segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Celso Rocha de Barros* - Laranjal financiou Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Essa será uma boa oportunidade para medir o quanto da aprovação de Bolsonaro ainda é lavajatismo

O esquema de laranjas do PSL deu dinheiro para a campanha presidencial de Jair Bolsonaro. A revelação da suspeita, feita com base em investigação da Polícia Federal, foi publicada na Folha deste domingo (6). O operador do esquema seria o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que também teria desviado dinheiro para sua própria campanha. Álvaro Antônio foi indiciado pela Polícia Federal e denunciado pelo Ministério Público de Minas Gerais na última sexta-feira (4).

Se fosse governo de esquerda, caía. Não é governo de esquerda. Mas a crise entre bolsonarismo e lavajatismo deve se acentuar.

As revelações publicadas pela Folha foram feitas pela Polícia Federal. Bolsonaro está em guerra contra a Polícia Federal porque ninguém lá desistiu de investigar Flávio Bolsonaro e Queiroz. A Polícia Federal agora mostrou que não vai se deixar intimidar facilmente, e tenta exercer sua autonomia enquanto ainda a tem.

Essa será uma boa oportunidade para medir o quanto da aprovação de Bolsonaro ainda é lavajatismo, e o quanto o lavajatismo dos bolsonaristas era só oportunismo. Pois é, também acho que era só sacanagem.

As revelações de ontem também podem criar novas tensões entre Bolsonaro e o PSL. Segundo o podcast “Papo de Política” da última quinta-feira, já havia um risco real de Bolsonaro sair do PSL. Essa probabilidade, agora, cresceu ou diminuiu?

As novas revelações amarram Bolsonaro e o PSL no mesmo barco, ao menos no que se refere ao esforço de parar as investigações. Bolsonaro e o PSL são, mais do que nunca, aliados contra a Polícia Federal e a imprensa livre. Mas talvez essa aliança não exclua um divórcio.

Se o divórcio acontecer, será uma oportunidade singularmente boa para descobrir para onde Bolsonaro quer levar seu governo nos próximos anos.

Em um cenário, Bolsonaro se filiaria a um partido tradicional, ou montaria um novo partido de molde tradicional. Nesse caso, teríamos evidências de que os escândalos de corrupção teriam freado o autoritarismo bolsonarista. Sem a possibilidade de surfar a onda lavajatista, Bolsonaro teria que se conformar em ser um presidente de direita mais ou menos normal até 2022.

Em outro cenário, Bolsonaro aproveitaria a oportunidade para tentar organizar um movimento bolsonarista organizado. Essa talvez seja a principal diferença entre o presidente brasileiro e seus equivalentes autoritários ao redor do mundo: não há um partido autoritário brasileiro como o Lei e Justiça, da Polônia, ou o Front National francês. Eduardo Bolsonaro já pensa em organizá-lo faz tempo. Se for por esse caminho, Bolsonaro terá dado sinais bastante preocupantes sobre o que serão os próximos anos.

Seja como for, acho triste que uma parte do público brasileiro fique indignado porque o governo Bolsonaro é corrupto, mas não tenha se indignado porque o governo Bolsonaro é autoritário.

Se o laranjal do PSL tiver movimentado cem vezes mais dinheiro do que foi descoberto até agora, isso não terá metade da importância de Bolsonaro ter declarado que não aceitaria o resultado da eleição, não terá metade da importância dos ataques de Bolsonaro à democracia brasileira desde janeiro.

Acho ótimo que nos importemos com o combate à corrupção, mas talvez não fôssemos tão democratas quanto achávamos que éramos.

*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra)

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