segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Lições da Inquisição – Editorial | O Estado de S. Paulo

Nos anos 80, o Estado publicou um artigo do professor John Tedeschi (A Outra Face da Inquisição, Suplemento de Cultura, 16/3/1986) apontando como, ao contrário do que se consolidou no imaginário popular, já havia na Inquisição romana do século 16 garantias processuais que depois seriam incorporadas pelas legislações nacionais. O artigo indica, por exemplo, que o Santo Ofício aplicava com frequência penas alternativas ao encarceramento, como trabalhos obrigatórios em prisão domiciliar. Ou que cabia ao inquisidor prover as despesas das testemunhas de defesa, caso o réu não dispusesse dos meios necessários.

Tedeschi alerta que seu estudo se refere à instituição estabelecida na Itália em meados do século 16, não devendo ser confundida “com a Inquisição medieval que entrara em vigor no início do século 13 (e da qual a Inquisição romana era a continuação) nem com o tribunal espanhol fundado em 1478 e cuja história é completamente distinta”. Também menciona que não deseja amenizar os abusos cometidos pelos tribunais da Inquisição, nas diversas épocas. Seu objetivo é, por meio de uma análise das fontes disponíveis, traçar um panorama fidedigno do funcionamento daqueles tribunais.

À parte as controvérsias inerentes a trabalhos dessa natureza, é interessante nestes tempos de indiferença às garantias penais – não raro tratadas como “filigranas jurídicas” – revisitar direitos e proteções que a Inquisição romana concedia aos acusados. Ainda que possa surpreender, talvez a Inquisição tenha algo a ensinar sobre o devido processo legal.

“A Inquisição romana fez total uso, a partir do século 16, de uma justiça legal (em contraposição a uma justiça moral). Pude mesmo verificar, em cada caso, que Roma mandava aplicar escrupulosamente os procedimentos adequados formulados pelos manuais para uso dos inquisidores”, relata John Tedeschi. Não havia espaço para idiossincrasias ou protagonismos arbitrários.

A respeito das razões para o sigilo processual – os inquisidores faziam um solene voto de silêncio relativo a todo o processo judicial –, o artigo aponta que, entre outros aspectos, “era preciso proteger a reputação do acusado”. Havia um cuidado de fato com o princípio da presunção de inocência.

No artigo, há documentos indicando que a Inquisição romana era prudente antes de deter um suspeito. “É preciso mostrar-se muito prudente no encarceramento de suspeitos, escreve Eliseo Masini num manual consagrado, Il Sacro Arsenale, pois o simples fato de ser aprisionado por crime de heresia é notavelmente infamante para a pessoa. Será, portanto, necessário estudar cuidadosamente a natureza das provas, a qualidade das testemunhas e o estado do acusado”, transcreve o professor Tedeschi.

O artigo menciona também a carta de um funcionário da congregação romana dirigida a um inquisidor de Bolonha: “Que Vossa Reverendíssima não se apresse em proceder a uma detenção, pois a simples captura, ou mesmo a bulha que ela possa provocar, causa um grave dano”, diz o documento redigido em 1573.

Ao elencar os motivos pelos quais não houve na Itália a “epidemia sangrenta de perseguição dirigida a bruxos que assolou a Europa setentrional no final do século 16 e durante boa parte do 17”, o artigo aponta que a Inquisição romana “insistiu fortemente no fato de que o testemunho de uma pessoa suspeita de bruxaria tinha uma validade extremamente limitada enquanto fundamento de uma perseguição visando outras pessoas”.

Nos dias de hoje, em que com frequência se dá às delações um crédito irrazoável e desproporcional, é instrutivo recordar que foi esse tipo de testemunho que ocasionou, em muitos países, uma epidemia sangrenta de perseguição. Esse dado histórico mostra a relevância para todos os cidadãos, e não apenas para as partes envolvidas num determinado processo penal, do respeito ao devido processo legal. Não são filigranas jurídicas. São nesses aparentemente pequenos detalhes que se infiltram insidiosamente grandes desequilíbrios e injustiças. Não convém ignorar as lições da história.

Partidos avançam na judicialização da agenda política – Editorial | O Globo

Legendas têm transferido aos tribunais conflitos não resolvidos no Legislativo ou com o Executivo

Uma das queixas mais recorrentes de parlamentares e dos líderes partidários é a chamada judicialização da política. Criticam uma suposta intromissão do Judiciário em assuntos cuja resolução deveria caber ao Legislativo.

