segunda-feira, 11 de novembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Eles contra eles – Editorial | Folha de S. Paulo

Lula deve acentuar polarização que também beneficia Bolsonaro; perde o debate

Há muito mais dúvidas do que certezas a respeito do futuro político e jurídico do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva —agora livre, mas ainda inelegível, alvo de processos e sujeito a novas jurisprudências.

Fato é que o cacique petista se mostra disposto a empregar sua versão mais messiânica no esforço de despertar uma oposição de esquerda carente de ideias e lideranças. Seus primeiros movimentos fora da cela o confirmam.

No imediato reencontro com palanques e microfones, Lula atacou os inimigos imagináveis: o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro Sergio Moro, claro, mas também milicianos, a reforma da Previdência, Donald Trump e, como seu antípoda, a imprensa.

Ao mesmo tempo, retoma a glorificação de feitos de seu governo —deixando de lado o contexto do período e, mais ainda, os desdobramentos da gestão de sua sucessora.

Chama a atenção, no caudaloso comício em São Bernardo no sábado (9), a ênfase de Lula nos temas econômicos. Chegou a falar de taxa Selic e spread bancário ao discorrer, com boa dose de razão, sobre os efeitos limitados da recente queda dos juros do Banco Central.

O ex-presidente explora o que é ao mesmo tempo um trunfo e uma vulnerabilidade de Bolsonaro.

Trata-se da área em que o governo dispõe de uma agenda coerente e uma equipe qualificada. Ademais, há a expectativa plausível de uma recuperação da atividade, ainda que modesta, capaz de reforçar o capital político do mandatário.

Entretanto as reformas e ajustes em andamento, por necessários que sejam, envolvem temas explosivos como direitos trabalhistas e previdenciários, o valor do salário mínimo, privatizações, o custeio da educação e da saúde.

Sobrarão, portanto, elementos para amparar a tradicional estratégia da esquerda de associar o controle orçamentário à insensibilidade social ou a interesses escusos.

Já se noticia que Lula pretende rodar o país com a justificativa oficial de preparar o partido para as eleições municipais do próximo ano. Ou, mais exatamente, para recolocá-lo como expoente maior de um dos polos do espectro ideológico.

No figurino de mártir, o petista deve acentuar uma polarização que muito interessa também a Bolsonaro —que mais uma vez tem a oportunidade de personificar a vasta rejeição ao lulismo.

Tal modelo de antagonismo tende a alimentar mistificações e investidas populistas de lado a lado. Sataniza-se o oponente a todo momento, no afã de inflamar as próprias hostes militantes.

Ganham os dois protagonistas. Perde, em racionalidade, o debate político e programático.

O alerta que vem com o aumento da desigualdade – Editorial | O Globo

Conflitos em várias partes do mundo mostram que abismo social virou uma condicionante política

Era de se esperar que a aguda recessão de 2015/2016, legada ao país pelos governos lulopetistas, causasse estragos, alguns de efeito prolongado, como o contingente de desempregados — 12,5 milhões de pessoas em setembro, segundo o IBGE. Mas este é só um sintoma da deterioração das condições de vida da população. Há outros. Um retrato contundente dessa realidade está exposto na pesquisa Síntese de Indicadores Sociais, divulgada na quarta-feira pelo IBGE. Segundo o estudo, desde o início da crise econômica, em 2014, 4,5 milhões de brasileiros foram lançados na extrema pobreza, o que representa um aumento de 50% no número de miseráveis em quatro anos.

No ano passado, segundo a pesquisa, 13,5 milhões de brasileiros viviam na extrema pobreza — pelos critérios do Banco Mundial, com menos de R$ 145 por mês. Esse contingente, o maior da série histórica, corresponde a duas vezes a população da cidade do Rio de Janeiro, a segunda maior do país. Entre essas famílias de miseráveis, o rendimento médio no ano passado foi de apenas R$ 69 por mês. De acordo com o estudo, embora em 2018 a economia tenha dado sinais de recuperação, essa ligeira retomada não interrompeu o aumento da miséria.

