sábado, 9 de novembro de 2019

Merval Pereira – Meu malvado preferido

- O Globo

Lula soube esperar e conseguiu uma saída politicamente vantajosa, como se tivesse sido inocentado

Não sei se Lula sabe jogar xadrez, mas desconfio que, se souber, deve jogar bem. E se não souber, tem jeito para o jogo. Sua estratégia neste caso foi perfeita, defendendo-se de uma manobra do Ministério Público com uma jogada altamente arriscada, mas que se mostrou eficiente do ponto de vista político.

Recusando-se a sair da cadeia por ter cumprido um sexto da pena a que foi condenado, como se antecipou a pedir o Ministério Público, Lula evitou ter que aceitar as restrições do regime de prisão semiaberta, que o obrigariam a dormir na cadeia ou, no mínimo, a uma prisão domiciliar com limitações que dificultariam sua atividade política.

Ele soube esperar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prisão em segunda instância, e conseguiu uma saída politicamente vantajosa, como se tivesse sido inocentado. Ele continua, porém, condenado nas duas instâncias judiciais e no recurso especial ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Mas podendo viajar pelo país em uma campanha permanente.

Seu destino agora está ligado ao STF, tanto devido ao único recurso que lhe resta nesse caso, quanto à possibilidade de a Segunda Turma decretar a anulação de seu julgamento no caso do tríplex do Guarujá, devido a uma suposta parcialidade do então juiz Sergio Moro por ter aceitado ser ministro de Jair Bolsonaro.

O julgamento está suspenso devido a um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Dois ministros já votaram, contra a alegação da defesa, Edson Fachin e Cármen Lúcia, e outros três se manifestarão no julgamento que deve ser retomado ainda este mês.

A dificuldade de votar a favor de Lula é que as denúncias trazidas pelo site Intercept Brasil contra a Lava-Jato não podem ser usadas, por serem baseadas em provas ilegais, já que oriundas de furto cibernético. Não estão no processo, mas sim na cabeça dos juízes que, para tomar uma decisão tão drástica, não encontrariam razoabilidade na alegação ridícula de que, ao aceitar o convite para ser ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro demonstrou sua imparcialidade.

Porém, caso o Supremo decida anular o julgamento do caso do tríplex, o processo retorna à estaca zero e Lula estará liberado, pelo menos momentaneamente, pela Lei da Ficha Limpa, que determina que condenados por órgão colegiado (segunda instância) são inelegíveis.

Sua outra condenação, sobre o sítio de Atibaia, será analisada pelo TRF-4 também este mês. É provável que o processo seja reenviado para a primeira instância, pois o Supremo decidiu que o processo retroage até a etapa em que as alegações finais são apresentadas, devendo os réus não delatores falarem por último, o que não aconteceu nesse caso do sítio. No caso do tríplex não houve delatores.

Uma decisão do TRF-4 ficaria mais distante, ainda restando o recurso ordinário ao STJ e o extraordinário no STF. Se, até o ano que vem, Lula for condenado em segunda instância novamente, certamente haverá uma campanha por parte do PT para tentar alterar a Lei da Ficha Limpa no Supremo Tribunal Federal.

Apesar de já tê-la declarado constitucional, o STF pode ser acionado, já que o trânsito em julgado passou a ser a etapa final para a prisão de um réu. Sendo assim, por que a elegibilidade de um cidadão não se dá também somente no final de todos os recursos? No julgamento da prisão em segunda instância esse tema surgiu em meio aos debates e o ministro Marco Aurélio Mello lembrou que a legislação eleitoral é diferente da penal, e que as duas não se misturam.

A exigência de não ser condenado por órgão colegiado para ser elegível é da mesma natureza que a exigência de idade mínima ou de domicílio eleitoral. Portanto, nada tem a ver com a questão criminal. Mas o que um advogado criativo não consegue tirar da cartola?

Essas interrupções nos processos contra Lula, em que ele já está condenado, o ajudarão a retomar a campanha presidencial abortada em 2018. Estará mantida a polarização com o presidente Jair Bolsonaro, a quem diversas vezes, e com um sorriso maroto, alfinetou no seu primeiro discurso ao sair da prisão. Os dois necessitam-se mutuamente. Retroalimentam-se com seus ódios e idiossincrasias. Um é o malvado preferido do outro.

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