A defesa presidencial de um relaxamento no controle das contas equivale, na prática, à proposta de um “jeitinho” na contabilidade governamental. O resultado político seria jogar pela janela todo o esforço de ajuste fiscal duramente realizado nos últimos anos.

Pressões são naturais, no governo e fora dele, pois o panorama orçamentário do próximo ano é bastante restrito no lado das despesas, impondo duras negociações. Ministros e parlamentares podem se queixar, mas estão obrigados a fazer escolhas políticas definindo as prioridades.

O presidente, porém, tem um dever adicional: zelar pelo ajuste fiscal estabelecido em lei. Rever, agora, o teto de gastos é contrariar a principal promessa de campanha apresentada pelo candidato Bolsonaro na eleição do ano passado.


Novo acerto em novo recuo- Editorial | O Estado de S. Paulo

Recuando mais uma vez, o presidente Jair Bolsonaro decidiu defender a manutenção do teto de gastos, em vez de propor o afrouxamento da regra orçamentária. Romper o teto seria “abrir uma rachadura no casco do transatlântico”, afirmou ele, ontem de manhã, em sua conta no Twitter. Como em outras ocasiões, o recuo foi acertado. No dia anterior, quarta-feira, o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, havia dado à imprensa uma informação diferente. Segundo ele, o governo estudava medidas para mexer na restrição e aumentar as despesas sem elevar impostos. O presidente, segundo informou o Estado, tinha ido ao Ministério da Economia para conversar sobre o assunto com o ministro Paulo Guedes. A mensagem postada na manhã seguinte mostrou, sem acrescentar explicação, uma saudável mudança de propósito.

O ministro Paulo Guedes vinha resistindo, como já se havia noticiado, a pressões da Casa Civil e da cúpula militar a favor de um relaxamento da regra do teto. Essa regra, criada por emenda constitucional no governo do presidente Michel Temer, só permite corrigir pela inflação a despesa orçamentária. Ainda na quarta-feira, o presidente havia de novo reclamado, diante de jornalistas, em Brasília, do aperto previsto na proposta de Orçamento para 2020. Horas depois a decisão de mudar o limite seria informada pelo porta-voz.

A solução para as finanças públicas, disse o presidente na mensagem de ontem cedo, é reduzir despesas e combater fraudes e desperdícios. “O Brasil vai dar certo. Parabéns a nossos ministros pelo apoio às medidas econômicas do Paulo Guedes”, acrescentou.

De fato, a solução deve incluir a redução das despesas, mas falta o presidente esclarecer suas ideias sobre o assunto. Diminuir gastos com eletricidade é uma das ações mencionadas pelo Twitter. Além disso, o governo insiste em fundir Ministérios. A nova ideia é juntar os do Meio Ambiente e do Turismo, os da Cidadania e dos Direitos Humanos e os da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional. A economia deverá ser marginal, se todos os setores envolvidos continuarem operando normalmente, e os ganhos de eficiência são pouco claros. As limitações desse tipo de ação já foram comprovadas com as fusões implantadas no começo do mandato. O Ministério da Cidadania, reunindo políticas de desenvolvimento social, esporte, cultura e controle de drogas, é um exemplo de ornitorrinco administrativo.

Em quase nove meses de mandato o presidente Jair Bolsonaro nunca deu sinal de alguma competência administrativa. Seus atos mais vistosos têm denotado, de forma repetida, uma grave confusão entre governar e dar ordens como um chefete voluntarioso. Mostram também uma persistente mistura entre vida pessoal e vida político-administrativa.

Se tivesse noções um pouco mais claras de como administrar, e, portanto, de como governar, ele teria evitado uma porção de recuos. Teria de fato escolhido ministros dando mais peso à competência do que ao alinhamento ideológico e religioso. Teria consultado assessores antes de opinar, de prometer e de tomar decisões.

