quinta-feira, 10 de outubro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Censura do governo Bolsonaro afronta a Carta – Editorial | O Globo

Planalto amplia ações para sufocar a produção artística rejeitada por motivos ideológicos

A censura foi formalmente extinta ainda na ditadura militar, no seu final. Mas como é espessa a cultura autoritária no país, restam traços fortes do costume do controle da expressão e da criação artísticas na sociedade.

Esta experiência já foi vivida na gestão Lula, quando se projetou uma agência (Ancinav) cuja finalidade era supervisionar o conteúdo da produção audiovisual. Outro movimento na mesma direção ocorreu por meio de um “Conselho” que fiscalizaria os jornalistas. A justa reação no Congresso e na sociedade levou Lula a engavetar os projetos.

Agora, o mesmo autoritarismo ressurge com Jair Bolsonaro, político de extrema direita, do polo ideológico oposto ao do PT, mas com o objetivo comum de censurar.

Da mesma forma, procura-se embalar a censura com argumentos enviesados. Se com o PT a intenção era “democratizar” a produção artística e os meios de comunicação, dando-se voz às “minorias”, agora justifica-se a arbitrariedade pela “defesa dos valores cristãos” e “da família”. Quando, na verdade, trata-se de impor um pensamento único. O mesmo tem ocorrido em outros países.

O desapreço de Bolsonaro e de seu grupo pela liberdade de expressão é conhecido pelas agressões cotidianas a veículos da imprensa profissional, atacados inclusive com o uso de instrumentos de Estado.

Nas últimas semanas, atos de censura têm se espalhado na área artística, muito dependente de financiamentos de instituições estatais, empresas públicas entre elas. O governo Bolsonaro tem podido ir além das palavras e ordenar o boicote financeiro a projetos que supostamente não se enquadrem no objetivo da “defesa da fé cristã” e “da família”.

Mesmo no exterior, o governo age para atingir artistas de que não gosta por motivos ideológicos. Aconteceu no cancelamento, em um festival de cinema em Montevidéu, da exibição do filme “Chico: artista brasileiro”, de Miguel Faria Jr., por pressão da embaixada brasileira.

Organismos importantes no fomento à produção artística como Funarte, Ancine e empresas públicas, apoiadoras vitais de projetos no cinema, na música, no teatro têm, por exemplo, suspendido editais. A finalidade é inviabilizar obras que tratem de assuntos malvistos no Planalto, como a temática LGBT.

Mas o dinheiro público não é de Bolsonaro, e o Estado precisa considerar a diversidade do país, amparando os produtores de arte sem avaliações ideológicas. Se não, o governo está se apropriando de recursos da sociedade para impor um projeto político e ideológico específico.

O Supremo tem sido firme na defesa das liberdades constitucionais. Talvez seja necessário levar à Corte esta típica agressão à Carta, com o uso de instrumentos públicos, inclusive recursos financeiros que são do Estado, provenientes dos impostos recolhidos por todos.

Admissão tardia – Editorial | Folha de S. Paulo

WhastApp reconhece uso ilícito em 2018; autorregulação no setor ainda é lenta

Ainda que tardio, é necessário e relevante o reconhecimento do WhatsApp de que houve envios maciços de mensagens, com sistemas automatizados contratados de empresas, nas eleições de 2018. A empresa até então não admitira formalmente tais episódios, que foram revelados por esta Folha.

“Na eleição brasileira do ano passado houve a atuação de empresas fornecedoras de envios maciços de mensagens, que violaram nossos termos de uso para atingir um grande número de pessoas”, disse Ben Supple, gerente de políticas públicas e eleições do WhatsApp, em palestra na Colômbia.

A série de reportagens teve início há um ano, quando foi descoberta a contratação de empresas de marketing e agências estrangeiras por apoiadores do então candidato Jair Bolsonaro (PSL) para disparar mensagens contra o petista Fernando Haddad —cuja campanha, diga-se, também usou recursos da internet de maneira ilícita.

A legislação autoriza a presença de campanhas na internet, mas proíbe o uso de ferramentas de automatização, como os programas que promovem a divulgação em massa. Além disso, como mostraram as reportagens, empresários contrataram serviços sem declarar gastos à Justiça Eleitoral, o que configura crime de caixa dois.

