domingo, 13 de outubro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Aprendizado político – Editorial | Folha de S. Paulo

Folha deixa defesa do parlamentarismo com voto distrital misto, pouco realista

Um legislador abstrato que fosse convocado para criar uma Constituição ideal a ser implantada num país imaginário faria bem em adotar o parlamentarismo.

Trata-se, em teoria ao menos, de um regime mais moderno, que apresenta vantagens sobre o presidencialismo, em especial no que diz respeito à solução de crises.

Afinal, é menos traumático dissolver um governo e convocar eleições do que promover um impeachment. Quanto aos legisladores, caso se comportem mal, podem ter seus mandatos abreviados.

Por essas razões, a Folha defendeu, a partir dos anos 1990, que o país adotasse o parlamentarismo, além de um sistema eleitoral que combinasse o voto distrital (um representante eleito por localidade) e o proporcional (como o atual), inspirado no modelo alemão.

No entanto, por considerar que tais propostas se tornaram pouco realistas, o jornal passa a advogar aperfeiçoamentos no sistema que aí está —o presidencialismo com votação proporcional para a Câmara dos Deputados.



Por maiores que sejam as tentações do ideal, regimes políticos não existem num papel em branco; eles ocorrem em países concretos, que têm suas histórias peculiares.

Não se pode ignorar, por exemplo, que em 1963 e em 1993 os brasileiros foram às urnas com a oportunidade de escolher o parlamentarismo, e nas duas ocasiões o rejeitaram por ampla maioria.

Cumpre considerar ainda que nenhum arranjo político-eleitoral funcionará em seu potencial pleno se não gozar de um período prolongado de estabilidade, que dê ao eleitorado e a seus representantes a chance de aprender a navegar no cipoal de regras. Se estas mudam em poucos anos ou décadas, não há chance de amadurecimento.

Inexiste sistema perfeito —e não raro as sociedades que optam por determinado modelo passam a invejar as que preferiram outros caminhos. Cada qual, na verdade, tem pontos fortes e vulnerabilidades. Regimes parlamentaristas, em que pese lidarem bem com certos problemas, criam outros que não se observam no presidencialismo.

No presente momento, importantes democracias parlamentaristas que sempre pareceram sólidas vivem impasses graves.

Na Espanha, por exemplo, os socialistas venceram a eleição antecipada de abril, mas ainda não conseguiram montar uma coalizão que lhes permita formar um governo. É provável que os espanhóis tenham de voltar às urnas em breve, no terceiro pleito em três anos.

Problema muito parecido se dá em Israel —que já promoveu duas eleições neste ano, mas ainda não conta com uma aliança partidária capaz de governar o país.

Pode-se ampliar com o Reino Unido, onde o brexit (a decisão de abandonar a União Europeia) provocou uma crise para a qual não parece haver solução, ou a Bélgica, onde o impasse tornou-se crônico, fazendo com que o país passe por extensos períodos sem governo. Em 2010-11, foram 541 dias.

A questão do sistema de votação não se mostra menos complicada. Se o sistema distrital tem a tendência vantajosa de reduzir o número de partidos, desenhar distritos e atualizá-los periodicamente com base na evolução da demografia é simples apenas na teoria.

Na realidade, dá margem a todo tipo de manipulação política —dificuldade que sistemas proporcionais como o brasileiro ignoram.

Os americanos chegaram a criar um termo linguístico, “gerrymandering”, para designar a criação arbitrária de divisões eleitorais com a finalidade de favorecer algum grupo político.

São tantas as variáveis e as incertezas envolvidas nas reformas políticas de grande latitude que parece mais sensato apostar em pequenas mudanças que tragam ganhos incrementais ao sistema.

Parte dessas alterações já está contratada, felizmente.

A tímida cláusula de desempenho (a exigência de um mínimo de votos para que partidos tenham direito a determinadas verbas públicas) adotada em 2017, aliada à proibição de coligações para eleições proporcionais, a vigorar a partir do próximo pleito, deverá resultar numa progressiva diminuição do número descabido de partidos.

