terça-feira, 5 de novembro de 2019

Míriam Leitão - O megaleilão e o futuro do petróleo

- O Globo

Brasil faz seu maior leilão no momento de sentimentos mistos sobre o petróleo. Ele é forte estímulo à economia, mas seu futuro está em xeque no mundo

O país terá esta semana o seu maior leilão de petróleo e apesar da desistência da BP e Total, e do temor de que algumas áreas não tenham propostas, as expectativas permanecem boas. O Brasil vive um momento de sentimentos mistos: esse leilão é visto como um grande estímulo à economia, a fórmula que o tornou possível foi criada no governo Lula, e os brasileiros estão sofrendo o pior lado do petróleo com o crime ambiental que atinge praias e o nosso precioso Abrolhos. A questão que sempre agita o mundo da energia é: qual é o futuro do petróleo?

A semana começou com o IPO da maior empresa de petróleo do mundo, que produz 11% do óleo global. O mundo discute há muito o fim do petróleo que hoje ainda responde por um terço da energia e das emissões de gases de efeito estufa. Pelos próximos 30 anos, é certo que essa fonte estará conosco, mas tende a cair ao longo do tempo. Segundo reportagem desta semana da revista “Economist”, o termo peak oil, indicando o auge da produção e ponto a partir do qual passaria a cair, foi criado pelo geólogo americano Marion King Hubbert, em 1956, mas hoje quando é usado não está se referindo à escassez do produto, e sim à queda da demanda, afetada pelo esforço de conter o aquecimento global.

Segundo a revista, a maioria dos analistas acha que a produção vai crescer um pouco na próxima década, para apenas ligeiramente acima dos atuais 95 milhões de barris por dia, mas até 2050 a produção terá de encolher para 45 a 70 milhões de barris, se o mundo quiser conter o aquecimento global entre 1,5 e 2 graus centígrados, acima do nível pré-revolução industrial. Isso estimulará outras fontes mais limpas, e o mercado vai preferir os óleos leves como os da Arábia Saudita, em vez do pesado como o da Venezuela. Nesse horizonte, alguns produtores serão mais vulneráveis que os outros. O Brasil tem vários tipos, que são bem mais leves do que os da Venezuela, mas não chegam ao tipo saudita.

A opinião pública está mudando rapidamente no mundo, ampliando-se o movimento contra as emissões. Portanto, é previsível que haja um aumento das pressões contra fontes fósseis. Quem tem esse ativo no seu subsolo, no nosso caso, no subsolo marinho, sabe que precisa produzir rápido. É isso o que levou talvez a Arábia Saudita a abrir o capital da sua empresa.

O jornal “The New York Times” publica que o aumento de produção nos próximos dois anos de países como Brasil, Noruega, Canadá e Guiana pode adicionar uma oferta que derrubará preços e ameaçar produtores como Arábia Saudita, Rússia e Estados Unidos. Ao mesmo tempo, esse aumento de oferta ocorre quando está perto do começo da queda da demanda.

Um terço do petróleo do mundo é usado em carros e caminhões, que podem eventualmente migrar para o modelo elétrico. O Brasil tem ainda o etanol, e a indústria do setor argumenta que esse combustível, desenvolvido aqui nos anos 70, e que passou por vários avanços, tem vantagens sobre o carro elétrico, cuja produção e descarte de baterias emite muito. Hoje se tenta atrair o consumidor com o balanço mais detalhado das emissões de cada fonte.

A “Economist” diz em seu texto de capa que “um planeta mais limpo é do interesse de todos. Mas uma indústria do petróleo encolhendo pode significar mais, e não menos, turbulência”. A indústria do petróleo no mundo tem US$ 16 trilhões de capital e pelo menos 10 milhões de funcionários. Sua redução sempre será tensa. A revista prevê inclusive a implosão da Opep.

O Brasil está fazendo um megaleilão para tentar recuperar um atraso. No governo Lula, decidiu-se mudar o modelo para partilha no pré-sal, o país ficou cinco anos sem leilão, perdeu um momento de muito interesse na nossa economia e de petróleo em torno de US$ 100. Em 2010, o governo cedeu, mediante pagamento, áreas para a Petrobras explorar 5 bilhões de barris. O que será leiloado agora é o excedente dessa “cessão onerosa”.

O drama que o Brasil vive nas praias não foi provocado por nós, mas ajuda a lembrar como essa é uma riqueza que tem um alto custo ambiental. No último leilão não houve propostas para as áreas ofertadas perto de Abrolhos. Está claro que aquele é um tesouro a ser protegido. O petróleo sempre terá duas faces. O Brasil tem que saber que o interesse nessa fonte declinará em breve. E o dinheiro que vier dela tem que ser bem usado.

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