sexta-feira, 25 de outubro de 2019

O que a mídia pensa - Editoriais

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A desistência do 03 – Editorial | Folha de S. Paulo

Ao abandonar plano de ir para Washington, Eduardo Bolsonaro evita vexame

A desistência na indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ao posto de embaixador em Washington não é garantia de que a diplomacia brasileira seguirá doravante rumos elogiáveis, mas sem dúvida alivia o país de um vexame de proporções internacionais.

É ocioso discutir se a tentativa do presidente Jair Bolsonaro de entregar o posto ao filho poderia ser enquadrada nas regras que vetam o nepotismo na esfera pública. O gesto, independentemente de interpretações do texto, fala por si: explicita um inaceitável avanço do mandatário sobre o caráter republicano das instituições.

A deplorável afirmação de Bolsonaro de que se pudesse serviria sempre filé mignon a seus herdeiros ilustrou, em sua vulgaridade, a natureza personalista e arrogante da escolha do filho ao posto.

Fosse o deputado um reconhecido talento diplomático, uma promessa de Joaquim Nabuco redivivo, opiniões mais flexíveis até poderiam se justificar. Mas não é o caso. Em matéria de credenciais para a função, o assim chamado 03 é pouco mais que um zero à esquerda.

Bastariam para desqualificá-lo as cenas de bajulação explícita ao presidente norte-americano, Donald Trump, por ele patrocinadas.

Ou mesmo o ataque sarcástico que ele desfechou contra a comunidade LGBT ao vestir uma camiseta descaracterizando a sigla num evento conservador em São Paulo –com fundos públicos, diga-se, do PSL.

Além do nepotismo de fato e de tais episódios constrangedores, há uma série de outros motivos para considerar que a indicação seria inapropriada. A índole para o confronto em desfavor do diálogo, a inexperiência e o despreparo faziam de Eduardo um candidato muito aquém da missão.

Embora o Senado, que precisa endossar a proposta do Executivo, pudesse, quem sabe, aprová-la, ficou evidente que a aceitação do nome se tornou insustentável.

A implosão do PSL, em meio a denúncias de falcatruas eleitorais e a uma guerra de acusações torpes no ninho bolsonarista, abriu ao deputado uma porta para a fuga.

Depois de perder a escolha para líder do PSL na Câmara, recuperando-a a seguir, Eduardo anunciou na noite da terça (22) que desistiria dos EUA. Em pronunciamento, reafirmou a convicção de que reúne qualidades para comandar a embaixada e procurou desvincular sua guinada da crise no PSL.

Teria se convencido de que o melhor é permanecer no Brasil para defender princípios conservadores e “fazer do tsunami que foi a eleição de 2018 uma onda permanente”.
É incerto se conseguirá levar a cabo tais objetivos, mas sem dúvida são mais adequados e estão mais à altura de suas possibilidades.

Derrota anunciada – Editoria | O Estado de S. Paulo

Três meses após o presidente Jair Bolsonaro anunciar que indicaria seu filho Eduardo para a embaixada de Washington, o próprio deputado, a quem, segundo o pai, cabia a decisão, anunciou na Câmara sua desistência. Entre os princípios que a Constituição impõe ao exercício de postos oficiais, como legalidade, moralidade, publicidade, tal indicação agredia visceralmente dois: impessoalidade e eficiência.

Muito além de pitorescas, as credenciais apresentadas pelo deputado – os hambúrgueres fritados em intercâmbio nos EUA – são um insulto ao corpo diplomático, submetido durante toda a carreira às rigorosas provas que fazem do Itamaraty um exemplo de meritocracia na administração pública. Mas não bastasse a sua inexperiência, deu mostras reiteradas de inabilidade diplomática. À frente da Comissão de Relações Exteriores, já declarou que a transferência da embaixada em Israel para Jerusalém é questão de tempo, que o Brasil só será respeitado quando puder sacar suas armas nucleares e que é quase impossível resolver a crise na Venezuela de maneira pacífica, sugerindo uma invasão a ser liderada por tropas americanas alocadas na fronteira.

Mais grave é que a flagrante falta de experiência e têmpera foi obnubilada aos olhos de seu pai pelas alegadas relações pessoais da família com Donald Trump. Aliás, como se tivéssemos regredido da era dos Estados Nacionais à dos clãs, elas foram apontadas como o maior atributo legitimador do deputado – “Ele é amigo dos filhos do Trump” –, em mais uma evidência da incapacidade do presidente de distinguir entre interesses de governo e de Estado, e da sua disposição de emaranhar ambos em interesses de família.

