segunda-feira, 7 de outubro de 2019

O que a mídia pensa – Editorial

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

O ‘Estado empresário’ – Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo tem participação direta e indireta em 637 empresas, segundo balanço divulgado pelo Ministério da Economia na quinta-feira passada. Até agora, o governo, em seus projetos de privatização, trabalhava com o número de 133 estatais, entre controladas e subsidiárias. Ou seja, o desafio de promover a ampla desestatização prometida na campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro é muito maior do que o previsto – e, a julgar pela lentidão do processo até agora, o governo poderá ter grandes dificuldades para conduzir o programa de privatização a um desfecho ótimo.

“É um Estado empresário”, disse o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, ao apresentar o balanço. A União tem participação minoritária em 43 empresas. As demais companhias relacionadas têm o BNDES e o Banco do Brasil como sócios.

No caso do BNDES, a injeção de recursos públicos em empresas privadas teve como objetivo declarado estimular o desenvolvimento de setores então considerados estratégicos. Assim surgiram algumas das companhias chamadas de “campeãs nacionais”, famosas nos governos petistas por receber vultosos investimentos estatais para fazer delas grandes competidores internacionais e, em contrapartida, gerar muitos empregos no Brasil. Como se sabe, essa estratégia beneficiou basicamente os controladores das empresas.

Sob os mais variados argumentos, o BNDES entrou como sócio não apenas de grandes frigoríficos, mas de fabricantes de papel, cerveja e outros produtos de consumo. Se já é difícil saber em que sentido empresas nessas áreas podem ser consideradas “estratégicas” para merecer investimento estatal, que dizer então da sociedade entre a União e a Bombril, empresa de produtos de limpeza de cujo capital o BNDES detém 10%?

“A União tem ação da Bombril. Não temos gaze nos hospitais, mas temos milhões de reais em empresas. Isso é ético?”, criticou o secretário Salim Mattar. “O Estado tem empresas que não faz sentido ter, estamos buscando transparência para que a sociedade saiba onde estamos investindo o dinheiro do pagador de impostos.”

É animador saber que o governo está consciente do absurdo da situação, e que deve passar das palavras à ação. Segundo o secretário Salim Mattar, o governo alcançou, entre janeiro e setembro, a meta de US$ 20 bilhões em desestatizações, desinvestimentos e vendas de ativos para este ano, mas admite que o processo está longe do ritmo ideal, especialmente diante das grandes expectativas criadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a respeito da diminuição do papel do Estado como empresário. Como se recorda, durante a campanha eleitoral o então assessor para assuntos econômicos do candidato Bolsonaro prometeu amealhar R$ 1 trilhão com a venda imediata de “todas as estatais”. Tratava-se de um exagero – primeiro, porque nem todas as estatais podem ou devem ser vendidas; segundo, porque, mesmo na remota hipótese de conseguir se desfazer de todas as participações, o Estado arrecadaria bem menos que o trilhão anunciado nos palanques.

No mundo real, o secretário Salim Mattar reconheceu que o processo demanda ampla negociação política e respeito a um complexo conjunto de leis, o que torna tudo ainda mais difícil. Assim, o programa de privatizações do governo Bolsonaro, que prometia arrojo e celeridade, começou com o anúncio de venda de apenas nove estatais, e mesmo assim não se sabe bem qual será o modelo nem o cronograma de venda nesses casos. Sabe-se apenas, como declarou o secretário Salim Mattar, que Petrobrás, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil não serão vendidos.

É importante salientar que, a despeito das dificuldades do governo em colocar em prática seus planos de venda de estatais, o simples fato de que o tema esteja sendo tratado oficialmente como prioridade é promissor. Como lembrou o secretário Mattar, a criação de empresas estatais sem qualquer justificativa fere o artigo 173 da Constituição, que diz que “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. É difícil ver como “relevante interesse coletivo” a produção de detergentes e palha de aço.

O valor da prova – Editorial | Folha de S. Paulo

Exame de mensagens permitirá revisão mais fundamentada das ações da Lava Jato

Desde que começaram a ser divulgadas pelo site The Intercept Brasil, há quatro meses, as mensagens vazadas de integrantes da Lava Jato têm causado desconforto até entre entusiastas da operação.

Ao expor a excessiva proximidade entre os investigadores e o atual ministro da Justiça, Sergio Moro, as conversas disseminaram dúvidas sobre a imparcialidade deste nos anos em que atuou como juiz responsável pelo caso em Curitiba.

