quarta-feira, 9 de outubro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Negociações tentam manter a ‘Geringonça’ em Portugal – Editorial | O Globo

Aliança de esquerda que deu sustentação a um ajuste é importante para o crescimento

Portugal cresce por mais de quatro anos consecutivos e consegue reduzir a taxa de desemprego de 16% em 2013 para, se for confirmada a estimativa, 6,2% este ano. No Brasil, está em 12%. Lisboa foi convertida em polo mundial de atração turística e mais uma vez brasileiros fogem de uma crise, esta a mais extensa de que se tem registro, em busca de oportunidades na ex-metrópole da velha colônia.

A recuperação de Portugal transcorre sob uma aliança política, batizada de “Geringonça”, uma coalizão à esquerda que conseguiu se entender em torno de um plano de ajuste duro negociado com a “troika”: Fundo Monetário (FMI), Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Como acontece nas correções de rumo em conjuntura de dívida fora de controle e inflação alta, houve recessão e desemprego. Não foi uma exclusividade portuguesa, porque a crise do sistema financeiro-imobiliário americano em 2008/9 se espalhou pelo mundo e também chegou à Europa. Onde havia países com alto endividamento, eles tiveram de se ajustar a duras penas.

Mas o programa foi bem-sucedido, sustentado pela “Geringonça”, porém com alívios negociados com a esquerda. As recentes eleições parlamentares colocam na agenda política a sua renegociação, para que o país continue a crescer, e em um mundo com incertezas: guerra comercial EUA-China, desaceleração ajudada por este embate, inclusive na Europa, e assim por diante.

O Partido Socialista foi o vencedor, com 36,6% dos votos, conquistando 106 das 230 cadeiras da Assembleia, 20 a mais que em 2015, mas abaixo das 116 que necessitaria para governar sozinho. Assim, o socialista António Costa, mantido como primeiro-ministro, precisa procurar antigos ou novos aliados para garantir a governabilidade. Não é novidade para os portugueses. Eles já dominam esta tecnologia. Mas há sempre tensões na política.

A possibilidade de partidos de esquerda (Partido Comunista e Bloco de Esquerda), parte da “Geringonça”, renovarem o acordo passa, porém, por inevitáveis negociações. Previsivelmente, há reivindicações no caminho contrário ao da austeridade: aumento de gastos públicos, salários e outras benesses com dinheiro do contribuinte.

A extrema direita elegeu pela primeira vez um representante. Mas não há risco de o país experimentar conflitos como os verificados na Alemanha, Áustria, França e outros, nos quais neofascistas e neonazistas têm avançado.

Acompanhar os entendimentos entre os políticos portugueses servirá para se mensurar o peso da estabilidade na renegociação de pactos de poder.

Ministro do Turismo é desafio ao presidente – Editorial | O Globo

Marcelo Álvaro Antônio corrói a já arranhada imagem de Bolsonaro de paladino anticorrupção

Desde que surgiram as primeiras evidências de que o ministro do Turismo se beneficiara de desvios de dinheiro público na campanha eleitoral, Marcelo Álvaro Antônio começou a se transformar naquilo que o candidato Jair Bolsonaro prometera combater se chegasse ao Planalto.

Na sexta-feira passada, o Ministério Público de Minas Gerais, estado pelo qual Marcelo Álvaro Antônio, filiado ao PSL, se reelegeu deputado federal, o denunciou por esses desvios.

Bolsonaro ficou em silêncio. Apenas o porta-voz, Otávio do Rêgo Barros, informou que o presidente resolveu “aguardar o desenrolar do processo”, e mantê-lo. No governo, ouviu-se a clássica justificativa para o imobilismo dada em várias administrações passadas: nada está provado, não podemos prejulgar.

Dessa forma é que autoridades acusadas de corrupção são preservadas nos cargos e continuam reverenciadas em seus partidos, de direita ou esquerda, com raras exceções. Infelizmente, não se segue o exemplo do presidente Itamar Franco de ter afastado o amigo e Chefe da Casa Civil, Henrique Hargreaves, devido a uma denúncia. Confirmada a improcedência, Hargreaves reassumiu.

A veracidade da trama em que o ministro de Bolsonaro esteve envolvido nas eleições é reforçada por depoimentos de pessoas que foram usadas ou se deixaram usar pelo esquema.