Não é apenas o quadro atual que preocupa, mas também as projeções para os próximos anos. O diretor da FGV Social, Marcelo Neri, diz que se o Brasil crescer 2,5% ao ano, sem que a desigualdade aumente, somente em 2030 o país retornará ao patamar de extrema pobreza que registrava em 2014 (9 milhões de miseráveis). O que torna difícil cumprir a meta pactuada em 2015 com a ONU, dentro dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), de erradicar a miséria no país até 2030.

Os números mostram ainda que a desigualdade no país tem se acentuado. Nos últimos quatro anos (2014-2018), a renda do 1% mais rico da população cresceu 9,4%, enquanto a dos 5% mais pobres caiu 40%. Um dos motivos para o declínio é o aumento da informalidade.

Nem mesmo políticas públicas voltadas a essa população, como o Bolsa Família, estão conseguindo mudar o quadro. Os R$ 89 mensais (por pessoa) pagos pelo programa estão abaixo do valor que delimita a pobreza extrema.

É preciso refletir sobre o aumento da desigualdade. Os números mostram o agravamento de uma situação que já era das mais complexas. Obviamente, retomar o crescimento é necessário, mas não suficiente. A desigualdade está se tornando condicionante política relevante para todos, como mostram indicadores e pressões sociais tanto no Brasil quanto no Chile, nos Estados Unidos, na França e no Oriente Médio.

No Chile, um simples aumento de tarifa de transporte deu origem a uma convulsão social que não se via no país há décadas. E expôs mazelas, entre elas a desigualdade, que estavam latentes.

É verdade que o governo tem avançado nas reformas — a da Previdência, por exemplo, tem potencial para reduzir desigualdades históricas. Mas há que se ir além. E o essencial é estancar esse processo que arrasta grandes contingentes para a miséria.

Os desafios da Previdência – Editorial | O Estado de S. Paulo

Em dez anos, as desonerações tributárias cresceram 268%, enquanto a receita previdenciária no mesmo período cresceu apenas 24,6%

A reforma da Previdência deve ser celebrada como uma demonstração de maturidade institucional do País. Feitas as contas, porém, fica claro que, mais do que o fim de uma jornada, ela é só o primeiro passo no longo caminho que levará ao equilíbrio das contas públicas. Não se trata apenas de complementá-la com as reformas administrativa e tributária, mas de prosseguir até o fim o saneamento do sistema de aposentadorias e pensões. Em auditoria recente, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que a reforma cobrirá menos de 20% do rombo nos regimes previdenciários. Entre os próximos passos, o mais importante é a reformulação do sistema de Estados e municípios, objeto de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) – a PEC paralela já aprovada em primeiro turno no Senado. Apesar disso, metade dos Estados, como mostrou matéria do Estado, está se antecipando e prepara suas próprias reformas.

Segundo o TCU, são necessários ao menos R$ 5,1 trilhões para tapar o rombo da Previdência entre 2020 e 2029. Para esse período, a economia conquistada com a reforma recém-aprovada é calculada em cerca de R$ 800 bilhões. Mesmo que a reforma de Estados e municípios seja integralmente aprovada, gerará uma economia adicional de R$ 442 bilhões.

Além disso, estão fora da reforma aprovada a previdência das Forças Armadas, que responde por 6% do rombo projetado da Previdência, e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos de baixa renda e deficientes físicos, que representa 11,5% do rombo. A reforma dos militares que tramita no Congresso pode gerar uma economia de R$ 7 bilhões em dez anos, uma parcela inferior a 3% do déficit das aposentadorias militares nesse período, que é de R$ 305 bilhões. Já o BPC, se não for reformulado, será deficitário em R$ 588 bilhões em dez anos.

Entre as várias distorções apontadas pelo TCU está o excesso de renúncias de receitas. Em dez anos, as desonerações tributárias cresceram 268%, enquanto a receita previdenciária no período cresceu apenas 24,6%.

Como há dúvidas sobre a aprovação da proposta de emenda constitucional que aplicaria as modificações já feitas em âmbito federal a Estados e municípios, governo e Congresso já preparam um “plano B”, denominado Lei de Responsabilidade Previdenciária, a fim de induzir os entes subnacionais ou a aderir à reforma federal ou a realizar suas reformas.