Seguindo esse padrão, teria conversado seriamente com Paulo Guedes antes de insinuar qualquer mexida na regra do teto. Teria sido cauteloso, em vez de anunciar a mudança da embaixada em Israel para Jerusalém. Acabou recuando nesse caso, alertado, finalmente, do risco de comprometer exportações para países muçulmanos. Teria evitado, nos Estados Unidos, acusar de más intenções a maioria dos imigrantes, para depois se retratar. Nem teria cogitado de mencionar, como em janeiro, a possível instalação, no Brasil, de uma base militar americana.

A recuar da intenção de mexer no teto de gastos, o presidente repetiu um quase ritual. Acertou, como em outras ocasiões. Mudar de ideia, quando necessário, é elogiável. Mas por que recuar tantas vezes? Também elogiável, e muito mais prudente, é pensar antes de falar, consultar quem conhece cada assunto e, no caso de um governante, distinguir os verbos mandar e governar e jamais confundir autoridade com autoritarismo.

Moro resiste – Editorial | Folha de S. Paulo

Apesar de desgaste, ministro mantém aprovação e o nome no tabuleiro político

Sergio Moro continua a ser o ministro mais popular do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Considerado ótimo ou bom por 54% dos brasileiros que dizem conhecê-lo, o titular da Justiça, em pesquisa Datafolha, supera por larga margem o segundo mais bem avaliado de seus colegas, Paulo Guedes, da Economia, com 34%. Deixa também a comer poeira o próprio mandatário, que colheu não mais de 29% de aprovação.

Tamanha popularidade, obviamente, não foi construída em oito meses nem se deve à atuação do ex-juiz de Curitiba no Executivo federal —seu desempenho até aqui não deixou marcas notáveis.

Trata-se, sem dúvida, de herança de seu trabalho à frente da Operação Lava Jato, num país em que condenar ricos e poderosos à prisão sempre foi raridade.

Após se projetar como referência nacional do combate à corrupção, Moro decidiu investir numa carreira política. Sua passagem da magistratura para o governo federal decerto se materializou antes do que muitos esperavam.

Ao aceitar a oferta para comandar um suposto superministério da Justiça, Moro assumiu riscos, que a esta altura já se transformaram, diga-se, em problemas reais.

Em pouco tempo na função, sofreu reveses contundentes em importantes bandeiras e tem sido alvo de investidas do presidente que questionam sua autoridade —caso notório das mudanças em pauta no comando da Polícia Federal.

Tanto Bolsonaro quanto membros do Legislativo e do Judiciário, não raro com motivações duvidosas, têm atuado para diminuir o protagonismo de promotores e de órgãos de investigação e controle.

Dentre as derrotas sofridas, o ministro viu frustrar-se a tentativa de transferir o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) da área econômica para sua alçada, movimento que favoreceria a cruzada anticorrupção.

A novidade não passou no Congresso, e o órgão, rebatizado como Unidade de Inteligência Financeira, hoje se encontra no Banco Central.

Não avançou, até aqui, a principal incursão do ministro na seara legislativa, o pacote que busca endurecer regras contra a criminalidade, com boa dose de controvérsia.

Em meio a iniciativas do Congresso no mesmo ramo e à necessidade de colocar em primeiro plano a reforma da Previdência, o projeto perdeu urgência na agenda da Câmara. Mais recentemente, lançou-se um programa de segurança pública de modestos montantes.

Por fim, houve o vazamento de mensagens trocadas entre Moro e membros da força-tarefa da Lava Jato —obtidas pelo site The Intercept Brasil e divulgadas também por esta Folha e outros veículos.

Não deixa de ser um feito que a popularidade do ministro resista a tantos contratempos. Sinal, ao que parece, de que seu nome permanecerá no tabuleiro político.

Longe do desfecho, Brexit estimula o caos político – Editorial | Valor Econômico

O pesadelo político e econômico iniciado em 23 de junho de 2016, quando a maioria dos eleitores (52%) do Reino Unido decidiu deixar a União Europeia evoluiu para um show de insensatez, com cenas usuais no Terceiro Mundo. E nada foi resolvido, ainda, mais de três anos depois. Os partidos se dividiram contra os outros e contra si mesmos, e após a aprovação do Brexit, hesitam e brigam a respeito de se é melhor sair com um acordo ou sem nenhum.