Não faria mal acelerar esse processo, que tende a favorecer a governabilidade. Há margem para uma cláusula de barreira mais rigorosa, como demonstra a experiência internacional.

Entre temas mais controversos, o fim da obrigatoriedade do voto é medida que, sem alterar o âmago do sistema, amplia a liberdade dos eleitores. Outro aperfeiçoamento meritório, embora com chances remotas no momento, seria o ajuste do cálculo das bancadas estaduais na Câmara, de modo a respeitar as proporções populacionais.

Sob o arranjo em vigor, com todas as suas falhas, o país vive o período democrático mais longo de sua história. Cumpre aprimorá-lo com cautela e realismo.

A liberdade e a lei – Editorial | O Estado de S. Paulo

Em junho, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão de todos os processos judiciais que discutem se o acordo coletivo pode prevalecer sobre direitos previstos em legislação trabalhista infraconstitucional. Em maio, o STF havia reconhecido a repercussão geral da questão discutida no processo. O Código de Processo Civil é expresso: “Reconhecida a repercussão geral, o relator no STF determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”.

Na quinta-feira passada, seguindo a decisão do ministro Gilmar Mendes, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) suspendeu todos os processos trabalhistas que discutem a validade das negociações coletivas até que o STF se pronuncie sobre a questão. A suspensão afeta uma grande quantidade de ações da Justiça do Trabalho. Há estimativas de que até 60% dos processos trabalhistas referem-se a essa matéria.

Se o alcance da suspensão recomenda que o STF seja diligente no julgamento do caso, ele também aconselha especial cuidado na apreciação do caso. Nesse processo, a Justiça tem a oportunidade de estabelecer uma jurisprudência mais equilibrada e, principalmente, em conformidade com a reforma trabalhista aprovada em 2017 pelo Congresso, a Lei 13.467/2017.

A rigor, a questão não é se um acordo entre particulares pode prevalecer sobre a lei. Trata-se de um princípio básico do Estado: a disposição entre particulares não pode prevalecer sobre uma lei vigente e constitucionalmente válida. A questão a ser avaliada pelo STF é o status que a própria lei concede à negociação coletiva.

Alterada pela Lei 13.467/2017, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que “a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre (i) pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; (ii) banco de horas anual; (iii) intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas”. Esses são os três primeiros temas. Ao todo, são 15 pontos a respeito dos quais a própria lei define que o acordo coletivo pode dispor de forma diferente ao determinado pela legislação infraconstitucional.

E no artigo seguinte, também de acordo com a redação dada pela reforma trabalhista, a CLT dispõe que “constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: (i) normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social; (ii) seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; (iii) valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do FGTS”. Esse artigo lista, ao todo, 30 itens a respeito dos quais o acordo coletivo não pode prever algo diferente do que dispõe a lei.

Fica evidente, portanto, que a discussão a respeito da validade do acordo coletivo refere-se à validade da própria lei. No caso, é a validade da própria CLT, já que é ela que reconhece a liberdade de trabalhadores e patrões para dispor, por meio de acordo coletivo, sobre aqueles assuntos. Como reconheceu o STF, nessa discussão estão envolvidas questões constitucionais importantes.

A validade do acordo coletivo relaciona-se, por exemplo, com o princípio constitucional da separação dos Poderes. Foi o Congresso que aprovou a reforma trabalhista, atribuindo efeitos jurídicos precisos às convenções coletivas. A Justiça não pode passar por cima da vontade do Legislativo, especialmente se essa vontade está em consonância com a Constituição. E aqui se vislumbra outro ponto fundamental da reforma trabalhista. Ao assegurar amplos espaços de liberdade, a Lei 13.467/2017 assegura o cumprimento de um dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil: os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, como dispõe o art. 1.º da Carta Magna. A liberdade e a lei merecem integral proteção.

