sábado, 12 de outubro de 2019

João Domingos - Um governo em dívida

- O Estado de S.Paulo

Onde estão a reforma tributária e o plano de salvação da indústria?

Com a reforma da Previdência praticamente concluída, muitas perguntas relacionadas com temas fundamentais para a recuperação econômica e a retomada do emprego começam a ficar no ar, à espera de respostas. Cadê o projeto de reforma tributária do governo? Será possível que a qualificada equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, só tinha como ideia para mudar o arcaico, burocrático e confuso sistema tributário brasileiro a criação de um imposto semelhante à CPMF?

E onde está o plano de salvação da indústria do País? O que o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica pensam a respeito do setor calçadista, da indústria de confecções, do chão de fábrica das autopeças, da cerâmica? Essas perguntas os congressistas já começam a fazer. Alguns chegam a duvidar de que o governo vá mesmo fazer um projeto de privatização radical das estatais, como Paulo Guedes anunciou. Afinal, parece que alguém já conseguiu tirar a EPL da lista das que serão vendidas ou liquidadas.

A EPL, só para lembrar, é a empresa criada no governo de Dilma Rousseff para tocar o projeto do trem de alta velocidade que ligaria o Rio de Janeiro a Campinas, passando por São Paulo. Tal linha deveria ter sido inaugurada meses antes do início da Copa da Fifa de 2014. Alguns bilhões foram gastos em estudos e o brasileiro continua sem ver sinal do trem-bala. Ou mesmo do trem-pangaré.

Plano industrial, venda de estatais, reforma da Previdência, tudo faz parte de um conjunto de medidas necessárias à salvação do País depois do desastre econômico que foi o governo de Dilma. A reforma previdenciária andou bem. Qual foi o Congresso de qualquer nação democrática do mundo que votou e aprovou mudanças profundas no sistema de Previdência em oito meses, a contar da entrega do projeto pelo Executivo?

Se na Previdência tudo andou até melhor do que o imaginado, no restante as coisas ameaçam empacar. Vejamos a reforma tributária.

Para muitos, principalmente para o setor produtivo, ela é até mais importante do que a reforma da Previdência. Mas corre sério risco de não avançar. Ou, se avançar, fazê-lo lentamente. Câmara e Senado até que tentaram tocar sua parte.

Cada um abraçou um projeto já pronto. O Senado, a proposta trabalhada há anos pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR); a Câmara, uma liderada pelo economista Bernard Appy. Mas sem a proposta do governo não dá para fazer quase nada. Afinal, a União, assim como os Estados, os municípios e o setor produtivo, é parte interessada na reforma.

O atraso do envio do projeto de reforma tributária pela equipe econômica não é o único problema no momento. Há um outro complicador. Se, por um lado, os cerca de R$ 24 bilhões (R$ 10,9 bilhões para Estados, igual quantia para os municípios e mais R$ 2,18 bilhões para os Estados confrontantes com as plataformas marinhas onde há exploração de petróleo) do futuro leilão do pré-sal devem dar um fôlego ao caixa de entes da Federação que se encontram na maior quebradeira, de outro tal alívio pode atrasar a reforma tributária. Deve-se levar em consideração que a União também receberá seu quinhão, R$ 48,84 bilhões.

Em 1996, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, foi aprovada a Lei Kandir quando havia pressão por uma reforma tributária. A lei obriga a União a compensar os Estados que concedem isenção de ICMS para produtos de exportação. Contentes com o dinheiro, os Estados pararam de falar na reforma. O mesmo ocorreu com a Emenda Constitucional 84, aprovada em 2014, com efeitos a partir de 2015, que aumentou em 1% a alíquota do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Prefeitos que faziam pressão por uma reforma tributária deram-se por satisfeitos.

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