Os diálogos também colocaram em xeque os métodos dos procuradores à frente da operação, apontando diversos indícios de abusos —incluindo investigações sobre ministros do Supremo Tribunal Federal por baixo dos panos.

Dada a gravidade das revelações, é salutar a disposição dos membros da corte e do Ministério Público Federal de examinar as mensagens para verificar sua autenticidade, como esta Folha noticiou.

Os arquivos originais estão em poder da polícia e do STF. Submetê-los a uma análise técnica sobre sua integridade é passo preliminar indispensável para que seu conteúdo possa ser debatido pelo Judiciário com profundidade.

É certo que as mensagens foram obtidas de forma criminosa, após a invasão das contas de autoridades no aplicativo Telegram por hackers. Os suspeitos foram presos em julho pela Polícia Federal, que investiga as circunstâncias em que eles obtiveram o material e o fizeram chegar às mãos de jornalistas.

Se não há dúvida de que o interesse público justifica sua divulgação pelos veículos que têm examinado as mensagens, entre eles a Folha, resta saber o que os tribunais poderão fazer com elas.

Até aqui, Moro e os procuradores usaram a ausência de atestado da validade dos arquivos para driblar questionamentos suscitados pelo seu conteúdo embaraçoso.

Segundo a jurisprudência estabelecida pelas cortes brasileiras, provas obtidas de forma ilícita não podem ser usadas para punir ninguém, mas são admissíveis quando podem beneficiar os acusados.

Isso significa que as mensagens dificilmente servirão para responsabilizar alguém por abusos, mas podem abrir caminho para uma revisão de processos como o que levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à cadeia.

O STF se prepara para julgar em breve uma ação do líder petista que pede a suspeição de Moro, o que pode levar à estaca zero vários processos conduzidos em Curitiba.

Caberá ao Judiciário examinar com rigor as mensagens vazadas e o que elas revelam sobre os métodos empregados pela Lava Jato. O que não se pode é ignorá-las.


Falta competitividade no sistema tributário – Editorial | Valor Econômico

Governo e Congresso precisam cuidar para que o tema não se torne mais uma tentativa frustrada ou, pior, termine produzindo um quadro mais desajustado do que o de hoje

O Brasil tem um volume de R$ 4 trilhões em contenciosos tributários, cifra superior aos R$ 3,8 trilhões da dívida pública líquida. O espantoso dado compilado pelo secretário especial de Desestatização e Desinvestimento, Salim Mattar, reflete, entre outras coisas, um problema grave da economia brasileira: o excesso de legislação tributária, que torna o sistema extremamente complexo e um peso para o investimento e inovação, fundamentais para qualquer país que pretenda se desenvolver.

De acordo com Mattar, foram editadas nos últimos 30 anos 5,9 milhões de normas, sendo quase 391 mil na área tributária. É realmente, como já se tornou um lugar comum no debate econômico brasileiro, um verdadeiro manicômio tributário que mina por dentro a competitividade da economia brasileira.

Com tantas regras, é esperado, e foi o que ocorreu, que se tenha uma perversa combinação de sobreposições e contradições de dispositivos. Isto força as empresas a gastarem milhões de reais para manter departamentos jurídicos em vez de investirem em melhorias de processo e inovação tecnológica, que aumentariam sua produtividade.

À coluna da jornalista Claudia Safatle, do Valor, Mattar destacou que o elevado volume de litígios na área tributária reflete essa disfuncionalidade de inúmeros regras. “De duas, uma: ou o governo quer receber de alguém que não lhe deve ou os devedores não querem pagar o governo”, sentenciou o secretário, que está licenciado da vida empresarial, na qual é dono da empresa Localiza, uma das maiores do ramo de aluguel de veículos.

Ao mesmo tempo em que elevou-se a complexidade do sistema de impostos e contribuições brasileiro, a carga tributária também foi subindo ao longo das últimas décadas, para bancar os crescentes gastos públicos, alguns meritórios, outros definitivamente não.

Hoje, 35% da riqueza gerada por empresas e famílias vai para os cofres dos governos federal, estadual e municipal. Para um país em desenvolvimento, é uma carga muito alta. E para o cidadão ela parece ainda maior porque os retornos de serviços estão longe dos padrões verificados em países com semelhante relação entre impostos e PIB - em geral nações desenvolvidas.

Tão presente quanto o aumento de impostos e do emaranhado legal que se tornou o sistema nas últimas décadas tem sido o debate sobre uma reforma tributária. Em alguns momentos ela chegou muito perto de efetivamente acontecer, como em 2013; em outros não passou de intenção rapidamente abortada, como em 2007, só para falar dos movimentos mais recentes.

