segunda-feira, 11 de novembro de 2019

César Felício - Foi dada a largada para a eleição de 2022

- Valor Econômico

Lula assumiu, na prática, o comando da oposição a Bolsonaro

A eleição de 2022 começou. Na realidade, já tinha começado quando o presidente Jair Bolsonaro, no terceiro mês de seu governo, se colocou como candidato à reeleição. Mas foi no sábado, com o discurso do recém saído da cadeia, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que a eleição presidencial ganhou seu contorno.

Não está claro se o ex-presidente pretende repetir o recuo tático que Cristina Kirchner fez na Argentina, ao indicar um preposto para concorrer em seu lugar logo no começo da corrida eleitoral, agregando forças que haviam se afastado dela nos últimos anos. A outra possibilidade é Lula confiar que a pressão das circunstâncias políticas levarão a uma revisão da norma da Lei da Ficha Limpa que hoje o torna inelegível. O que é certo é que Lula já assumiu, na prática, o comando da oposição a Bolsonaro. E deste posto de controle ele não abrirá mão.

O ex-presidente bateu em Bolsonaro do início ao fim. “Este país tem 210 milhões de habitantes não podemos deixar que os milicianos acabam com ele”, disse. Reconheceu a legitimidade do mandato de Bolsonaro, afastando da plateia qualquer veleidade de se lançar às ruas pelo impeachment. Lula quer brigar nas urnas. Associou o ministro da Economia, Paulo Guedes, à crise social que abala o Chile, ao citar que os fundamentos da política econômica do atual ministro são inspirados em linhas de ação desenvolvidas na ditadura de Pinochet. Acenou à classe média, ao lembrar que a taxa de juros cai, mas a do cheque especial e do cartão de crédito, não. Não é preciso usar palavrão para se referir a Bolsonaro, porque ele já é um palavrão.

Lula não se esqueceu de fazer uma referência sutil a um potencial adversário, o apresentador e empresário Luciano Huck. Sem citar seu nome, fez uma menção ao elitismo da gestação dessa suposta candidatura. “Os mais ricos querem criar uma nova classe dirigente. Não temos nada contra essa gente, mas queremos gente que seja formada nas dificuldades que passa o povo brasileiro.”

Lula busca se credenciar, portanto, como o concentrador do antibolsonarismo. Os 580 dias serviram como campanha antecipada e o Lula Livre virou o Volta Lula, como mencionou o ex-ministro Aloizio Mercadante na sexta-feira, em um evento em Buenos Aires. Nesta polarização que evoca para si, não há mais espaço para alternativas da centro-esquerda, como Ciro Gomes. Ciro apostou tudo em ser o pós-Lula. Seu irmão, o senador Cid Gomes, criou bordão ao dizer, dias antes do segundo turno, o famoso “Lula está preso, babaca”. As perspectivas de Ciro no cenário nacional tornam-se bem modestas.

A força de Lula dispensa maiores comentários: estrutura político-partidária, recall, a nostalgia de um tempo de crescimento alto e programas sociais inclusivos. O ponto fraco é que os problemas de Lula na justiça não se resumem a Sergio Moro. Após a sentença sobre o tríplex uma série de outras revelações comprometeram o ex-presidente, sendo certo que as delações premiadas de Antonio Palocci e Leo Pinheiro são as mais fortes. A liberdade de Lula foi a senha para o Congresso avançar na discussão para mudar a Constituição e rever a segunda instância. Uma parte das lideranças políticas e da sociedade estabeleceu como meta encarcerar de novo o ex-presidente. É uma possibilidade real e torna-se difícil imaginar que governabilidade ele irá construir, seja como candidato ou como grande eleitor.

Bolsonaro em um primeiro momento se fortalece. À catalização do antibolsonarismo corresponde o reforço do antipetismo, um sentimento que é muito maior que o bolsonarismo. O presidente tem a força da caneta nas mãos, mas o fantasma das suas relações com milicianos é uma sombra, que pode prejudica-lo nas eleições.

Terceiras vias podem prosperar caso o eleitorado fique exausto da polarização esquerda/direita. Por este caminho Huck ainda pode entrar, tendo como único ativo apoio na elite empresarial e grande popularidade na mesma faixa de eleitorado de Lula. O fato é que esta é uma rota muito mais arriscada do que seria a de competir para comandar a oposição ao atual governo. As chances de Huck dependem de acontecimentos excepcionais que sangrem os dois eixos do debate atual. Ficou mais difícil o caminho do centro.

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