O golpe se dava por meio do lançamento de candidatas laranjas — para cumprir a cota de gênero estabelecida pela legislação eleitoral —, que deveriam devolver a totalidade ou a maior parte do dinheiro recebido do partido para financiar supostas campanhas. Contra o ministro, presidente do PSL mineiro, há a denúncia de que ele foi um dos beneficiários do roubo.

O recursos, seguindo as técnicas de “lavagem”, serviram para pagamentos fictícios a gráficas ou outras empresas indicadas pelo grupo de Marcelo Álvaro Antônio.

Candidatas laranjas também apareceram em outros estados e contribuíram para azedar o relacionamento entre Gustavo Bebianno e a família Bolsonaro, causa da demissão do ex-presidente do PSL e ministro da Secretaria-Geral da Presidência.

Oriundo do baixo clero da Câmara dos Deputados, onde esteve por 28 anos, Jair Bolsonaro se apresentou ao eleitorado como o “novo”, o político sem vícios da “velha política”. Um deles, o acobertamento de malfeitos.

O presidente não tem sido ajudado pela sorte. Porque, quando o caso das esquisitices financeiras do filho Flávio Bolsonaro, senador fluminense pelo PSL, e do seu chefe de gabinete na Alerj, Fabrício Queiroz, parecia ter ficado sob controle, vem a denúncia contra um dos seus ministros.

Flávio Bolsonaro à parte, a história das manobras do grupo de Marcelo Álvaro Antônio para drenar o Fundo Eleitoral é grave o bastante para que o presidente o afaste. Até para tentar reverter parte dos arranhões que sua imagem de paladino anticorrupção tem sofrido.

Telefonia, século 21 – Editorial | Folha de S. Paulo

Nova lei abandona normas anacrônicas; resta assegurar competição e investimento

O Congresso aprovou e o presidente Jair Bolsonaro (PSL) sancionou sem vetos a revisão da Lei Geral de Telecomunicações, de 1997. Dadas mudanças tecnológicas e econômicas, em especial na internet e na telefonia celular, a LGT tornara-se de fato obsoleta havia mais de uma década —um empecilho para a expansão eficiente do setor.

De mais importante, a LGT reformulada encaminha o fim do regime de concessões, no qual empresas disputam em concorrência o direito de prestar o serviço. A condição será agora autorizada pela Anatel, a agência reguladora do setor.

Sob o regime alternativo, acabam obrigações obsoletas, relacionadas, por exemplo, a linhas fixas e orelhões. No entanto as empresas terão compromissos adicionais, mais flexíveis e por ora incertos.

Além do mais, caso migrem já para o novo regime, será preciso calcular ganhos e perdas de valor com a mudança de contratos, tanto em relação à rentabilidade quanto ao patrimônio que seria devolvido à União em 2025, ao fim das concessões (os bens reversíveis).

Nos contratos das autorizações serão definidos “compromissos de investimento”, em montante que dependerá, de início, dos cálculos econômicos e do valor dos bens reversíveis —conta com elevado potencial de controvérsia.

Passarão ao patrimônio das empresas ativos como imóveis, redes de cabos e seus dutos, antenas e centrais telefônicas. Consultorias serão encarregadas de tais avaliações, que ainda devem ser submetidas a audiências públicas, à Advocacia-Geral da União e ao Tribunal de Contas da União.

Os investimentos seguirão diretrizes do governo e serão especificados pela Anatel, com previsão em contratos. Deverão ser direcionados para banda larga, redes de alta velocidade e regiões de pouco ou nenhum interesse comercial, com o objetivo de reduzir desigualdade de acesso.

Em teoria ao menos, o governo mantém alguma capacidade de planejamento, enquanto a Anatel recebe enormes poderes. Note-se que pode haver judicialização da transferência de patrimônio estatal para as empresas concessionárias —não haverá concorrência, nem novos entrantes no mercado poderão disputar esses bens.

A lei prevê também que as concessões de radiofrequências (espécies de estradas aéreas da informação) poderão ser renovadas, mediante condições, a cada 20 anos, (atualmente, permite-se apenas uma renovação), o que talvez seja um obstáculo para o ingresso de novas empresas no mercado.

Houve avanço na simplificação e no fim de obrigações anacrônicas. A nova lei, de todo modo, ainda será regulamentada por governo e Anatel, em processo crucial para que se avalie a qualidade das normas quanto a proteção da concorrência, incentivo a investimentos e oferta adequada do serviço.