A realidade, porém, é outra. Os partidos têm transferido aos tribunais parte significativa dos seus conflitos não resolvidos no Legislativo ou com o Executivo. As consequências são prejudiciais à segurança jurídica, um princípio geral do estado de direito que não aparece de forma expressa no texto constitucional, mas permeia toda a Constituição, sobretudo naquilo que fundamenta a confiança da sociedade nos atos, procedimentos e condutas estabelecidos pelo Estado — como, por exemplo, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido.

Na contramão da História e da racionalidade, um partido político foi ao Supremo Tribunal Federal na semana passada pedir a nulidade dos fundamentos da política de privatizações dos últimos 24 anos. Incluiu os atos recentes para desestatização de Dataprev, Serpro, Ceitec, Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Casa da Moeda.

Pretende, também, a anulação da aliança entre duas empresas privadas, a americana Boeing e a brasileira Embraer. Como se sabe, a Embraer se tornou caso de êxito estatal no investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação num setor industrial até então dominado por um restrito clube de países ricos. Foi privatizada no governo Itamar Franco, há 24 anos. Em fevereiro passado, selou a aliança com a Boeing.

Alega o PDT na ação que o governo federal não usou seu poder de veto para impedir uma “transferência do controle acionário” da Embraer à Boeing. Refere-se a um tipo de ação especial (golden share) que concede ao Estado prerrogativas específicas em decisões de empresas privatizadas para resguardo de interesses estratégicos do país.

A aliança entre essas duas empresas foi anunciada há 16 meses, como forma de autodefesa mútua, diante do avanço da concorrência da francesa Airbus e da canadense Bombardier, que se associaram. Boeing e Embraer garantem que “não houve” e “nem haverá” transferência de controle acionário. A União, por óbvio, não se omitiu, até porque o negócio contou com aval público de dois governos, o de Michel Temer e o de Jair Bolsonaro.

Está claro que o partido político quer transferir à Justiça uma demanda que não conseguiu resolver no Legislativo, por ter ficado em posição minoritária. O vício da recorrência aos tribunais levou outra ação à 24ª Vara Cível Federal de São Paulo, ainda não julgada. Devido a razões eleitorais, outra vez, o PDT fomenta aquilo que costuma criticar — a judicialização da agenda política nacional. Sem competência para resolvê-los na arena própria, o Legislativo, impõe o ônus de um aumento da insegurança jurídica a toda a sociedade.

O alvo da CPI – Editorial | Folha de S. Paulo

Congresso pode combater milícias virtuais, sem prejudicar liberdade de expressão

A Comissão Parlamentar de Inquérito criada por deputados e senadores para investigar a disseminação de notícias falsas na internet durante a campanha presidencial do ano passado promete fazer barulho nos próximos meses.

Instalada em setembro, ela inclui entre seus objetivos a investigação de ataques cibernéticos contra a democracia, perseguições nas redes sociais e até casos de crianças que teriam cometido suicídio por influência de grupos virtuais.

Tudo indica que ações do governo Jair Bolsonaro (PSL) na área de comunicação merecerão atenção especial, em particular sua articulação com as legiões de agitadores que se dedicam a defendê-lo e a atacar seus adversários na internet.

Seis assessores do Palácio do Planalto já foram convocados para depor à comissão, entre eles o chefe da Secretaria de Comunicação, Fabio Wajngarten, e colaboradores que trabalham para o presidente desde a campanha eleitoral.

A CPI deverá apreciar em breve um requerimento para que seja ouvido também o vereador Carlos Bolsonaro (PSC), filho do presidente que desde sempre exerce grande influência na definição da sua estratégia de comunicação digital.

Defenestrados há uma semana pelo presidente das posições de liderança que ocupavam na Câmara, os deputados Joice Hasselmann (SP) e Delegado Waldir (GO) foram convidados a falar e se prontificaram a contar à comissão tudo que sabem sobre a atuação do governo e de seus seguidores nesse campo.

As redes sociais se tornaram nos últimos tempos terreno fértil para a proliferação de verdadeiras milícias virtuais, que usam a internet para espalhar desinformação e confundir o debate público.

A CPI cumprirá bem seus objetivos se contribuir para o entendimento desse fenômeno e para o desenvolvimento de instrumentos capazes de conter os danos que esses grupos causam ao bom funcionamento do regime democrático.

Essas atividades parecem ter se tornado corriqueiras no interior da máquina de propaganda oficial e mesmo em gabinetes parlamentares. Caberá certamente um exame rigoroso do emprego de recursos públicos no financiamento dessas ações, e o Congresso fará bem se apertar controles para coibi-lo.

Mas a comissão certamente afundará no descrédito se seus integrantes a transformarem em mais um palco para a guerra entre o governo e seus opositores, ou para acertos de contas entre as facções em conflito nas hostes bolsonaristas.