O pleito presidencial de 2018 foi o primeiro, no Brasil, no qual as redes sociais e aplicativos de mensagens desempenharam papel importante. Território marcado pela polarização e pela ampla difusão de notícias falsas, manipulações e agressões, o mundo digital transformou-se em desafio regulatório.

O pesquisador americano P. W. Singer, autor de um dos mais relevantes estudos sobre o assunto, alertou em entrevista a este jornal para o fato de que pouco do que acontece na internet é espontâneo.

“Talvez só aqueles vídeos fofinhos de gatos”, aventou, lembrando que os usuários, embora nem sempre tenham consciência, são constantemente alvo de campanhas políticas ou de marketing online.

Exemplo emblemático de estrategista nesse ramo, o direitista americano Steve Bannon, fundador da já extinta agência Cambridge Analytica, teve papel ativo na eleição de Donald Trump, nos EUA, e colaborou com Bolsonaro.

Além da difusão de informações apuradas de forma profissional, é fundamental, para o enfrentamento dessas distorções, que gigantes do setor, como o Facebook, dono do WhatsApp, colaborem.

Não basta o reconhecimento posterior dos problemas. É preciso que se apliquem medidas para identificá-los e controlá-los —o que se começa a fazer, timidamente, graças à pressão da opinião pública.

O sucesso da geringonça – Editorial | Folha de S. Paulo

Pragmática, aliança de esquerda obtém êxito econômico e eleitoral em Portugal

A vitória do primeiro-ministro António Costa nas eleições legislativas de Portugal premiou a inusitada união de siglas de esquerda que, no último quadriênio, teve o mérito de revigorar uma economia combalida pela grave crise financeira da década passada.

Com a apuração das urnas praticamente encerrada, o Partido Socialista conquistou ao menos 106 dos 230 assentos em disputa, um salto de 20 vagas ante o pleito de 2015.

Ao avanço da esquerda correspondeu um retrocesso das forças de centro-direita, representadas pelo Partido Social Democrata e pela Coligação Democrática Unitária, que elegeram, respectivamente, 77 e 5 parlamentares. Há quatro anos, juntas, as agremiações obtiveram 107 lugares.

Apesar da vitória naquela ocasião, o bloco direitista não conseguiu formar uma maioria para governar. Costa então propôs um arranjo pós-eleitoral inédito, constituído pelo PS, pelos verdes e por outras legendas menores à esquerda —um campo historicamente fragmentado em Portugal.

Embora sem formalizar uma coalizão, o grupo passou a atuar unido nas principais votações —e, por seu caráter insólito, recebeu o epíteto de geringonça. Ao mesmo tempo, Costa manteve acordos pontuais com a oposição, cujos votos atraiu em algumas oportunidades.

Esse entendimento político rendeu frutos vistosos ao país. O premiê implementou uma agenda de ajustes orçamentários que, sem deixar de cumprir as regras da União Europeia, destoou em certos aspectos do receituário ortodoxo.

De um lado, promoveu cortes em investimentos de infraestrutura e outras despesas a fim de reduzir o déficit do governo. De outro, aumentou o salário mínimo e os vencimentos do funcionalismo.

O desemprego caiu de forma consistente, e hoje é de 6,2%. Já o PIB, que no ano passado cresceu 2,1%, apresentou expansão no último quadriênio superior à média da UE.

Tanto Costa como os líderes das outras siglas aliadas manifestaram interesse em reeditar a parceria. Estes, porém, condicionaram o apoio ao PS à implementação de uma série de medidas de cunho social, que inevitavelmente trarão aumento do gasto público.

As exigências podem constituir um percalço nas negociações que ora se iniciam, dado que sua adoção ameaça se chocar com a disciplina fiscal que os socialistas pretendem continuar aplicando.

Não parece prudente, nesse cenário, abandonar o pragmatismo que levou ao sucesso da geringonça.

Concluir obras paradas – Editorial | O Estado de S. Paulo

Pouco, ou quase nada, se sabe dos planos do governo Bolsonaro para estimular o crescimento da economia e melhorar a qualidade de vida da população, sobretudo por meio da geração de empregos. Além da reforma da Previdência, já na etapa final de aprovação pelo Congresso, são muito poucas as iniciativas do Executivo que podem compor um projeto ou programa de governo destinados a enfrentar os graves problemas do País. Mas é reconfortante para o contribuinte, que paga muito imposto para pouco retorno em termos de serviços públicos, saber que o presidente Jair Bolsonaro não pretende realizar nenhuma grande obra que possa ser transformada em símbolo de seu governo.