Agora, o tema volta ao topo do debate. O Congresso já está debruçado em duas propostas de reforma tributária, uma na Câmara e outra no Senado. Ambas reformulam todo o regime tributário nacional, tendo como escopo principal a unificação dos impostos sobre consumo do governo federal e dos Estados e municípios.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu para este mês ainda o envio da proposta do governo, que mexe apenas nos tributos federais, por exemplo unificando o PIS e a Cofins e tentando simplificar a legislação especialmente dos créditos tributários, principal fonte de litígios. Há meses, o ministério promete apresentar sua proposta e não a entrega. A primeira escusa foi a necessidade de priorizar a reforma da Previdência. Mais recentemente, eram os ajustes em torno da Contribuição sobre Pagamentos, que ajudou na queda do então titular da Receita, Marcos Cintra. Agora, Guedes diz que entrou-se na fase de ajustes finais.

Ao Valor o vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), José Ricardo Roriz Coelho, lembrou que simplificar o sistema de impostos e reduzir a carga sobre a indústria é uma das tarefas essenciais para reverter o processo de perda de produtividade na economia brasileira e do encolhimento do espaço da indústria no PIB, hoje de apenas 10%.

Mas a revisão do sistema é necessária e vital para todos os setores da economia, não só para a indústria. O desafio de aumento da produtividade é de todos os segmentos produtivos. Nesse sentido, governo e os congressistas precisam cuidar para que o tema não se torne mais uma tentativa frustrada ou, pior, termine produzindo um quadro mais desajustado do que o hoje vigente.

Declínio das exportações revela fragilidade do país – Editorial | O Globo

Falta uma estratégia para o Brasil atravessar as dificuldades criadas pela guerra comercial EUA-China

O declínio de 12% nas exportações no terceiro trimestre deveria servir de alerta sobre a necessidade de mudanças na política de comércio exterior.

O quadro de setembro é eloquente sobre o declive comercial brasileiro. No mês, o saldo comercial caiu 56% em comparação com setembro do ano passado. Somou US$ 2,2 bilhões. O superávit acumulado desde janeiro é de US$ 33,7 bilhões. Significa queda de 19%.

Essa perda de dinamismo ocorre numa etapa crítica. Efeitos do conflito entre os Estados Unidos e a China começam a se espraiar. Além disso, há boicote a produtos brasileiros na Europa, em função da desastrada política ambiental, e com o avanço do desmatamento na Amazônia.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) vê o Brasil sob risco de perder em exportações um volume de dinheiro equivalente a 1,3% do seu Produto Interno Bruto. Não é pouco para um país com a economia debilitada.

É preciso uma estratégia mais sofisticada que a atual para que o Brasil consiga atravessar a tormenta enunciada nos desdobramentos da guerra comercial entre EUA e China. Haverá implicações sérias para economias como a brasileira, adverte o FMI, tanto num cenário de escalada de tarifas quanto no oposto, o de acordo entre as duas potências.

Numa recente análise sobre a economia chinesa (Country Report 19/274), o FMI observa que uma possível escalada tarifária pode provocar ruptura das cadeias globais de valor, com bruscas reorientações nos fluxos de comércio mundial.

As consequências seriam negativas para todos — em especial, para os países cujas economias estão fragilizadas pela perda de dinamismo nos mercados externos, como é o caso do Brasil.

Há riscos também consideráveis, pondera o Fundo Monetário, na hipótese de um acordo sem configuração multilateral, ou seja, restrito aos dois países. Por exemplo, com a China se comprometendo a comprar mais mercadorias “Made in USA”, porém sem reduzir as barreiras ao comércio e aos investimentos. Nesse cenário, o tipo de produto americano que os chineses importam dos EUA vai determinar quais os grupos de países exportadores que seriam mais afetados.

Na lista de compras da China nos EUA destacam-se produtos eletrônicos, máquinas, veículos, oleaginosas, aeronaves, petróleo, papel e celulose. As vendas desses produtos por outros países, em tese, estariam ameaçadas. Caso aumentem as vendas americanas de soja à China, as exportações brasileiras de oleaginosas tendem a ser prejudicadas. A China é o principal parceiro do Brasil. Comprou US$ 66,68 bilhões em 2018, quase 28% de tudo o que o país vendeu. Esperar passivamente pela resolução do conflito EUA-China é decisão de alto risco.

O país precisa urgentemente repensar sua estratégia para recuperar o espaço perdido no comércio global. É questão de segurança econômica.

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