sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Míriam Leitão - Um dia com altos e baixos

- Globo

Rodada de petróleo foi um sucesso, falta de propostas em Abrolhos foi um alerta, e não indicação para OCDE foi uma decepção

O governo brasileiro teve ontem uma vitória, um aviso e uma decepção. A 16ª Rodada de Licitação de petróleo arrecadou um volume alto de recursos, R$ 8,9 bilhões, e constatou mais uma vez o interesse das empresas estrangeiras na exploração de petróleo no Brasil. Isso é importante porque há dois outros leilões marcados para este ano. O aviso foi o fato de não aparecerem propostas para os blocos perto de Abrolhos, que o governo teimou em colocar na rodada, apesar dos alertas dos técnicos do Ibama. A decepção foi que os Estados Unidos indicaram a Argentina — e não o Brasil — para ser membro da OCDE.

O recado que ficou do leilão de petróleo confirma duas informações: primeiro, que o Brasil é visto como uma frente promissora de investimento na produção de óleo e gás, segundo, que as empresas não querem correr riscos desmedidos na área ambiental. Se quiser passar por cima do que dizem os cientistas ou os órgãos de controle, como o Ibama, o Brasil vai ficar falando sozinho, porque as empresas hoje têm satisfação a dar aos stakeholders, aos acionistas, consumidores e todos os que estão vinculados aos negócios da empresa.

No caso da OCDE, os governos brasileiro e americano tentaram dourar a pílula ao dizer que é apenas uma questão de “timing”, porque a Argentina está mais adiantada no processo de adesão ao chamado clube dos ricos. O Brasil ficaria para uma segunda oportunidade. O problema é que a Argentina está em pior situação econômica. A crise fiscal deles é maior, a inflação voltou aos inaceitáveis níveis de 50%, têm desequilíbrio no balanço de pagamentos e estão às vésperas de uma transição política de enorme incerteza. Se a entrada na OCDE é, como disse a nota do governo dos Estados Unidos, uma espécie de aval às reformas econômicas, a Argentina está muito mais longe dos parâmetros desejados do que o Brasil. Segundo a nota, fica mantida a declaração em que os EUA deram apoio ao desejo do Brasil de entrar na OCDE. Nela, foram saudados “os esforços contínuos do Brasil em relação às reformas econômicas, melhores práticas e conformidade com as normas” da organização. É óbvio que em relação à economia o Brasil está mais perto dessas normas do que a Argentina. E é evidente também que o apoio político não é apenas pela ordem de chegada, mas sim pela “conformidade” com as políticas defendidas pela OCDE.

Entrar na OCDE não nos faz um país desenvolvido. Essa foi a ficção vendida pelo governo Bolsonaro ao comemorar essa suposta vitória. As vantagens de estar na organização não são concretas. Estar lá é apenas fazer parte de discussão de políticas públicas e de definição de critérios de avaliação. Não tem o mesmo valor da contrapartida brasileira, que abriu mão das vantagens, do tratamento especial e diferenciado, como país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC). Em consequência desse movimento, ele passou a ser olhado com desconfiança por outros países em desenvolvimento.

Na boa notícia do dia, o leilão de petróleo arrecadou mais do que o previsto, bateu o recorde de R$ 8 bi da 15ª Rodada, no ano passado, e teve um ágio médio de 322%, apesar de a atuação da Petrobras ser comedida. Já houve rodadas em que a estatal brasileira disputava várias áreas ao mesmo tempo, e isso acabava resultando num número bom, mas não ampliava a quantidade de investidores no setor.

O problema é que o governo não entendeu a parte em que o mercado avisou que ele deve evitar. Nenhuma empresa deu lances na exploração dos blocos perto do Parque Marinho de Abrolhos. Isso porque quando se fala hoje em “conformidade” está se falando também de respeito a padrões ambientais. E o risco em Abrolhos é imenso, já que o parque é um santuário de espécies marinhas. Um desastre ambiental em um lugar assim produz perdas enormes. O dano à imagem de uma empresa associada a qualquer problema em uma área ambientalmente sensível, como Abrolhos, é grande demais.

O governo poderia ver nesse evento uma oportunidade de retirar essas áreas da disputa e respeitar a orientação dos técnicos do Ibama. Mas as autoridades preferiram manter os blocos em leilão permanente. Se uma empresa aventureira, sem o padrão técnico necessário, der um lance, leva. O que o mercado disse ao governo brasileiro é que o risco em Abrolhos não compensa. O alerta foi dado, mas o governo não quis ouvir.

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