“Se eu for me preocupar com isso daí, a gente não governa”, disse Bolsonaro em entrevista ao Estado. O presidente garantiu que “não vamos partir para ser igual ao que o PT fez com as refinarias” – como as de Abreu e Lima, em Pernambuco, e a Comperj, no Rio de Janeiro, cuja construção foi decidida com base em critérios meramente político-eleitorais, o que resultou em custos exorbitantes e paralisação do projeto. “O que tenho falado para os ministros é terminar as obras”, disse o presidente.

É uma atitude politicamente corajosa comprometer-se, ainda no primeiro ano de mandato, a terminar obras em execução, a grande maioria das quais iniciada em gestões anteriores. “Aí podem falar: ‘Ah, começou com a Dilma, com o Temer’”, lembrou Bolsonaro, para completar: “Se a gente não for atrás (da conclusão da obra), vai virar só esqueleto”.

É também uma atitude sensata do ponto de vista administrativo, financeiro e econômico, sobretudo num período de baixo crescimento econômico e de grave crise das contas públicas.

É pouco provável que um brasileiro comum ainda não tenha visto o esqueleto de uma obra na qual foi gasto dinheiro público e que está a assombrar a população. São símbolos expressivos da má utilização do dinheiro do contribuinte. Muitos são os balanços sobre obras públicas paralisadas feitos por instituições privadas e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Os dados variam conforme a abrangência e a metodologia dessas pesquisas, mas todas elas mostram a imensa quantia de dinheiro público desperdiçada em todos os níveis de governo.

Estão parados milhares de obras, de orçamentos modestos em pequenas cidades ou de custos altíssimos de iniciativa federal. São vários os motivos da paralisação. Mas, em muitas obras paradas, há fatores comuns, como má qualidade dos projetos, má gestão dos recursos, dificuldades financeiras do órgão público responsável pela obra. Em projetos de obras de maior complexidade não é raro que à má qualidade do projeto se some o descuido ou o menosprezo com questões relevantes, como os riscos ambientais, os custos e os riscos das desapropriações e das contestações judiciais.

Além disso, em razão da crise econômica iniciada em 2014, ainda no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, os problemas orçamentários e financeiros de diferentes esferas do governo levaram à suspensão dos pagamentos devidos aos responsáveis pelas obras e, consequentemente, à paralisação.

Para os contribuintes e para os cidadãos em geral, obra pública parada significa interrupção de investimentos e da possibilidade de geração de empregos, além do comprometimento de um programa que deveria atender às demandas da sociedade em áreas como, educação, transporte ou segurança. Daí a importância da retomada dessas obras, como se propõe a fazer o presidente Jair Bolsonaro.

Se obras federais paralisadas forem efetivamente retomadas, haverá decerto um impulso na atividade econômica, dado o efeito que essa iniciativa terá sobre vários outros segmentos econômicos, como o comércio e, sobretudo, o mercado de trabalho. O aumento do emprego, de sua parte, resultará em renda maior para o trabalhador e mais consumo, o que, de algum modo, estimulará a economia.

Poderão também surgir mais investimentos, pois a retomada de obras paralisadas pode sinalizar novas oportunidades. Mas, para o futuro, é preciso avaliar com critério as causas das paralisações das obras públicas, para que elas sejam evitadas em novos contratos.

Bolsonaro agora quer romper até com seu partido, o PSL – Editorial | Valor Econômico

Bolsonaro não tem base parlamentar e não fez questão de montar uma

A democracia enfada, e às vezes irrita, o presidente Jair Bolsonaro. Sua vitória eleitoral tornou grande da noite para o dia um partido inexistente, o PSL, que hoje é a segunda maior bancada do Congresso, com 53 deputados e 4 senadores - antes das eleições, tinha um deputado. É um acervo político nada desprezível para quem, como Bolsonaro, quer se reeleger, depois de dizer que não o faria. Pelos mesmos motivos pouco inteligíveis pelos quais gosta de dar “caneladas”, especialmente nos aliados, ele agora cismou com o PSL. Seus filhos, Flávio e Eduardo, enfrentam dificuldades para dominar a máquina da legenda. Bolsonaro ameaça afastar-se dela e a está expondo ao ridículo em público.