Rumo ao real conversível – Editorial | O Estado de S. Paulo

Mexer com o dólar e outras moedas será mais fácil para exportadores, importadores e o chamado cidadão comum, se for aprovada a Nova Lei Cambial, desenhada pelo Banco Central (BC) e enviada nesta semana ao Congresso. As operações ficarão mais simples e mais contas em dólar poderão ser autorizadas no País. Hoje alguns tipos de companhias – de turismo, por exemplo – têm permissão para mantê-las. O número poderá crescer. Contas empresariais no exterior poderão ser usadas mais livremente. Hoje são utilizáveis só para a cobertura de despesas. Desemperrar o mercado cambial é um passo na direção de um objetivo mais complicado, a conversibilidade do real, explicou o diretor de Regulação do BC, Otávio Damaso, na apresentação do projeto.

A Nova Lei Cambial só deverá entrar em vigor um ano depois de aprovado o projeto, se prevalecer o atual planejamento. Haverá, portanto, um razoável período para o mercado se ajustar ao novo sistema e, talvez, para se encaminhar com segurança ao regime seguinte, o da conversibilidade.

Tornar conversível a moeda brasileira, conferindo-lhe cidadania internacional, foi a meta mais ambiciosa anunciada pelo presidente da instituição, Roberto Campos Neto, ao chegar ao posto no começo do ano. Esse objetivo foi reafirmado quando o banco apresentou sua nova agenda estrutural.

Em maio, o presidente do BC havia indicado o roteiro. Primeiro viriam medidas de simplificação. Mais tarde, num prazo de dois a três anos, o País poderia chegar à conversibilidade. Para simplificar, seria preciso rever, reorganizar e depurar uma legislação velha, em grande parte formulada entre as décadas de 1920 e de 1950. São mais de 420 artigos espalhados em cerca de 4o dispositivos legais. O projeto enviado ao Congresso reduz esse emaranhado a 27 artigos.

Além de limitar o manejo do câmbio, o regime ainda em vigor complica a operação das empresas com enorme burocracia. A exigência de informações é excessiva e os dados entregues a vários órgãos podem ser redundantes, comentou o diretor Otávio Damaso.

Complicação excessiva consome tempo, desperdiça trabalho e onera inutilmente a atividade empresarial. É parte do famigerado custo Brasil, um dos principais empecilhos à competitividade brasileira. Isso bastaria para justificar qualquer iniciativa de simplificação do câmbio ou, mais amplamente, de eliminação de conhecidos entraves ao bom funcionamento dos negócios.

Implantado o novo regime, mais operadoras poderão participar do mercado, tornando-o mais competitivo. O BC poderá autorizar o funcionamento de fintechs, empresas de tecnologia do setor financeiro, na área cambial, sem depender, como hoje, de vinculação a uma corretora ou a um banco.

Se for atingida a conversibilidade, o real poderá ser usado mais amplamente em vários tipos de operações, a entrada e saída de investimentos se tornará mais fácil, e a economia poderá operar com flexibilidade maior e custos menores. O real conversível, comentou há alguns meses o presidente do BC, poderá tornar-se moeda regional. Em cidades próximas da fronteira com o Brasil, já havia na ocasião, segundo acrescentou, demanda de abertura de contas em reais. Mas isso dependerá, observou o presidente do BC na mesma declaração, do avanço no cumprimento da pauta de reformas.

Essa observação é particularmente importante. Tem pouco sentido prático manter moeda conversível num país com graves desequilíbrios nas contas oficiais, dívida pública mal controlada, juros acima do padrão internacional e, talvez, vulnerabilidade externa. O País poderá ficar exposto a todos os componentes desse conjunto de riscos, em anos próximos, se a agenda de ajustes e reformas ficar emperrada. Evitar esse perigo dependerá da competência da equipe econômica – no planejamento e na execução de suas ações – e da habilidade política do Executivo e de sua base.

O BC tem feito sua parte, com a execução de uma agenda bem concebida e ordenada. Mas nem o corte de juros o BC poderá sustentar, se a pauta do Executivo ficar emperrada.