Questionado por repórteres sobre nepotismo – também indisputável, se não da perspectiva legal, da moral –, o presidente os acusou de “hipócritas”. Sentindo-se, como de hábito, pessoalmente ofendido, deu vazão aos seus ímpetos arbitrários: “Sim, o Senado pode barrar sim. Mas imagine que no dia seguinte eu demita o (ministro das Relações Exteriores) Araújo e coloque o meu filho. Ele vai comandar 200 embaixadores mundo afora”. Afinal, “se puder dar um filé mignon ao meu filho, eu dou”, confessou em outra ocasião, emendando incontinenti – como que a ilustrar a máxima de que a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude –: “Mas não tem nada a ver com filé mignon essa história aí. É aprofundar um relacionamento com um país que é a maior potência econômica e militar do mundo”. No que expôs suas convicções sobre como devem ser pautadas as relações exteriores: por amizades antes que por interesses.

Ironicamente, o próprio Trump não entende assim e, ao contrário do que se rumorejou sobre seu filho, indicou para a embaixada de Brasília o diplomata de carreira Todd Chapman. Tampouco entendem assim os senadores, que, cortejados pela “Nova Política” dos Bolsonaros, rechaçaram nos bastidores o disparate. Foi isso, por sinal, em que pesem as declarações do deputado sobre seus deveres patrióticos a serem exercidos no País, que determinou a desistência. O fracasso que o presidente temia aconteceu. Felizmente, pois entre a sua desmoralização e a do País, ele não deixou ao Senado uma terceira alternativa.

Para além dos hambúrgueres e filés, já parte do folclore diplomático, o episódio é importante porque se a aventura do filho “03” em Washington foi frustrada, a do clã Bolsonaro nas relações internacionais, cujo toque mais pessoal é a subordinação, para não dizer vassalagem, a Donald Trump, segue a todo vapor. É bom que reverbere em nossos dias a advertência de Rui Barbosa aos deslumbrados dos seus: “Não quero, nem quereis nenhum de vós, que o Brasil viesse a ser o símio, o servo, ou a sombra dos EUA”. É lícito esperar que o presidente se subordine à fórmula da diplomacia consagrada desde a época do Império pelo Conselho de Estado: “Inteligente sem vaidade, franca sem indiscrição, enérgica sem arrogância”. Até agora ele tem estado longe disso.


PEC paralela é peça fundamental da reforma – Editorial | O Globo

Equilíbrio das previdências de estados e municípios torna-se básico para ajuste fiscal não correr novos riscos

A leniência de boa parte dos políticos acumulou um entulho fiscal que exige trabalho árduo do Executivo e do Legislativo nestes quatro anos da gestão Bolsonaro, pelo menos. A aprovação final da reforma da Previdência, a mais ampla já executada, gera a esperança de que outros projetos essenciais para o resgate financeiro do Estado possam ser bem encaminhados.

Esta primeira adequação mais profunda do sistema de seguridade às mudanças demográficas e a exigências da aritmética — terão de vir outras — precisa ser complementada. O caso mais premente é a PEC paralela, por se tratar de parte substancial da própria reforma.

O adjetivo “paralela” não diminui a sua relevância, pois ela trata da extensão das mudanças aos sistemas previdenciários dos estados (e municípios), tão ou mais deficitários, proporcionalmente, que o INSS e o regime dos servidores públicos federais.

Segundo estatísticas do Tesouro Nacional, o conjunto do sistema de previdências estaduais acumulou no ano passado um déficit de R$ 101 bilhões, buraco que vem se alargando de maneira crescente pelos mesmos motivos que levam o INSS e o regime do funcionalismo federal a se aproximarem da insolvência: o envelhecimento da população, com o consequente aumento do número de aposentados, uma das causas-chave da crise.

Esta proposta de emenda constitucional precisa tramitar pelo Congresso sem atrasos. Teria sido mais fácil a inclusão de estados e municípios no texto do projeto recém-aprovado. Mas a lógica cartesiana nem sempre vigora no universo da política.

Conflitos regionais fizeram com que deputados se opusessem a esta inclusão, para não favorecer adversários em sua base eleitoral. A intenção é que governadores passem pelo desgaste de enfrentar corporações regionais, para aprovar reformas essenciais, porém impopulares.

É uma visão míope, mas funciona dessa forma. O quadro é dramático: serviços básicos fornecidos por estados e municípios têm sido afetados pela falta de recursos. Afolha de pessoal, que inclui aposentadorias e pensões, compromete volumes crescentes da arrecadação de impostos. Saúde e educação têm sido prejudicadas. O pagamento de salários e benefícios passou a ser parcelado em algumas unidades da Federação.

A deterioração fiscal não obedece ao calendário político. Sem poder esperara tramitação da P EC paralela, governadores negociam com assembleias e sindicatos medidas de ajuste, inclusive mudanças previdenciárias. Mas a PEC, cujo relatório foi entregue quarta-feira pelo senador Tasso Jereissati(PSDB-CE) à CCJ,é essencial, porque permite que a adesão à reforma seja aprovada nas assembleias por projeto de lei comum. Fica mais fácil superar as corporações.

