terça-feira, 29 de outubro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

A ilusão da bonança – Editorial | O Estado de S. Paulo

O País só começou a retomar o caminho do crescimento porque fez a opção pela austeridade e pelas reformas. E esse ajuste ainda é muito tímido

O boletim Focus divulgado ontem pelo Banco Central (BC) mostra que o mercado está um pouco mais otimista em relação ao crescimento da economia. Elaborada pelo BC a partir de estimativas de bancos e consultorias, a projeção da expansão do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano passou de 0,88% para 0,91%. Há um mês, a expectativa era de um crescimento de 0,87%.

Essa mudança de humor foi captada em reportagem recente do Estado, na qual economistas de bancos informaram que estavam revendo para cima suas estimativas para o PIB deste ano. O Itaú, por exemplo, passou a esperar um crescimento de 1%, ante 0,8% na previsão anterior. Foi a primeira vez em três anos que o banco reviu para cima uma estimativa do PIB. Já o Safra, que projetava uma alta de 0,8%, passou a esperar 0,9%. “Pode parecer pouco, mas é uma diferença significativa. No fim de julho, esperávamos 0,8%, mas achávamos que podia ser até 0,5%. Agora, temos 0,9%, mas pode ser mais”, disse o economista-chefe do Safra, Carlos Kawall.

O mercado parece acreditar que a ligeira recuperação detectada em diversos indicadores começa a ganhar impulso. Houve aumento da abertura de vagas formais no mercado de trabalho, que apresenta saldo positivo há seis meses, e também expansão de 14% na concessão de crédito para pessoa física, com impacto particularmente importante na construção civil.

Tudo isso ainda está muito longe do otimismo verificado logo depois da eleição do presidente Jair Bolsonaro. Na época, em razão das promessas de um choque de capitalismo, o mercado previa uma alta de até 2,5% do PIB neste ano. Em pouco tempo, contudo, a condução errática do governo minou a confiança dos investidores, que reduziram sua projeção para menos de 1%. A conjuntura atual parece apontar que a bonança finalmente chegou, depois de anos de tempestade causada pela aventura lulopetista e pela ausência de reformas.

Tudo isso ainda é muito incipiente e não pode ser entendido como o fim da crise econômica. Há um longo caminho a ser percorrido para que se considere que o País está no caminho do crescimento sustentado.

A atual recuperação é fruto de um trabalho que vem sendo feito desde o governo de Michel Temer, que em pouco tempo reverteu o desastre legado pelo estatismo patológico da presidente cassada Dilma Rousseff e deixou o governo razoavelmente em ordem para seu sucessor. Para isso, fez aprovar medidas saneadoras, como o teto dos gastos, a reforma trabalhista e a redução do subsídio ao juro cobrado pelo BNDES.

A aprovação da abrangente reforma da Previdência foi continuação desse esforço – ainda que o governo Bolsonaro em muitos momentos tenha contribuído mais para sabotá-la do que para aprová-la.

O pior inimigo do governo, nesse caso, é a tentação de entender o bom momento como oportunidade eleitoreira. A história mostra que não foram poucos os presidentes que aproveitaram períodos de expansão da economia para distribuir benefícios e subsídios a torto e a direito, na expectativa de ganhar simpatia e amealhar votos. Considerando-se que o presidente Bolsonaro já está em campanha pela reeleição, como atestam suas seguidas declarações como candidato, é lícito presumir que o processo de recuperação da economia corre o risco de, mais uma vez, ser comprometido em razão de imperativos eleitorais.

Não se pode perder de vista que o País só começou a retomar o caminho do crescimento porque em algum momento fez a opção pela austeridade e pelas reformas. E esse ajuste ainda é muito tímido. O programa de privatizações ainda é tímido, e grande parte dos Estados está muito longe do equilíbrio fiscal necessário para que possa andar com as próprias pernas, sem necessidade de socorro federal. Além disso, não se sabe quais são as propostas do governo para as reformas tributária e administrativa, cruciais para o processo de retomada do desenvolvimento.

O crescimento sustentado da economia não é tarefa de um só governo. Deve ser um projeto permanente de Estado, isto é, não pode ser interrompido a cada eleição para satisfazer os interesses imediatos do grupo político que está no poder.

Hora de conversar – Editorial | Folha de S. Paulo

Dependência mútua exige relação pragmática entre Fernández e Bolsonaro

Desde as primárias argentinas realizadas em agosto, quando Alberto Fernández conquistou vitória expressiva sobre o presidente Maurício Macri, já se esperava que o primeiro triunfasse sobre o segundo no pleito de domingo (27).

O prognóstico, com efeito, confirmou-se, embora a diferença (48% a 40,5%) entre os dois, significativamente menor do que apontavam as pesquisas, indique que a intensa campanha do atual mandatário nas últimas semanas surtiu efeito.

O esforço não se mostrou suficiente para reverter o desgaste decorrente da ruína econômica dos últimos dois anos. Eleito com uma agenda de reformas liberais e ajustes após 12 anos de intervencionismo dos governos Kirchner, Macri entrega um país em muitos aspectos pior do que recebeu.