Brasil ainda está muito longe da liberalização do câmbio – Editorial | Valor Econômico

O Brasil não é sequer grau de investimento para poder dar passos iniciais nesta direção

O projeto de liberalização cambial a ser encaminhado pelo Banco Central e Ministério da Economia ao Congresso é tão ambicioso a ponto de parecer irreal. Com a intenção secundária, embora importante, de livrar-se de entulhos burocráticos, ele explicita um objetivo muito polêmico na teoria e na prática: a livre movimentação de capitais. Seu artigo 2 é claro: “As operações no mercado de câmbio podem ser realizadas livremente, sem limitação de valor” a partir de sua aprovação, desde que feitas de acordo com a lei e segundo os regulamentos do Banco Central. Na prática, define limites do que poderá ser a política econômica não só do atual governo como dos futuros.

Há a óbvia necessidade de modernizar a legislação cambial atual, dezenas de artigos espalhados por um labirinto de dispositivos legais, alguns deles do início do século XX. Mas a meta final que dá a direção dos passos intermediários é pôr fim ao curso forçado do real, algo que livrou o Brasil de encrencas maiores do que as que enfrentou até agora.

O projeto dispõe que a livre movimentação de capitais está em linha com o que fazem as economias avançadas e as principais economias emergentes, ignorando o exemplo mais importante, que é o da China, segunda maior economia do mundo, e das dinâmicas economias asiáticas, que encontraram formas mais eficientes de adaptação ao mundo globalizado do que a pretensão de tornar conversíveis suas moedas. O Brasil está longe de possuir as condições econômicas que permitam essa abertura. A promessa de que a liberalização será feita com “prudência” tem de ser vista com algum ceticismo. As diretorias do Banco Central mudam, assim como seus graus de sensatez, mas as leis ficam.

O Brasil não é sequer grau de investimento para poder dar passos iniciais nesta direção. Continua enredado em uma terrível armadilha fiscal, sua economia continua basicamente instável - foi do quase paraíso em 2010 ao inferno em 2014, início da maior recessão da história - e não têm forças para sustentar crescimento razoável por um par de anos.

A livre movimentação de capitais tem de ser vista de forma pragmática, não ideológica. Pode funcionar ou não, dependendo de uma série de características históricas, políticas e econômicas. A China chegou ao que é fazendo o contrário do que prega o anteprojeto do BC. Ela não tem a menor intenção de liberar a conta de capitais em breve, se é que algum dia o fará. A experiência latino-americana também é mais negativa que positiva sobre este ponto.

O México quebrou duas vezes, em 1982 e 1995, por políticas macroeconômicas erradas das quais sobressai a dívida pública contraída majoritariamente em dólares, combinada com desequilíbrios desastrosos no balanço de pagamento. Teve melhor sorte que a terceira maior economia latina, a Argentina, que sobrevive de crise em crise, sempre beirando a ruína, sem abandonar uma política cambial liberal. O México pelo menos tem agora a justificativa econômica para isso, ao fazer parte da área do dólar, sacramentada por um acordo econômico com EUA e Canadá.

A Argentina foi tão longe quanto possível na liberalização cambial, com resultados tétricos - não tem mais moeda nacional. Sua mais extravagante experiência com a conversibilidade foi o “currency board” do ex-ministro Domingo Cavallo, que prometia livrá-la de suas mazelas: inflação muito alta, déficit público insustentável e baixas reservas internacionais. Terminou em tragédia, com um presidente fugindo da sede do governo de helicóptero diante de massas enfurecidas.

A situação argentina dá vários exemplos do que não se deve fazer. Além da escassez de dólares criada por déficits em conta corrente, há o insaciável apetite doméstico pela moeda americana, saciado pela permissão das contas bancárias em divisas externas, cujos montantes podem ser livremente remetidos ao exterior. Com demanda tão grande, acumular reservas internacionais tornou-se bem mais difícil e a saída argentina foi sempre a emissão de dívida soberana em dólares, com resultados conhecidos. Mauricio Macri seguiu o caminho de sempre e sua bancarrota, política e econômica, é a mais recente, não a última.

As condições estruturais da economia precisam mudar muito antes de o Brasil sequer pensar em dar este passo. Serão necessários anos a fio de crescimento sustentado com inflação civilizada, aumento da produtividade e juros baixos. Afirmar, como a exposição de motivos do projeto, que a liberdade cambial “é compatível com o atual grau de inserção da economia brasileira nas cadeias globais” é inverter a ordem dos fatores, com consequências imprevisíveis.

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