sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Economia favorece socialista na eleição portuguesa

Crescimento combinou medidas de alívio com disciplina fiscal, pela qual o premier António Costa, candidato à reeleição, é criticado por aliados à esquerda; ministro das Finanças virou estrela da campanha

Gian Amato Especial para O GLOBO

LISBOA - Os portugueses irão às urnas no domingo para eleições gerais nas quais, impulsionado pelo bom desempenho da economia nos últimos quatro anos, o premier António Costa, do Partido Socialista( PS ), de centro-esquerda, é favorito à reeleição, segundo as pesquisas. Na reta final da campanha, o PS tem 8,9 pontos de vantagem sobre o Partido Social-Democrata (PSD), de centro-direita, cujo candidato a primeiro-ministro é Rui Rio, ex-deputado e ex-prefeito do Porto.

Os portugueses apoiam a preferência pelos socialistas em números da retomada econômica —que combinou medidas de alívio da austeridade imposta após a crise financeira de 2008 comum a alta carga de impostos (35,4% do PIB) e uma disciplina fiscal que levou Portugal a ter o menor déficit orçamentário em 45 anos. O aperto, por sua vez, sofre críticas de sindicatos e dos aliados à esquerda de Costa.

— O governo foi capaz de acertar as contas e melhorar a qualidade de vida. Não me parece possível Costa perder —disse Isabel David, cientista política e professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

ÂNIMO COM EMPREGO
Portugal começou a ressurgir em 2015 dos estragos de 2008, quando teve que pedir ajuda financeira à troika formada por FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Em 2016, o governo de Costa reverteu alguns dos cortes nas aposentadorias e salários impostos no auge da crise, adotando medidas de incentivo ao consumo, aos investimentos e ao turismo. O salário mínimo, que era de € 505 há quatro anos, está em € 600, mas ainda é um dos mais baixos da Europa.

Em agosto, a taxa de desemprego foi de 6,2%, amais baixa dos últimos 17 anos. Há pouco mais de 300 mil desempregados — em uma população de 10,3 milhões —, a menor quantidade em 28 anos e cer cade 40 mil amenos que no mesmo período de 2018. Na Espanha, outro dos países mais atingidos em 2008, a taxa é de 13,8%.

— Fiz um estudo com o professor Francisco Veiga no qual descobrimos que, na esmagadora maioria das eleições em Portugal, se o desemprego diminuía, o governo era reeleito —disse o professor Pedro Goulart, investigador do Centro de Administração e Políticas Públicas da Universidade de Lisboa.

Em meados de setembro, o Instituto Nacional de Estatística (INE) fez uma revisão das taxas de crescimento do PIB. O número de 2017, por exemplo, passou de 2,8% para 3,5%. Foi então que entrou em campo a estrela da campanha e do governo do PS: Mário Centeno, ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo, formado pelos ministros da área econômica da zona do euro. Foi ele que anunciou a revisão dos números.

— É uma revolução da qual muitos ainda nem se deram conta — disse Centeno, candidato ao Parlamento por Lisboa.

Paradoxalmente, o governo socialista adotou um apelido que foi dado a Centeno pelo ex-ministro da Economia da Alemanha, o ortodoxo Wolfgang Schäuble. Ele chamou Centeno de “Ronaldo das finanças”.

—Ser chamado de Cristiano Ronaldo das Finanças pelo homólogo alemão teve impacto muito positivo para Mário Centeno e para o governo. O povo português teme aventuras econômicas, o PS percebeu e joga com acartada responsabilidade—explicou David.

Rui Rio buscou equiparar seu possível ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, ao atual. Sugeriu um debate entre os dois e disse que também tinha um “Mário Centeno” para escalar. Costa rebateu:

—Mas eu não troco o meu pelo seu, fique já descansado. E os portugueses também não.

Em um comício em Coimbra, o poeta e escritor Manuel Alegre, ex-deputado e dirigente histórico do PS, entrou na disputa:
— Cente no só há um, e é o nosso. Eu sei que há muitos que não gostam, eu próprio às vezes também não gosto, mas não há políticas de esquerda sem rigor nas contas públicas.

MOBILIZAÇÃO POR SALÁRIOS
Centeno, porém, é alvo de críticas da oposição e até mesmo de aliados, como Jerônimo de Souza, secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), que forma, ao lado do PS e do Bloco de Esquerda, a chamada Geringonça, coalizão informal de esquerda que sustenta o governo de Costa.

— Não há desculpas para manter os atuais níveis de investimentos em serviços públicos — criticou Jerônimo em um comício.

Cerca de 2,2 milhões de portugueses vivem em risco de pobreza e o Sistema Nacional de Saúde (SNS) tem déficit de médicos e enfermeiros em cidades do interior; 30% dos pacientes esperaram tempo além do recomendado por uma cirurgia.

— Recuperamos aquilo que tinha sido destruído. Na próxima legislatura, vamos fazer o avanço que o SNS precisa —prometeu Costa.

Para estabilizar as contas públicas na era da troika, o governo congelou carreiras e reduziu contratações. Agora, sindicatos de funcionários públicos reivindicam o reajuste, fizeram dezenas de greves nos últimos quatro anos e prometem voltar aparar até serem atendidos.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) avaliou que a retomada da economia portuguesa está consolidada, mas alerto upara a necessidade de fortalecera resistência diante de previsões de uma nova recessão, como a que poderia ocorrer na Alemanha, grande parceira comercial de Portugal.

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