quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Ricardo Noblat - Bolsonaro reduz Moro a pó de traque

- Blog do Noblat | Veja

E ameaça: “Se eu levantar a borduna, todo mundo vai atrás de mim e eu não fiz isso ainda”.

Como amanheceu, hoje, o ministro Sergio Moro, da Justiça, depois que leu de madrugada a entrevista que o presidente Jair Bolsonaro concedeu à Folha de S. Paulo?

Voltou a dormir depois do que leu? Já pensou no que dirá se jornalistas lhe perguntarem a respeito? Sente-se disposto a enfrentar mais um dia de trabalho estafante?

O diretor-geral da Polícia Federal é homem de confiança de Moro que o escolheu. Bolsonaro disse que está na hora de tirá-lo. Bem como de arejar a PF trocando os superintendentes.

Bolsonaro admitiu que tem um nome para dirigir a PF: o delegado Anderson Gustavo Torres, atual secretário de Segurança do Distrito Federal. E contou o que disse a Moro:

“Ninguém gosta de demitir, mas é mais difícil trocar a esposa. Eu demiti o Santos Cruz, com quem tinha uma amizade de 40 anos”.

(O general Santos Cruz foi ministro da Secretaria de Governo. Perdeu o lugar depois de ser atacado por Olavo de Carvalho, o guru da família Bolsonaro, e Carlos, o Zero Dois)

A intervenção de Bolsonaro na PF começou em agosto passado quando ele cobrou a substituição de Ricardo Saadi, superintendente no Rio, que já estava de saída.

Saadi desgostou Bolsonaro ao se recusar a trocar alguns delegados que estariam contrariando interesses da nova família imperial brasileira em pontos estratégicos do Rio.

O episódio enfraqueceu Moro e quase provocou uma demissão em massa de superintendentes. Mas é justamente isso o que Bolsonaro deseja – desmontar a PF para remontá-la a seu gosto.

Bolsonaro já disse e repetiu que quem manda no governo é ele, e que não é e jamais será um “presidente banana”. Ministros que não gostarem disso que peçam as contas.

Tal critério será aplicado à escolha do novo Procurador-Geral da República. Raquel Dodge não ganhará um novo mandato porque é mulher, como Bolsonaro já admitiu.

O escolhido, segundo ele, terá que “tirar nota 7 em tudo e ser alinhado comigo”. Por que nota 7 e não outra qualquer, Bolsonaro não explicou. Por alinhado, entenda-se: submisso.

À Folha, Bolsonaro afirmou a propósito da força política que julga ter: “Se eu levantar a borduna, todo mundo vai atrás de mim e eu não fiz isso ainda”.

Contra Moro, Bolsonaro voltou a levantar o tom de voz. Desta vez sobrou também para o ministro Paulo Guedes, da Economia.

Guedes era “chucro” politicamente ao chegar ao governo, disse Bolsonaro. E Moro, “um ingênuo”. Hoje, a indicação de Moro para ministro do Supremo Tribunal Federal seria recusada pelo Senado, segundo Bolsonaro.

Que voltou a elogiar o ministro da Advocacia-Geral da União, André Mendonça, terrivelmente evangélico, e também cotado para ministro do Supremo na vaga de Celso de Mello.

Às caneladas de Bolsonaro não escapou, sequer, seu obediente ministro das Relações Exteriores, o embaixador Ernesto Araújo, que acompanhou Eduardo, o Zero Três, em recente viagem a Washington.

Comentou Bolsonaro que cabe ao seu filho o mérito do acesso rápido ao presidente Donald Trump que os recebeu em audiência. “Trump está alinhado conosco”, garantiu.

Em tempo: Bom dia, Moro.

Governo da morte e também da dor

Cenas do tempo da escravidão
No país onde o presidente da República exalta a tortura e extingue por decreto os cargos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, nada mais natural que o guarda da esquina se sinta à vontade para dar vazão aos seus instintos mais cruéis.

Foi o que fizeram em agosto último dois agentes de segurança dos Supermercados Ricoy, na zona sul da capital paulista. Em uma sala dos fundos do supermercado, entre sacos de cebola e caixas de verduras, eles se valeram de um chicote para torturar durante 40 minutos um adolescente negro de 17 anos, amordaçado e nu.

Morador de rua, o rapaz tentara roubar barras de chocolate. A sessão de tortura foi filmada pelos torturadores e, ontem, divulgada nas redes sociais, o que forçou a polícia a abrir um inquérito para apurar o crime. O vídeo tem 40 segundos. O rapaz é chicoteado nas costas e se contorce de dor a cada chibatada.

Depois da terceira, um dos torturadores ri e manda o rapaz se virar. “Não quebrou nada”, comenta em tom irônico. As chibatadas recomeçam e, a certa altura, um dos torturadores avisa: “Vai tomar mais uma para a gente não te matar. Você vai voltar?”. Não dá para ouvir se o rapaz responde alguma coisa ou se apenas geme.

Á época, com medo, ele não procurou a polícia para denunciar o crime. Um dos agentes de segurança, de sobrenome Santos, havia ameaçado matá-lo caso o fizesse. Mas ao saber que circulava nas redes sociais o vídeo com cenas da tortura que sofreu, prestou queixa e mais tarde concedeu entrevistas.

Se ainda estivesse ativo, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura certamente se interessaria pelo caso, mas não está. O Mecanismo foi criado em 2013 para honrar o compromisso assumido pelo Brasil junto à ONU de combater a tortura. Ali trabalhavam 11 peritos remunerados.

Como não poderia extinguir o Mecanismo, Bolsonaro extinguiu os cargos. Eles deixaram de ser remunerados, mas nem por isso os peritos abandonaram o trabalho. Em agosto passado, a Justiça Federal do Rio suspendeu o decreto de Bolsonaro e restabeleceu o pagamento. Por ordem de Bolsonaro, a reação foi imediata.

O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos retirou todo o apoio administrativo que dava ao Mecanismo. O acesso dos peritos ao local tornou-se restrito. Os funcionários que os ajudavam foram deslocados para outras funções. Sumiu o dinheiro para a execução de tarefas, tais como a investigação de crimes.

A Advocacia-Geral da União anunciou que irá recorrer da decisão judicial que suspendeu o decreto de Bolsonaro. O presidente que se elegeu como diz para “quebrar o sistema” não descansará enquanto sua obra não estiver completa. Ela passa pelo desmonte do que o contraria e pela construção do que o país ignora.

Um comentário:

  1. Anônimo6/9/19 10:14

    Comentar o quê? O fantasma do Adolf Hitler ainda não foi exorcizado...

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