O PIB encolheu 2,5% em 2018, e a recessão se mantém neste ano. A inflação ronda os 55% ao ano, e o índice de desemprego alcançou 10,6% no segundo trimestre. Tais fatores contribuíram para o aumento substancial da taxa de pobreza. Hoje, cerca de 35% da população encontra-se nessa situação, e 7,7% são considerados indigentes.

Amenizar esse cenário crítico constitui o principal desafio do próximo mandatário argentino, que terá como seu vice nada menos que a ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015).

Assim, a grande incógnita reside em saber se o governo Alberto Fernández será uma continuação do ciclo kirchnerista, marcado por políticas populistas como congelamento de tarifas e subsídios, ou se representará uma nova etapa para o país, em que previsíveis medidas de cunho social se combinarão a uma gestão responsável.

A recuperação da Argentina também interessa ao Brasil, que tem no vizinho seu principal comprador de produtos manufaturados. A crise afetou a balança comercial entre os dois países e, entre janeiro e julho, as exportações argentinas caíram cerca de 40% em relação ao mesmo período do ano passado.

No front bilateral, espera-se ainda a distensão das relações entre Fernández e o presidente Jair Bolsonaro.

O brasileiro, após tentativas lamentáveis de interferir no pleito do país vizinho em favor de Macri, se negou a cumprimentar o novo presidente pela vitória.

O argentino, por sua vez, aplicou predicados duros a Bolsonaro e, numa provocação, posou no domingo fazendo o sinal de apoio ao movimento Lula Livre —que o brasileiro classificou como uma afronta.

A dependência comercial, a proximidade geográfica e os vínculos históricos entre os dois países fazem com que um não possa prescindir do outro. Que as diferenças ideológicas de agora deem logo lugar a uma relação pragmática e benéfica às duas nações.

Argentina e Mercosul são estratégicos- Editorial | O Globo

A volta de Cristina Kirchner ao poder, como vice de Fernández, não justifica distanciamento do Brasil

A confirmação da derrota de Mauricio Macri para Alberto Fernández e Cristina Kirchner à primeira vista parece mais uma das reviravoltas que costumam acontecer na América Latina em que forças políticas à direita eà esquerdas e revezam no poder, em movimentos circulares decorrentes das oscilações da economia. O que ocorre agora na Argentina, porém, não é um simples mais do mesmo.

A persistência da deterioração econômica e social do país transforma a derrota de Macri e de seu projeto de reformas liberais — mal executadas —, para o peronismo, em uma aposta de alto risco da sociedade argentina. Uma inflação de 50% ao ano, recessão estimada em 3%, desemprego e pobreza elevados seriam mesmo difíceis de Macri superar na sua tentativa de reeleger-se. Mas a crise a ser enfrentada pelo próximo governo pode fazer com que a Argentina volte ao experimentalismo populista do kirchnerismo.

Há dúvidas sobres e um governo com Cristina K. como vice-presidente terá confiança pública e meios para enfrentar as dificuldades criadas nos 12 anos em que dividiu o poder com seu falecido marido, Néstor Kirchner. Ela assumiu em 2007, sucedendo a Néstor, e aprofundou o nacional-populismo kirchnerista, levando a Argentina, mais uma vez, a quebrar por falta de divisas.

Alberto Fernández, peronista moderado que se chocou com a presidente Cristina quando foi seu chefe de gabinete, precisa indicar de maneira clara quem será a pessoa forte no governo. Terá de esvaziar a suspeita de que sua posição de cabeça de chapa serviria apenas de biombo para o peronismo voltar ao poder, sem correr o risco de ter seu projeto de governo prejudicado pela impopularidade da ex-presidente e senadora, contra quem há graves denúncias de corrupção. Caso contrário, deixará a impressão de que, eleito Fernández, Cristina assumirá o poder de fato, para voltar a tentar as conhecidas e inviáveis soluções populistas a partir da posse, no próximo 10 de dezembro.

O presidente Jair Bolsonaro, seguindo a trilha aberta pelo adversário Lula, assumiu um lado nas eleições argentinas, em mais uma infração às tradições do Itamaraty de não ingerência em assunto internos de outros países. Isso já havia sido feito pelo ex-presidente petista na Argentina, Venezuela, no Peru, Equador e na Bolívia, por exemplo. No seu estilo sem medidas, Bolsonaro apoiou Macri e fez duras críticas à chapa adversária. Chegou a ameaçar com a saída unilateral do Mercosul, uma ope sodo comércio com o bloco não só para o Brasil, como também o continente.

As economias brasileira e argentina já estavam em processo de integração antes da formalização do Mercosul, há 29 anos. Defender seu estilhaçamento por antipatia ideológica é contrariar o bom senso e, principalmente, os O comércio coma Argentina oscila em torno de US $15 bilhões anuais. É o principal merca dopara bens manufaturados pelo Brasil e representa 60% das exportações para o Mercosul. É o terceiro parceiro comercial do país. Seria completo disparate entregar esse mercado à concorrência.

