sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Claudia Safatle - Ajuste prescinde da reforma administrativa

- Valor Econômico

Não será problema grave deixar para o início do ano que vem o envio da PEC que mexe com carreira do funcionalismo

O ajuste fiscal de curto prazo prescinde da reforma administrativa, necessária para dar um novo e mais eficaz formato à política de RH do setor público e para melhorar o péssimo desempenho do Estado como prestador de serviços aos cidadãos. É a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, que vai conter o crescimento quase autônomo das despesas de pessoal, a segunda mais pesada para os cofres públicos depois da Previdência Social.

A reforma administrativa é importante para estabelecer novas condições de contratação de servidores, sobretudo para o momento em que for permitida a renovação dos quadros do funcionalismo, dada a concentração de um grande volume de aposentadorias nos próximos anos.

A PEC Emergencial é que traz o instrumental para dar um freio de arrumação nas contas públicas, que já estão no quadro de deterioração necessário para o acionamento dos “gatilhos” nela previstos. No exercício de 2020, assim como em 2019, a União está desenquadrada da “regra de ouro”, que proíbe o aumento do endividamento para pagar despesas correntes.

A insuficiência da “regra de ouro” para 2020 é de R$ 367,031 bilhões - montante de despesas da proposta orçamentária do próximo ano que dependem de emissão de títulos pelo Tesouro. Para este ano, o Congresso aprovou lei que permite a União aumentar a dívida em até R$ 248,9 bilhões para cobrir despesas previstas na lei orçamentária.

A União entra em estado de emergência fiscal quando as operações de crédito superarem as despesas de capital em um ano, o que já é o caso: e os Estados e municípios, quando a despesa corrente ultrapassar 95% da receita corrente.

Declarados em emergência fiscal, disparam-se mecanismos automáticos inéditos de ajustes, tais como: os Poderes nos três níveis da federação não poderão promover funcionários, dar reajustes, criar cargos, reestruturar carreiras nem fazer concursos. A proposta permite, também, a redução de 25% da jornada de trabalho com a correspondente diminuição dos salários. Fica suspensa a criação de despesas obrigatórias e de novos benefícios tributários e, também, suspende-se os repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para o BNDES.

A PEC da Emergência Fiscal cria essas condições temporárias para que, em dois anos, a União, os Estados e os municípios recuperem a saúde financeira. A ela somam-se a PEC do Pacto Federativo e a que extingue boa parte dos fundos públicos, criando um novo marco institucional da política fiscal. Esse conjunto de emendas é que vai dar sustentação à Lei do Teto de Gastos, até então sem dispor dos mecanismos para entrar em funcionamento. E é esse arcabouço legal que poderá salvar da extinção os investimentos públicos, que definham rapidamente na desigual competição com as crescentes despesas obrigatórias.

Tanto a PEC do Pacto Federativo quanto a PEC Emergencial criam dispositivos draconianos de corte das despesas. Só dois gatilhos - a redução da jornada e a suspensão das promoções e progressões automáticas de carreiras - representariam uma economia de R$ 26 bilhões em dois anos, recursos que poderiam ser, ainda que parcialmente, usados para realimentar a conta de investimentos públicos.

A PEC da Reforma Administrativa é absolutamente necessária para dar uma boa arrumada na política de RH do setor público, restringindo a estabilidade do funcionalismo, readequando salários de ingresso na carreira e fazendo uma boa varredura na própria estrutura de carreiras.

Sua função é dar eficiência e ganhos de produtividade ao Estado, ao mesmo tempo em que cuida para que as despesas com pessoal e encargos previdenciários não cresçam de forma excessiva.

Mas não é ela que vai garantir um ajuste nos próximos dois anos que interrompa o acúmulo de déficits primários nas contas consolidadas do setor público desde 2014, como prevê o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Por essas razões não será um problema grave, por exemplo, deixar o envio da PEC da Reforma Administrativa (ou do Estado) para o início do próximo ano.

Há quem, no governo, não veja danos sérios na agenda de reformas estruturais se ela se encerrar na aprovação das três PECs citadas - a de Emergência Fiscal, a do Pacto Federativo e a dos fundos, com destaque para a primeira.

Mudar as propostas do Executivo no Congresso é parte do jogo democrático. O amplo debate é necessário para que as regras que venham a ser aprovadas expressem um consenso em torno da responsabilidade fiscal. E o clima político para a aprovação de medidas na área econômica tem sido positivo, já que governo e Congresso, apesar de recorrentes turbulências, caminham na direção de equacionar o crônico desequilíbrio fiscal que colocou a dívida pública em rota explosiva.

Dada a amplitude e a dureza das propostas de emendas constitucionais enviadas recentemente ao Congresso Nacional, será um ganho extraordinário se, mesmo desidratadas aqui ou acolá, as medidas forem aprovadas.

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