quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Vinicius Torres Freire - Próximo conflito: servidores federais

- Folha de S. Paulo

Sem cortar despesa com funcionários, teto de gastos e governo estouram em 2 anos

Nas próximas semanas, o governo começa um conflito sério com servidores federais e com todos os defensores de gastos obrigatórios mínimos com saúde e educação. Caso seja derrotado, é razoável esperar que o funcionamento da máquina do governo se torne inviável na virada de 2021 para 2022, no mais tardar.

“Inviável” significa não ter dinheiro para pagar despesas como serviços de tecnologia da informação dos quais dependem o funcionamento da Receita e do INSS, por exemplo, o que parece, na prática, impossível.

A alternativa seria dar cabo do teto de gastos, um enorme revertério, vetado pelo menos pela equipe econômica de Jair Bolsonaro.

O talho, portanto, teria de ser aprovado até o ano que vem, ano de eleição: mais conflito.

“Conflito” significa criar uma regra extra de contenção de despesas que implica, de um modo ou de outro, o corte de salários do funcionalismo, o que em tese inclui militares, Polícia Federal e professores das universidades federais, para citar apenas categorias politicamente sensíveis. A depender da regra de contenção que venha a ser aprovada, o corte de despesas com o funcionalismo pode durar anos seguidos.

Além disso, pretende-se dar fim da obrigação constitucional de gastar um mínimo em saúde e educação.

No caso estadual e municipal, a norma talvez seja relaxada: seria garantido um mínimo para a soma de gastos em saúde e educação, cabendo a cada Assembleia ou Câmara de Vereadores decidir a prioridade, o que é racional. Algumas cidades são obrigadas a fazer gastos inúteis ou de fantasia em escolas que não precisam mais de verba, enquanto postos de saúde não têm ultrassom ou gaze. Mas passemos, pois esta é a parte suave do ajuste.

Já existe uma regra para limitar o gasto com servidores caso a despesa estoure o teto de gastos, norma no entanto complexa e que, de qualquer maneira, chove no molhado: não evita o colapso. Tanto governo como a liderança do Congresso pretendem, pois, estipular um teto dentro do teto de gastos.

De quanto seria esse limite? O pessoal do governo diz que ainda não fechou a conta. Assim que a despesa corrente (que exclui investimentos) atingir uma certa porcentagem da receita, os talhos seriam amplos, gerais e irrestritos.

Pretende-se que este limite permita o talho o quanto antes, com certeza para 2021. Quanto mais baixo for o valor deste teto dentro do teto, por mais tempo o governo teria autorização para enxugar a despesa com servidores. Na conta mais radical, a lipoaspiração prosseguiria a perder de vista.

No Congresso, há um projeto nesta linha. O governo pretende mandar um projeto complementar, na semana que vem, como se sabe. É uma guerra a menos de dez meses da campanha eleitoral de 2020; é improvável que a mudança seja votada antes do final deste ano.

Note-se também que a discussão da reforma Previdenciária não acabou, apesar de aprovadas mudanças propostas pelo governo federal. Tramita ainda emenda constitucional que pode facilitar a adoção da reforma por estados e municípios e até uma ou outra emenda na reforma já aprovada.

Há quem acredite que a reforma do funcionalismo vai passar, assim como passou quase sem resistência a trabalhista e, mais suavemente do que se previa, a da Previdência.

É, pode ser. Isso quereria então dizer que as corporações do funcionalismo vão ficar quietas e que o Congresso vai continuar a votar planos de sucesso para o governo sem levar nada em troca.

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