Peronistas retornam ao poder na Argentina – Editorial | Valor Econômico

Saldo indica um país totalmente polarizado, com o encolhimento nas urnas de outras forças políticas

Os peronistas voltarão a governar a Argentina em 10 de dezembro, ditaram as urnas no domingo. Alberto Fernández, amparado na popularidade de Cristina Kirchner, sua companheira de chapa, obteve 48,1% dos votos (12,47 milhões), suficientes para encerrar a eleição em primeiro turno. A rejeição a Cristina ajudou a estimular a votação acima do que todos os institutos de pesquisa previam no presidente Mauricio Macri, que obteve 40,38% (10,47 milhões de votos), quando nas primárias em agosto havia ficado 16 pontos percentuais atrás. No Uruguai, a esquerdista Frente Ampla, há 15 anos no poder, não teve idêntico sucesso. Daniel Martínez, com 39,1% dos votos, enfrentará Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional, aliado a outras legendas que disputaram com candidatos as eleições presidenciais e pode vencer.

A estratégia de Cristina Kirchner foi plenamente bem-sucedida - os peronistas unidos dificilmente perdem eleições. Após uma gestão que encaminhou o país para a crise econômica, com uma personalidade política sectária e 11 processos de corrupção em seu encalço, Cristina levou à cabeça de chapa um peronista conciliador moderado, Alberto Fernández, que já fora secretário de governo de Néstor Kirchner e por breve período, de Cristina, cargo do qual se demitiu por desavenças com a presidente. O sucesso eleitoral coloca a Alberto o desafio de mostrar que será ele de fato o presidente e não Cristina.


Fernández terá de lidar com o legado de Macri, que decepcionou os que esperavam ampla renovação política e econômica a partir de uma plataforma liberal. Ele deixou um país pior do que o que recebeu, o que não é pouca coisa dada a herança do kirchnerismo. A inflação está em 53%, o desemprego pulou a 10,6%, mais de um terço dos argentinos (35,4%) mergulhou abaixo da linha de pobreza e a dívida externa explodiu. Macri costurou o maior acordo até agora feito pelo Fundo Monetário Internacional, de US$ 57 bilhões e deixou o Fundo diante de um calote.

Alberto Fernández terá de operar em condições dificílimas, a começar pela renegociação da dívida. Procurará deter uma inflação que agora está mais destrutiva pela enorme desvalorização do peso - mais de 30% no ano. Desde as primárias, o Banco Central perdeu US$ 22,8 bilhões em reservas. Ontem, o BC limitou a compra de dólares para pessoas físicas a US$ 100 em espécie e US$ 200 em operações bancárias - antes o limite era de US$ 10 mil. O presidente eleito culpou Macri por tudo, disse que vai rever o acordo com o FMI, defender a indústria e os empregos e insinuou que pode buscar novos termos para o acordo do Mercosul com União Europeia.

Não se conhecem detalhes do programa, que, por declarações de assessores deve se inclinar para o déjà vu kirchnerista - um acordo com empresários e sindicatos para conter preços e salários, sempre tentado e já desmoralizado na Argentina. Tarifas públicas devem ficar congeladas, assim como prosseguirá o cerco à disponibilidade de dólares. A filosofia geral foi dada no discurso da vitória por Cristina, domingo à noite: “enfrentar os projetos neoliberais, que tanta dor têm causado”.

Voltar à origem kirchnerista, se for o caso, será mais difícil agora. Os kirchneristas tem 120 votos do total de 257 cadeiras da Câmara, enquanto que a coalizão que apoiou Macri tem 119. Para maioria de 129 será necessário coalizão com os pequenos partidos de esquerda e os poucos peronistas que não aderiram a Fernández. No Senado, terão maioria de uma cadeira - 37 em 72. Apesar de mal-sucedido, Macri obteve mais 2,3 milhões que nas primárias e votação superior à do primeiro turno de 2015, além de ter derrotado os peronistas nas províncias de Cordoba, Mendoza, Santa Fe, Entre Rios e na cidade de Buenos Aires. O saldo legislativo para a futura oposição não foi ruim, mas indica um país totalmente polarizado, com o encolhimento nas urnas de outras forças políticas.

Fernández e Jair Bolsonaro são inimigos ideológicos à frente das duas maiores economias do Mercosul. As eleições no Uruguai podem fazer o pêndulo da balança pender para posições desfavoráveis ao Brasil, mas a Frente Ampla corre o risco de deixar o poder. Daniel Martínez, seu candidato, teve menos votos do que o previsto ou desejado. Almejava confortáveis 43%, ficou abaixo dos 40%. Ontem seu rival Lacalle Pou (28,6% dos votos) obteve apoio de concorrentes que, somados, o ultrapassarão: o colorado Ernesto Talvi (12,32%) e o direitista Guido Rios (10,88%). Mas a transferência de votos nunca é automática e essa é a esperança da esquerda para manter-se por mais 5 anos no poder.

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