terça-feira, 26 de novembro de 2019

Livro | As Esquerdas e a democracia

Prefácio

A Coletânea As Esquerdas e a democracia, organizada por José Antônio Segatto, Milton Lahuerta e Raimundo Santos, é uma importante contribuição para um debate do pensamento de esquerda que tem sido imprescindível para a reconstituição do pensamento de esquerda no Brasil e no mundo: como avançar agendas de reformas sociais e econômicas, e, ao mesmo expandir as instituições democráticas?

A ligação entre democracia e socialismo sempre foi um tema incômodo para as esquerdas. Neste centenário da Revolução Russa, podemos relembrar várias experiências de construção do socialismo que terminaram gerando burocracias políticas e ideias políticas que desprezaram a importância da democracia e suas instituições.

Por outro lado, onde a esquerda abraçou a democracia, como é o caso da social-democracia europeia, o ímpeto revolucionário acabou refecido por visão hegemônica que, se construiu em Estado de Bem-estar Social e favoreceu a moderação na política, por outro lado, há décadas vem apresentando visíveis sinais de estagnação e esgotamento.

Como então navegar entre a te4ntação de instrumentalizar os processos democráticos e, ao mesmo tempo, resistir ao apelo à acomodação vindo do ethos das democracias contemporâneas ? E mais: como incorporar elementos tradicionais do discurso liberal – como os direitos civis e políticos – e manter a identidade de esquerda, sem render-se à lógica triunfante dos mercados globalizados?

São tais desafios que os textos que compõem As Esquerdas e a Democracia ajudam a enfrentar, ao iluminarem especificamente o caso brasileiro. A escolha por “As esquerdas” no título, ao invés de “A esquerda”, não é mero detalhe. A diversidade de esquerda antes entendida como um problema, agora se torna um incentivo para um debate que não se volta mais para definir quem é a “verdadeira esquerda”, mas para reconstituir o pensamento da esquerda em sua pluralidade.

Fazem parte desta Coletânea temas cruciais para esta reconstrução. Basta pensarmos na que4stão da modernização do Estado brasileiro, que envolve a superação de nossa tradicional cultura patrimonialista, a definição de fronteiras mais visíveis entre o público e o privado, e o próprio Estado enquanto estimulador do desenvolvimento econômico e social. Se antes qualquer questionamento do Estado , de seu “tamanho” de seu “tamanho” ou funções , era tido como anátema, atualmente tal discussão tornou-se quase mais que imprescendível nas esquerdas brasileiras.

O futuro político dos partidos político da esquerda brasileira é outro tema central abordado nesta coletânea. Os dois principais partidos que disputavam a hegemonia no campo da esquerda e da centro-esquerda, e que se revezavam não podiam nas últimas décadas, mostram sinais de declínio político. Tanto o Partido dos Trabalhadores (PT) como o Partido da Social-democracia Brasileira (PSDB) cederam à corrupção e a práticas patrimonialistas tradicionais, o que colocou suas identidades em xeque e abriu espaço para um possível protagonismo de outras correntes de esquerda que vierem a surgir no horizonte político brasileiro.

Daí a indagação que perpassa vários textos da coletânea: como evitar que uma esquerda renovada repita a tradicional forma de se fazer política no Brasil?

Em tempos de polarização política, crise econômica e descrença nos políticos, como os que estamos vivendo atualmente no Brasil, a reflexão empreendida em As Esquerdas e a Democracia contribuirá para o debate sobre o papel que as esquerdas devem desempenhar no cenário político nacional.

Paulo Cesar Nascimento, professor associado do Instituto de Política da UNB.

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