A ascensão do ambicioso populista e conservador Boris Johnson como primeiro-ministro foi fulminante e, ao que parece, inútil. Após ajudar a derrubar sua antecessora, Thereza May, Johnson saiu a campo com bravatas, como Trump, seu apoiador. Para ele, o Reino Unido deixará o bloco europeu em 31 de outubro, "sem ses, nem mas". Sua face autoritária espantou os britânicos. Mal empossado, obteve permissão da rainha para que o Parlamento ficasse em recesso por 5 semanas, algo inédito pela duração, e se voltasse a reunir em 14 de outubro, em um golpe claramente destinado a impedir que os parlamentares decidissem sobre o Brexit sem acordo pregado por ele. Fracassou miseravelmente depois disso.

Johnson perdeu em poucas horas as duas primeiras votações de seu mandato na Câmara dos Comuns e, punição do destino, se quiser se manter no posto que tanto almejou terá de fazer o oposto do que deseja. O Parlamento, por 327 votos a favor e 299 contra, aprovou que o Brexit terá de ser conseguido com negociação e se o prazo de 31 de outubro - o terceiro dado pela UE - não for suficiente, que se peça mais três meses. Johnson então esperneou e tentou a aprovação de eleições gerais, que os conservadores venceriam, mas precisava de dois terços dos votos e não conseguiu. Resta a possibilidade de renúncia, à qual, pelo temperamento do premiê, não deve prosperar. Autocrata, Johnson queria reinar sobre os parlamentares e terminou servo deles.

Os instintos populistas de Johnson seguem inclinações reais da política britânica. Uma pesquisa do YouGov, após a tentativa de golpe contra o Parlamento, mostrou um aumento das pessoas que consideraram Johnson "determinado" (62%, 23 pontos percentuais a mais) e competente (40%, 11 pontos a mais). Johnson tentou anular um polo da equação que se formou - grande parte dos britânicos querem sair da UE logo, mas a maioria do Parlamento é feita por quem não pensa assim e teme as consequências econômicas de simplesmente dizer "até logo" para os líderes europeus. A ambiguidade e indecisão dos políticos decorre, primeiro, da surpresa com o resultado do plebiscito e, depois, da ausência de mandato popular claro a respeito de como se deveria proceder a saída. Boa parte dos trabalhistas, conservadores e liberais democratas estimou que a melhor solução para a crise criada viria de um segundo plebiscito sobre a questão, mas nenhum partido teve coragem política para levar à frente o que os conservadores, majoritários, certamente qualificariam de uma traição à vontade popular.

Os conservadores, por seu lado, julgaram que tinham recebido carta branca para romper os laços que o amarravam ao continente da maneira que lhes aprouvesse. Tanto Thereza May quanto Boris Johnson defenderam um Brexit sem acordo, a maneira mais tumultuosa e nociva dentre as alternativas ruins restantes. A segunda linha de defesa dos que gostariam que os eleitores voltassem atrás foi a redução dos danos - um acordo negociado que mexesse o mínimo possível com os arranjos hoje vigentes com a UE. Para isso, aceitavam que a República da Irlanda, que ficará no bloco europeu, mantivesse abertas as fronteiras com a Irlanda do Norte, que é parte do Reino Unido.

Os conservadores, que iniciaram toda a balbúrdia, viram no arranjo da Irlanda um ardil para manter o reino atado aos desígnios dos europeus, mas não têm nada a propor. Uma fronteira no sentido do termo romperia com o acordo de paz sacramentado pelos irlandeses. Sua estratégia é suicida. Um Brexit sem acordo não é o final da história, mas o começo. Todas as relações terão de ser definidas de um jeito ou de outro e não há dúvida de que a parte mais fraca é o Reino Unido.

A única certeza é que ele sairá economicamente enfraquecido da separação. A libra despencou, a indústria e a construção civil definham, os investimentos estão em queda, e em alta a migração de empresas para o continente. Há uma recessão a caminho e estudos do Banco da Inglaterra estimam que a médio prazo o PIB cairá 6%, o que não é pouco para a quinta maior economia do mundo. O Brexit ainda está longe do desfecho.

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