Como o Estado distribui injustiças sociais – Editorial | O Globo

Reforma da Previdência é apenas parte de um amplo programa de combate à concentração de renda

A ideia de que o Brasil não é um país pobre, mas injusto, tem sido reforçada desde que a apresentação pelo governo Temer de uma proposta de mudanças no sistema de seguridade passou a fazer com que circulasse um grande volume de dados sobre as distorções no pagamento de aposentadorias e pensões. Além do desequilíbrio que a legislação que rege os benefícios causa nas contas públicas, há graves distorções que aprofundam a má distribuição de renda e tornam o Brasil um dos países mais iníquos.

Na Previdência, é irrefutável a injustiça social promovida pela disparidade entre a aposentadoria do funcionalismo público e a da grande massa de trabalhadores do setor privado, dependentes do INSS, em que o benefício máximo é de R$ 5.839,45 contra valores acima de dez mil e até vinte mil reais em corporações do serviço público.

Mas o sistema previdenciário é apenas um dos mecanismos que funcionam no país para concentrar a renda. Há outros também eficientes e até menos visíveis. O economista Arminio Fraga, presidente do conselho do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), no texto “Estado, desigualdade e crescimento no Brasil”, relaciona indicadores e causas de distorções sociais, propondo objetivos de redução de gastos públicos, incluindo subsídios, quase nunca explícitos.

“Não é segredo e tampouco exagero observar que muita gente enriqueceu no Brasil pela via da captura do Estado”, observa. As benesses conseguidas por corporações do funcionalismo são exemplares. Mas também há empresários em busca de incentivos e subsídios, e classes sociais que desejam manter vantagens tributárias.

Tudo somado, constata Arminio, no Brasil a queda da desigualdade causada pela ação do Estado é das menores do mundo. Porque as transferências feitas pelo poder público beneficiam os mais ricos.

O cálculo do coeficiente de Gini, termômetro da desigualdade (quanto mais próximo de um, pior a distribuição de renda; quanto mais próximo de zero, melhor), feito considerando-se a renda disponível, ou seja, depois das transferências (programas sociais, devoluções, por exemplo) e da incidência de tributos diretos, indica que, entre vários países, o Brasil é o menos equânime. Ou seja, no fim das contas, o Estado de fato ajuda a concentrar a renda.

A comparação feita com o mesmo indicador, de 1990 a 2017, entre o Brasil, a Alemanha, os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — em que estão as nações mais ricas —, o Chile e os Estados Unidos mostra que a distribuição de renda no Brasil é a pior.

A capacidade do Estado de injetar dinheiro no bolso das pessoas é grande. Considere-se que as despesas com Previdência e o funcionalismo federal absorvem 80% dos gastos primários do Orçamento (sem considerar a conta dos juros da dívida interna).

Por sua vez, os dispêndios primários do Brasil são muito elevados em proporção do PIB. Estatísticas do Fundo Monetário colocam o país no mesmo nível da Suíça e apenas um pouco abaixo de China e Estados Unidos, países com pesados orçamentos militares. O problema é como são feitos os gastos.

Arminio Fraga afirma que o estado atua com frequência “como um Robin Hood às avessas” — não dando ao pobre, ou tirando dele, para destinar ao rico. É preciso preocupar-se com estes canais de transferências de injustiça social: subsídios creditícios, regimes tributários especiais, deduções que privilegiam as classes de renda mais alta, entre outros. Há muito trabalho a ser feito, com objetivo de recuperar a capacidade de o Estado investir de forma a melhorar a qualidade de vida da população — saneamento, educação, saúde, segurança, infraestrutura em geral, além do apoio a pesquisas, muito afetado nesta crise. Arminio calcula que em até dez anos pode ser feita uma economia de nove pontos percentuais do PIB em ajustes no funcionalismo, na Previdência, em subsídios e gastos tributários, o que também permitiria reduzir a elevada carga tributária.

Este ajuste dá oportunidade de se fazer com que o Estado deixe de ser um Robin Hood às avessas.

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