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E ameaça: “Se eu levantar a borduna, todo mundo vai atrás de mim e eu não fiz isso ainda”.
Como amanheceu, hoje, o ministro Sergio Moro, da Justiça, depois que leu de madrugada a entrevista que o presidente Jair Bolsonaro concedeu à Folha de S. Paulo?
Voltou a dormir depois do que leu? Já pensou no que dirá se jornalistas lhe perguntarem a respeito? Sente-se disposto a enfrentar mais um dia de trabalho estafante?
O diretor-geral da Polícia Federal é homem de confiança de Moro que o escolheu. Bolsonaro disse que está na hora de tirá-lo. Bem como de arejar a PF trocando os superintendentes.
Bolsonaro admitiu que tem um nome para dirigir a PF: o delegado Anderson Gustavo Torres, atual secretário de Segurança do Distrito Federal. E contou o que disse a Moro:
“Ninguém gosta de demitir, mas é mais difícil trocar a esposa. Eu demiti o Santos Cruz, com quem tinha uma amizade de 40 anos”.
(O general Santos Cruz foi ministro da Secretaria de Governo. Perdeu o lugar depois de ser atacado por Olavo de Carvalho, o guru da família Bolsonaro, e Carlos, o Zero Dois)
A intervenção de Bolsonaro na PF começou em agosto passado quando ele cobrou a substituição de Ricardo Saadi, superintendente no Rio, que já estava de saída.
Saadi desgostou Bolsonaro ao se recusar a trocar alguns delegados que estariam contrariando interesses da nova família imperial brasileira em pontos estratégicos do Rio.
O episódio enfraqueceu Moro e quase provocou uma demissão em massa de superintendentes. Mas é justamente isso o que Bolsonaro deseja – desmontar a PF para remontá-la a seu gosto.
Bolsonaro já disse e repetiu que quem manda no governo é ele, e que não é e jamais será um “presidente banana”. Ministros que não gostarem disso que peçam as contas.
Tal critério será aplicado à escolha do novo Procurador-Geral da República. Raquel Dodge não ganhará um novo mandato porque é mulher, como Bolsonaro já admitiu.
O escolhido, segundo ele, terá que “tirar nota 7 em tudo e ser alinhado comigo”. Por que nota 7 e não outra qualquer, Bolsonaro não explicou. Por alinhado, entenda-se: submisso.
À Folha, Bolsonaro afirmou a propósito da força política que julga ter: “Se eu levantar a borduna, todo mundo vai atrás de mim e eu não fiz isso ainda”.
Contra Moro, Bolsonaro voltou a levantar o tom de voz. Desta vez sobrou também para o ministro Paulo Guedes, da Economia.
Guedes era “chucro” politicamente ao chegar ao governo, disse Bolsonaro. E Moro, “um ingênuo”. Hoje, a indicação de Moro para ministro do Supremo Tribunal Federal seria recusada pelo Senado, segundo Bolsonaro.
Que voltou a elogiar o ministro da Advocacia-Geral da União, André Mendonça, terrivelmente evangélico, e também cotado para ministro do Supremo na vaga de Celso de Mello.
Às caneladas de Bolsonaro não escapou, sequer, seu obediente ministro das Relações Exteriores, o embaixador Ernesto Araújo, que acompanhou Eduardo, o Zero Três, em recente viagem a Washington.
Comentou Bolsonaro que cabe ao seu filho o mérito do acesso rápido ao presidente Donald Trump que os recebeu em audiência. “Trump está alinhado conosco”, garantiu.
Em tempo: Bom dia, Moro.
Governo da morte e também da dor
Cenas do tempo da escravidão
No país onde o presidente da República exalta a tortura e extingue por decreto os cargos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, nada mais natural que o guarda da esquina se sinta à vontade para dar vazão aos seus instintos mais cruéis.
Foi o que fizeram em agosto último dois agentes de segurança dos Supermercados Ricoy, na zona sul da capital paulista. Em uma sala dos fundos do supermercado, entre sacos de cebola e caixas de verduras, eles se valeram de um chicote para torturar durante 40 minutos um adolescente negro de 17 anos, amordaçado e nu.
Morador de rua, o rapaz tentara roubar barras de chocolate. A sessão de tortura foi filmada pelos torturadores e, ontem, divulgada nas redes sociais, o que forçou a polícia a abrir um inquérito para apurar o crime. O vídeo tem 40 segundos. O rapaz é chicoteado nas costas e se contorce de dor a cada chibatada.
Depois da terceira, um dos torturadores ri e manda o rapaz se virar. “Não quebrou nada”, comenta em tom irônico. As chibatadas recomeçam e, a certa altura, um dos torturadores avisa: “Vai tomar mais uma para a gente não te matar. Você vai voltar?”. Não dá para ouvir se o rapaz responde alguma coisa ou se apenas geme.
Á época, com medo, ele não procurou a polícia para denunciar o crime. Um dos agentes de segurança, de sobrenome Santos, havia ameaçado matá-lo caso o fizesse. Mas ao saber que circulava nas redes sociais o vídeo com cenas da tortura que sofreu, prestou queixa e mais tarde concedeu entrevistas.
Se ainda estivesse ativo, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura certamente se interessaria pelo caso, mas não está. O Mecanismo foi criado em 2013 para honrar o compromisso assumido pelo Brasil junto à ONU de combater a tortura. Ali trabalhavam 11 peritos remunerados.
Como não poderia extinguir o Mecanismo, Bolsonaro extinguiu os cargos. Eles deixaram de ser remunerados, mas nem por isso os peritos abandonaram o trabalho. Em agosto passado, a Justiça Federal do Rio suspendeu o decreto de Bolsonaro e restabeleceu o pagamento. Por ordem de Bolsonaro, a reação foi imediata.
O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos retirou todo o apoio administrativo que dava ao Mecanismo. O acesso dos peritos ao local tornou-se restrito. Os funcionários que os ajudavam foram deslocados para outras funções. Sumiu o dinheiro para a execução de tarefas, tais como a investigação de crimes.
A Advocacia-Geral da União anunciou que irá recorrer da decisão judicial que suspendeu o decreto de Bolsonaro. O presidente que se elegeu como diz para “quebrar o sistema” não descansará enquanto sua obra não estiver completa. Ela passa pelo desmonte do que o contraria e pela construção do que o país ignora.
Comentar o quê? O fantasma do Adolf Hitler ainda não foi exorcizado...
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