segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Políticos reforçam aceno a eleitorado conservadora

Apelo às pautas de costumes se intensificou com ação de Crivella na Bienal e de Doria com material didático

João Paulo Saconi | O Globo

A tentativa do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, de censurar uma revista em quadrinhos à venda na Bienal do Livro marcou novo episódio na lista de políticos que têm dedicado sua atuação às pautas de costume, o que lhes garantiria aproximação com o eleitorado mais conservador. Há um ano, a vitória do presidente Jair Bolsonaro e de outros candidatos foi em parte atribuída a uma “onda conservadora” — e boa parte dos aliados do presidente afirmam estar em uma “guerra cultural”.

A atitude de Crivella provocou a reação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), com declarações e decisões de veto à censura, e jogou holofotes sobre um político que tentará a reeleição daqui a um ano. Mas o prefeito do Rio não foi o único a tomar recentemente decisões de apelo a aspectos morais do eleitorado. Na semana passada, o governador de São Paulo, João Doria, possível adversário de Bolsonaro no campo mais conservador em 2022, determinou o recolhimento de material didático que tratava sobre orientação sexual nas escolas estaduais.

— Parece não haver dúvida de que essas atitudes têm um sentido eleitoral. Você deslocar o debate eleitoral das funções administrativas da cidade para a chamada guerra cultural, na tentativa de reunir a base conservadora e passar a debater valores. De maneira muito ampla e geral, é a mesma (tática) do presidente Jair Bolsonaro — avalia Fernando Schüeler, professor do Insper. — O outro olhar sobre isso é que a reação da sociedade às atitudes dele (Crivella), com aumento da venda dos livros e, por fim, a decisão do STF, mostra que é uma visão que não se coaduna mais com a sociedade.

HISTÓRICO
Em 2017, no primeiro ano de mandato, Crivella fez campanha pública contra a instalação da exposição “Queermuseu” no Museu de Arte do Rio (MAR). Ainda naquele ano, a reunião de obras artísticas havia sido suspensa em Porto Alegre, sob a acusação de incentivar a pedofilia, a zoofilia e o desrespeito a símbolos religiosos. Na ocasião, a atuação do Movimento Brasil Livre (MBL) pelo cancelamento do evento inflou a expressividade do grupo na internet.

Agora, procuradores federais analisam se houve censura na decisão do governo Bolsonaro de suspender um edital para séries LGBTs que seriam produzidos pela Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). No mês passado, o caso ganhou repercussão e mostrou o acirramento do interesse bolsonarista em pautas de costume. Nessa linha, o Ministério da Educação deve apresentar nas próximas semanas um pedido do próprio presidente, um projeto de lei que proíba a chamada “ideologia de gênero” nas escolas.

Doutor em Filosofia e Ética Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Denis Rosenfield diz que os atos dessas lideranças políticas revela uma tática que tem guiado a política nacional há anos: a de fomentar a criação de lados opostos e maniqueísmos.

— Crivella parece procurar uma forma de atrair a atenção. Principalmente a de conservadores e evangélicos, que têm feito a diferença na eleição do Rio. Ele precisa solidificar seus apoios, e o faz na base do “nós contra eles” —afirma. — Já Doria também circula no eleitorado mais liberal nos costumes. A ação dele parece uma tentativa de arranhar uma parcela do eleitorado mais fiel de Bolsonaro.

Líder da bancada evangélica na Câmara, o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) refutou a ideia de que o posicionamento de políticos sobre os temas de costumes seja puramente baseado em cálculo eleitoral e defendeu as decisões recentes de Crivella, Doria e Bolsonaro:

—As pessoas que têm compromisso com a família e um histórico de conservadorismo e de tradição terminam se indignando e fazendo aquilo que é correto: perguntar à Justiça se deve-se continuar ou parar. Isso não é retaliação à liberdade de expressão, isso é defesa da família tradicional—afirmou. (Colaborou Gustavo Maia)

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