O ajuste na Previdência em toda a Federação ajuda a evitar que a que brade estados e municípios desabe sobre o Tesouro Nacional, desmontando todo o ajuste fiscal do país.

É preciso mais esforço contra a tragédia do óleo no litoral – Editorial | Valor Econômico

É hora de trabalhar sério - mil toneladas de óleo foram tiradas do mar e não se sabe quanto mais há ou virá

Depois do aumento vertiginoso dos incêndios criminosos na floresta amazônica, o Brasil vive a maior catástrofe ambiental em extensão, com manchas de petróleo que invadiram o litoral do Nordeste e se espalharam, desde 30 de agosto por 2.250 km - nada menos que 30% de toda a costa do país. Não se sabe a origem do derramamento nem sua localização, o que impede qualquer tentativa de circunscrever o óleo, impedir que chegue às praias e limitar seus danos. O caminho das manchas percorreu 88 municípios e 231 localidades, além da foz do rio São Francisco, manguezais e recifes de corais. Tragédias dessa magnitude e com essas características exigem ações coordenadas rápidas, de acordo com planos de ação e pronta disponibilidade de meios materiais para intervenções. O Estado brasileiro e suas unidades federativas, mostra a tradição, não são bons nisso.

Ao contrário da piromania na Amazônia, que minimizou, para escândalo da comunidade internacional, o governo de Jair Bolsonaro não tem responsabilidade pela poluição que chegou a centenas de praias nordestinas e à Baía de Todos os Santos, a segunda maior do mundo. O desmonte administrativo e econômico dos órgãos ambientais complica a resposta dos órgãos públicos e afeta sua eficiência. No caso, mais importante parece ter sido outro desmonte, o de centenas de comissões existentes, feito sem serenidade e critérios.

Na penada, dada com a tinta da ideologia, foram eliminadas duas comissões encarregadas da execução do plano nacional de contingências para incidentes de poluição por óleo em água, aprovado em 2013. Com o avanço da exploração do petróleo do pré-sal, foi um ato de total leviandade. O desastre de agora mostra seu desatino.

O presidente Jair Bolsonaro arregalou os olhos quando análises mostraram que o petróleo tem origem na Venezuela, para ele a besta-fera bolivariana. Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, acionou a Organização dos Estados Americanos para que a Venezuela se manifeste sobre o óleo. Bolsonaro ventilou mais uma ideia tola, a de que o incidente criminoso tinha por objetivo frustrar o megaleilão da cessão onerosa. Salles, criticado por inação, contra-atacou os “ecoterroristas” das ONGs. O Ministério Público e procuradores dos 9 Estados afetados foram mais sóbrios e objetivos ao diagnosticarem que a “União não está adotando as medidas adequadas”.

Mas a politização da catástrofe não trará a regeneração da natureza. Procurar segundos culpados quando não existe sequer o principal é inútil. É preciso que todos os meios intelectuais e materiais do Estado e da sociedade civil sejam mobilizados à altura de uma calamidade desta envergadura.

Uma ação conjunta da Marinha e Petrobras colocou em campo 3.400 pessoas para recolher os dejetos. Na segunda, o governo pôs à disposição o efetivo da 10ª Brigada do Exército do Recife, com efetivo de 4 mil homens. Milhares de pescadores, habitantes das comunidades costeiras e voluntários se lançaram às praias para fazer o que resta fazer diante dessa tragédia - retirar uma a uma as gosmas oleosas. O Ministério da Agricultura saiu em socorro dos pescadores, antecipando o seguro-defeso, pois eles ficaram repentinamente sem renda.

O plano de contingência tem protocolos úteis a serem seguidos e o governo, que hostiliza a comunidade científica, precisa mais do que nunca dela agora - sem condições. Informações valiosas sobre o local do derramamento - possivelmente de 400 a 700 km da costa - foram dadas por pesquisadores da UFRJ e outros centros de ensino. A decretação de “estado de emergência” ambiental pode, em tese, dar mais organização e direção aos esforços feitos e por fazer.

Os danos exigirão ações de longo prazo. Calcula-se que 144 mil pescadores e marisqueiros ficarão sem fonte de sustento por um prazo indeterminado. O óleo contaminou vários manguezais, zonas naturais de reprodução de muitas espécies, como caranguejos, mariscos, aratus e sururus. A degradação do óleo nesses habitats pode levar décadas. Com o passar do tempo, o óleo libera metais pesados e substâncias tóxicas. A cadeia alimentar do mar se contamina. Há sinais da presença de metais pesados em pescados, uma grave ameaça econômica, sanitária e ambiental. Além disso, 12 áreas de proteção ambiental foram atingidas, entre elas a de Curupuru, no Maranhão, colocando sob risco o peixe-boi.

É hora de trabalhar sério - mil toneladas de óleo foram tiradas do mar e não se sabe quanto mais há ou virá.

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