sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Ricardo Noblat - Fardas encharcadas de sangue

- Blog Veja

Quem matou Ágatha? E quem autorizou matar?
Ao mesmo tempo em que justificou o silêncio de Jair Bolsonaro a respeito do assassinato da menina Ágatha, de 8 anos, no Rio, porque “isso aí é um problema do governador” e o presidente não pode ficar “se intrometendo” em questões dos Estados, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, resolveu se intrometer na questão. E para quê?

Para lamentar com palavras fortes a morte à bala da sexta criança somente este ano no Rio? Não. Para prestar solidariedade sincera à família? Também não. Para cobrar uma investigação rigorosa do episódio? Outra vez não. O general intrometeu-se para pôr em dúvida o depoimento do motorista da Kombi escolar que transportava a menina quando ela foi atingida por um tiro de fuzil.

O motorista disse que não havia no local da morte tiroteio entre policiais e bandidos. Mas disse também que havia um policial, e que ele atirou em um motoqueiro, e que foi esse disparo que matou Ágatha. O general afirmou que o depoimento do motorista “não é necessariamente verdadeiro”. Que ele não pode ter certeza sobre o que disse por que “essas coisas são complicadas”.

E em seguida explicou: “Você está dirigindo uma viatura, toma um tiro por trás, e já sabe quem foi? Complicado. A tendência, quando você toma um tiro em um veículo em que você está, a primeira coisa é se abaixar, entrar até de baixo do banco. Essas coisas são complicadas”. Heleno lembrou que a polícia concluiu que será impossível saber de que arma saiu a bala assassina.

O caso de Ágatha havia sido comentado antes pelo general Hamilton Mourão, então no exercício da presidência da República, enquanto Bolsonaro, na ONU, vociferava contra países europeus, as ditaduras da Venezuela e de Cuba, a “imprensa sensacionalista” e o cacique Raoni chamado por ele de “peça de manobra”… De quem? Ora, da esquerda.

Na última segunda-feira, quando o corpo de Ágatha ainda estava sendo velado, Mourão levantou a hipótese de que familiares da menina poderiam ter sido pressionados por traficantes a negar a existência de confronto entre policiais e bandidos na hora e no local em que ela foi morta. Por que o empenho dos dois generais em livrar policiais da suspeita de terem matado Ágatha?

Por que tamanha falta de empatia com pessoas que sofrem com a morte de mais um inocente? Seria uma questão de farda? De corporativismo militar? De pouco caso com a aplicação da lei quando ela pode atingir a companheirada? O coração dessa gente bate num compasso diferente dos corações comovidos com mais uma tragédia destinada a ficar impune?

Antes de ser alvo de ataques de Carlos Bolsonaro, Mourão era tido como a voz da sensatez dentro do governo. Depois deu meia volta volver e passou a falar só o que agrada ao capitão. Ficou manso como um cordeiro de desfile militar. De Heleno, admita-se que é coerente com o que sempre pensou. Esvaziado de poderes, virou um acompanhante de luxo de Bolsonaro.

O STF sempre dará um jeito (em desfavor de Lula, é claro)

É só esperar
Calma. Não se aflija. É fato que já existe no Supremo Tribunal Federal maioria de votos a favor da tese de que réu delatado deve falar depois do réu delator nas alegações finais de um processo.

É fato também que isso poderá beneficiar Lula, condenado em primeira instância a 12 anos e 11 meses de cadeia no caso do sítio de Atibaia, reformado de graça para ele por duas empreiteiras.

Não beneficiaria no caso do tríplex do Guarujá porque não havia réus delatores com acordo de colaboração homologado pela Justiça na época em que ele foi condenado em primeira instância.

Filigrana?

Mas até a próxima quarta-feira, quando a sessão interrompida ontem será retomada, o Supremo dará um jeito para que Lula não se beneficie de sua decisão, e, por tabela, outros réus da Lava Jato.

Como? Sempre haverá um jeito. Exemplo: à época da condenação no processo do sítio, a defesa de Lula não teria invocado a tempo o direito de réu delatado falar depois de réu delator.

Se invocou, não teria recorrido a instâncias superiores. Se recorreu, as ditas instâncias não levaram em conta a reclamação. Qualquer dessas coisas ou alguma outra que se venha a alegar.

A Lula parece estar reservado o destino da progressão da pena no processo do tríplex. O que desde já lhe assegura o direito de passar ao regime semiaberto, podendo trabalhar durante o dia.

Filigrana?

Não. Está na lei. Depois de cumprir parte da pena no xilindró, o preso tem direito a cumprir o resto saindo para trabalhar durante o dia e recolhendo-se à prisão durante a noite.

Ou – a depender da boa vontade da Justiça – poderá cumprir o resto da pena em prisão domiciliar, com ou sem tornozeleira. Lula não admite usar tornozoleira, mas isso é problema dele.

Parte dos ministros do Supremo, ou quase todos, teme a reação dos bolsonaristas, mas não só deles, a uma decisão que libertasse Lula e outros presos por corrupção. Dos fardados, também.

Não importa que processos tenham sido conduzidos de maneira esdrúxula ou até irregular com o único propósito de condenar, e não de fazer Justiça. Mais forte é o clamor contra a corrupção.

Em tempo: não meta Deus nessa história. Ele ouve os clamores dos homens, mas quer distância de lambanças.

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