Há mais do que a simples disputa do poder em jogo. Bolsonaro se juntou ao PSL, após trafegar por seis partidos, pagando um preço ignorado. Inclinava-se pelo Patriota, mas Gustavo Bebbiano o demoveu da ideia e colocou a inexpressiva legenda a serviço do ex-capitão. Bolsonaro disse à época que era um casamento de conveniência. O PSL não ultrapassaria a cláusula de barreira e ele precisava de um partido para concorrer à Presidência.


Após ganhar a eleição, Bolsonaro não soube e ainda não sabe o que fazer com a segunda maior bancada da Câmara. Os eleitos reunidos às pressas sob a bandeira do conservadorismo compõem uma orquestra que nunca ensaiou e, quando tenta, produz muitos acordes dissonantes - e o barulho é ensurdecedor.

As divergências que recortam o PSL revelam mais que a inapetência do presidente em lidar com o Congresso em geral e partidos, em particular. Além de ter de fazer genuflexões aos filhos do presidente, o que causa dissabores, os deputados e senadores do PSL têm divergências reais. Uma delas é o abandono das promessas de campanha de Jair Bolsonaro, ao qual acorreram como soldados ao toque de recolher. Eles assentiram ao apelo do combate à corrupção, emulados pelo imenso prestígio da Operação Lava-Jato.

Ao chegar ao Planalto, o presidente se deparou com um vasto “laranjal” lavrado pelo partido que lhe dera a vitória. O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, é um dos principais envolvidos em investigações da PF, assim como o presidente do PSL, Luciano Bivar. Explodiram em seguida investigações sobre transferências de dinheiro suspeitas envolvendo Flávio Bolsonaro e cheque na conta da esposa do presidente, depositado por um ex-PM mais que suspeito, Fabrício Queiroz, que prestou serviços a toda a família.

A resposta de Bolsonaro foi, primeiro, demitir o presidente em exercício do PSL, Gustavo Bebbiano, que comandou sua ascensão ao governo e ocupava há pouco a Secretaria Geral da Presidência. Foi bem estranho porque havia poucas suspeitas sobre Bebbiano e uma penca delas contra Antonio, mantido inexplicavelmente no cargo mesmo após ser indiciado. Depois, Bolsonaro estendeu seu manto protetor sobre Flavio. As investigações sobre ele foram suspensas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, porque foram baseadas em dados do Coaf repassados sem autorização judicial. Toffoli suspendeu também todas as investigações sobre casos na mesma situação.

Bolsonaro também decidiu que disputaria a reeleição e entendeu que o prestígio do ministro da Justiça, Sergio Moro, que transferiu ao governo sua boa reputação, era um atributo que poderia alimentar as pretensões de um concorrente à Presidência e começou a fritá-lo em praça pública. A plateia dos que acharam que o combate à corrupção era para valer e que Moro era seu símbolo imaculado não entendeu nada e se dividiu.

As eleições municipais ajudam a compor a balbúrdia. Eduardo Bolsonaro não consegue pôr ordem no diretório em SP, onde desponta a candidatura natural de Joice Hasselmann. Bolsonaro desconfia que Joice flerta politicamente com o governador João Doria, um presidenciável, e quer cortar suas asas. No Rio, Flavio tentou ensaiar a rebelião do PSL contra o governador Witzel e recuou, por motivos desconhecidos. Carlos Bolsonaro disse que o lema “Brasil acima de tudo” incluia partidos, e explicou tudo em seu estilo críptico: “Se for diferente, as coisas continuarão as mesmas, só que disfarçadas, como sempre”.

Bolsonaro não tem base parlamentar e não fez questão de montar uma. Tem a chance de ampliar seu apoio com o PSL, que terá a maior fatia do fundo partidário, R$ 110 milhões. Esse pelo menos é um motivo que pode levá-lo a engolir o ódio à controvérsia e aceitar manter-se formalmente na legenda. Como costuma dar tiros no pé, pode desvencilhar-se dele, tornando as coisas mais difíceis para si.

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