quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Ribamar Oliveira - Meta fiscal da LDO já não reflete a realidade

- Valor Econômico

Não haverá cortes no Orçamento no próximo ano

O megaleilão dos excedentes de petróleo da cessão onerosa, que será realizado no próximo dia 6 de novembro, terá um impacto significativo nas contas públicas neste e no próximo ano. A União terá, em termos líquidos, uma receita de R$ 24 bilhões que não constava na programação orçamentária de 2019 e o mesmo valor será acrescido à estimativa da receita prevista na proposta orçamentária para 2020.

Os recursos extras serão utilizados para reduzir o déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central). Com isso, as metas de resultado primário definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não servem mais como sinalizador da trajetória da política fiscal brasileira.

A meta fiscal para o governo central, definida na LDO, é de déficit primário de R$ 139 bilhões neste ano. Com o dinheiro que será obtido no leilão da cessão onerosa e nos leilões da 16ª rodada de concessão, já realizado, e da 6ª rodada de partilha de produção, que ocorrerá também em novembro, o déficit primário poderá ficar abaixo de R$ 90 bilhões.

O governo poderia utilizar parte dos recursos para executar as programações orçamentárias deste ano, que estão contingenciadas, mas não o fará. O Ministério da Economia entende que o chamado Orçamento impositivo, criado pelas emendas constitucionais 100 e 102, só valerá a partir de 2020.

Para o próximo ano, a meta fixada na LDO é de déficit primário de R$ 124,1 bilhões para o governo central. A proposta orçamentária de 2020, encaminhada pelo governo ao Congresso no fim de agosto, projeta uma receita suficiente para cumprir a meta da LDO. Os R$ 24 bilhões do leilão da cessão onerosa serão, portanto, um adicional, que será incorporado à proposta orçamentária em novembro, por meio de mensagem modificativa.

Como as despesas da proposta orçamentária do próximo ano já estão no teto de gastos, os R$ 24 bilhões adicionais serão utilizados para reduzir o déficit primário do próximo ano, ou seja, a dívida pública. Se a receita extra do petróleo já é conhecida desde agora, pressupondo que o bônus de assinatura do leilão da cessão onerosa será pago em duas parcelas, seria mais transparente se o governo propusesse uma mudança da meta fiscal, reduzindo o déficit primário do governo central.

Uma fonte credenciada do governo considera, no entanto, “mais prudente” deixar a meta fiscal onde está para o próximo ano. O argumento é que, no caso de perda de arrecadação tributária, que está muito incerta, os R$ 24 bilhões adicionais do petróleo protegeriam o governo de um contingenciamento do Orçamento, que já está muito apertado.

Além disso, há quem defenda no governo a alternativa de tirar da proposta orçamentária de 2020 a receita de R$ 16,2 bilhões que será obtida com os novos contratos de concessão das usinas hidrelétricas da Eletrobras, no âmbito da privatização da estatal. O projeto de lei da privatização da Eletrobras ainda não foi encaminhado ao Congresso. A opção da equipe econômica, portanto, será pela segurança.
De qualquer forma, quando encaminhar a mensagem modificativa da proposta orçamentária de 2020, o governo terá que explicitar que trabalha com um déficit primário menor para o próximo ano.

O pós-reforma
O governo tem dois desafios no pós-reforma da Previdência. O primeiro é reduzir despesas obrigatórias na proposta orçamentária de 2020 para elevar os investimentos, que foram muito reduzidos. O segundo é sair de duas armadilhas em que está metido: a chamada “regra de ouro” das finanças públicas e o gatilho emperrado do teto de gastos.

A sustentação do teto de gastos, indispensável neste momento para o equilíbrio das contas pública, depende da capacidade do governo de reduzir o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias. Ao mesmo tempo, a realização de operações de créditos em valor superior às despesas de capital (investimentos e amortizações da dívida), proibida pela “regra de ouro”, ocorre por causa do aumento acelerado dos gastos obrigatórios.

Há indicações de que o governo enfrentará o primeiro desafio por meio de projetos de lei e de medidas provisórias. Uma das MPs, já anunciada oficialmente, vai acabar com a multa adicional de 10% que a empresa paga ao FGTS em caso de demissão sem justa causa. O dinheiro não é do trabalhador, mas do Fundo, embora seja contabilizado como receita do Tesouro e, posteriormente, como despesa obrigatória, quando é transferido para o FGTS. Com o fim da multa, o governo abrirá espaço de R$ 6,1 bilhões no Orçamento de 2020.

Outro espaço será aberto com a decisão do governo de transferir para as empresas o pagamento do auxílio-doença, devido aos trabalhadores afastado do emprego por motivos de saúde, hoje feito pelo INSS. A mudança seria incluída no substitutivo da MP 891/2019. O governo pretende também reduzir os gastos com benefícios tributários, incluindo as atuais deduções com saúde e educação do Imposto de Renda.

Resolver os problemas da “regra de ouro” e do gatilho travado do teto de gastos é mais complicado, pois exige proposta de emenda constitucional (PEC). As medidas discutidas pela área econômica passam pela redução da jornada de trabalho dos servidores, com a correspondente diminuição salarial, por congelar progressões e promoções dos servidores, e por não conceder reajuste pela inflação para os benefícios previdenciários acima de um salário mínimo.

O receituário, embora considerado necessário, é politicamente indigesto e a aprovação pelo Congresso, duvidosa, principalmente diante do empenho do governo em aprovar o projeto de lei 1645/19, que trata do sistema de proteção dos militares. O projeto mantém a paridade e a integralidade para os militares inativos, assim como para os policiais militares e bombeiros, benefício que foi negado aos demais servidores.

No caso da União, a despesa adicional é de R$ 4,7 bilhões somente no próximo ano. “É difícil explicar o projeto para a sociedade, no momento em que se discute a proposta de ajuste fiscal”, disse o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), autor de uma PEC que propõe mecanismos de ajuste para a “regra de ouro”.

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