Cabe aos parlamentares evitar um perigo ainda maior, o de que a CPI seja usada para impor limites à liberdade de expressão e à circulação de ideias na internet, a pretexto do combate às fake news.

Se é certo que a atuação de grupos inescrupulosos no ambiente virtual merece escrutínio, seria inaceitável que os políticos usassem a CPI apenas como mais um instrumento para combater seus adversários e silenciar os críticos.

O necessário debate sobre a abertura econômica – Editorial | Valor Econômico

O diálogo com o setor produtivo deve ser um dos pilares das relações entre o Estado e o mercado

Em seu discurso de posse, o presidente Jair Bolsonaro repetiu promessa feita durante a campanha eleitoral: “Precisamos criar um círculo virtuoso para a economia, que traga a confiança necessária para permitir abrir nossos mercados ao comércio internacional, estimulando a competição, a produtividade e a eficácia, sem viés ideológico”. Poucas semanas depois, a mensagem enviada pelo presidente ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura do ano legislativo, também foi clara ao assegurar que seu governo impulsionaria o comércio internacional. O objetivo apresentado foi o seguinte: “(...) para promover o crescimento econômico de longo prazo, em linha com a evidência na qual países mais abertos são também mais ricos” e, assim, vencer o desafio de “retirar o Brasil da condição de ser um dos países menos abertos ao comércio internacional”.

Desde então, o governo Bolsonaro avançou em alguns aspectos da abertura comercial, mas poderia ser mais ágil na apresentação de resultados. É preciso registrar a coparticipação das administrações anteriores nos avanços colhidos até agora. Um exemplo a ser citado é a assinatura do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, uma vez que as negociações se arrastavam há cerca de duas décadas.

Ainda levará tempo até que os efeitos desse acordo possam ser sentidos pelo setor produtivo e, sobretudo, pelos consumidores. Seu texto precisa receber o crivo dos poderes legislativos das partes envolvidas e, como se sabe, as relações do Brasil com alguns de seus parceiros históricos, como a França, andam lamentavelmente estremecidas.

Chamam a atenção, contudo, alguns esforços empreendidos pelo atual governo. Uma iniciativa recente nesse sentido foi a notícia da decisão política de se fazer uma proposta unilateral de abertura comercial.

Conforme revelou o Valor, na edição do dia 22, após obter simulação feita pelo governo brasileiro e compartilhada com os demais sócios do Mercosul, a proposta prevê corte unilateral das alíquotas do Imposto de Importação sobre produtos industriais de 13,6% para 6,4%, na média, em quatro anos. Se levada adiante, a medida deixaria o Brasil com níveis de proteção tarifária equivalentes aos dos países mais ricos do mundo.

O plano do Ministério da Economia e do Itamaraty é avançar nas discussões durante a cúpula presidencial do bloco, prevista para os dias de 4 e 5 de dezembro. A ideia é que o encontro seja realizado em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, com a presença do argentino Mauricio Macri, pouco antes da conclusão de seu mandato presidencial.

A revelação das tratativas deu novo fôlego às críticas do setor produtivo sobre a suposta falta de diálogo com o governo federal. Frustrados e decididos a buscar formas de evitar alterações abruptas nas atuais condições de mercado, representantes da indústria procuraram interlocutores no Congresso e sinalizaram que a questão pode até ser levada à Justiça.

Para os industriais, uma fórmula mais sutil seria seguir o ritmo e a abrangência da abertura que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) exige de seus novos integrantes. A equação daria tempo suficiente para os vários setores da economia se prepararem para enfrentar a concorrência internacional. Quando isso ocorreria, não se sabe. As dúvidas aumentaram quando os Estados Unidos, parceiro fundamental do governo Bolsonaro no plano de fazer o Brasil entrar na OCDE, recentemente manifestaram apoio prioritário à Argentina e à Romênia.

Desde o governo de Michel Temer, que deu novo impulso aos esforços de abertura após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a área econômica possui estudos sobre os impactos da entrada de concorrentes estrangeiros nos mais diversos segmentos e regiões do país. Lá, já se falava numa abertura gradual que contemplasse o tempo necessário à adaptação e o aumento da competitividade brasileira.

Esse é o caminho a ser seguido. O Brasil precisa atacar as distorções que reduzem a competitividade da indústria, por exemplo, no sistema tributário e na precariedade da infraestrutura local. Mas esse processo não pode servir de obstáculo para barrar efetivos progressos na abertura, essenciais para melhorar a competitividade da economia.

O diálogo com o setor produtivo e a previsibilidade do processo decisório devem ser, por sua vez, os pilares das relações entre o Estado e o setor produtivo.

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