Enquanto isso, os Estados fazem bem em não perder tempo e elaborar suas próprias propostas. Em geral, elas tendem a replicar os principais pontos da reforma federal. Entre eles, a idade mínima para a aposentadoria de servidores homens (65 anos) e mulheres (62 anos), com pelo menos 25 anos de tempo de serviço, e também a elevação das alíquotas de contribuição.

Em São Paulo, uma das medidas é aumentar a alíquota previdenciária cobrada aos servidores estaduais de 11% para 14%. O governo de Goiás apresentou uma proposta abrangente, já com a adesão de todos os municípios goianos, prevendo, entre outras coisas, a cobrança de alíquotas extraordinárias em situações de calamidade financeira – como a que o Estado enfrenta atualmente. O Rio Grande do Sul já tem pronto um texto de reforma, bastante alinhado à reforma federal. Rio de Janeiro e Santa Catarina também preparam projetos próprios, e buscam ainda formatar uma proposta conjunta envolvendo os Estados das Regiões Sul e Sudeste.

Essas correções, muitas vezes duras, se devem a anos de irresponsabilidade fiscal por parte de governos que pouco a pouco deformaram imensamente a máquina pública do País e a de cada Estado. Mas, uma vez que a economia até 2022 é pouca, esse é um caso em que os interesses do governo de turno – de curto prazo – e os interesses de Estado – de longo prazo – tendem a ser conflitantes. Por isso, é imperativo que a população de cada Estado una forças à União, pressionando seus respectivos governos e legislaturas de baixo para cima. A alternativa é o colapso.

Animadora disposição política pela reforma fiscal – Editorial | Valor Econômico

O trabalho a se fazer na economia é grande. E os riscos não são poucos, dada a falta de uma base governista sólida

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estimou que o conjunto de reformas fiscais em curso no Brasil deve gerar nos próximos dez anos uma economia entre R$ 1,6 trilhão e R$ 1,8 trilhão. Na conta apresentada em entrevista ao Valor na última sexta-feira, está incluída a já realizada reforma da Previdência, além do recém-enviado pacote que modifica o pacto federativo, aciona gatilho de regras fiscais e permite a extinção de fundos públicos, bem como a reforma administrativa, que está em fase final de elaboração.

Contudo, mais importante que a estimativa de impacto das medidas - que, a esta altura do processo de tramitação, ainda é muito preliminar e sujeita a alterações relevantes no processo legislativo -, é a clara disposição demonstrada por Maia e por seu homólogo do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em fazer andar essa agenda reformista do país.


O deputado destacou a necessidade de se reorganizar o Estado brasileiro, hoje travado por excesso de despesas obrigatórias que a reforma da Previdência sozinha não dá conta de resolver. De fato, mesmo com a contenção que as novas regras para concessão de aposentadorias e pensões trarão para a despesa primária do governo nos próximos anos, o movimento é insuficiente.

Com o teto de gastos em vigor, a maneira que se tem para salvar o pouco de investimento público hoje existente e ampliar a capacidade do Estado para realizar obras é corrigir um defeito original das regras fiscais brasileiras: a falta de mecanismos para acionamento de gatilhos que cortem as despesas públicas.

Tanto a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do pacto federativo quanto a PEC Emergencial criam dispositivos dessa natureza, como a possibilidade de redução de jornada do servidor público e o congelamento de promoções e progressões automáticas de carreiras.

Somente esses dois gatilhos, segundo os cálculos do governo, economizariam R$ 26 bilhões em dois anos e abririam espaço de cerca de R$ 50 bilhões ao longo de uma década para ser gasto em investimento. É um volume importante, mas ainda distante do necessário para consolidar um patamar mais elevado de crescimento para o Brasil.

Nesse sentido, como informou o colunista Ribamar Oliveira, é importante a mudança que permite o acionamento das medidas previstas na emenda do teto de gastos quando as despesas obrigatórias representarem 95% do total de gasto da União. Hoje, elas estão em 93%.

Evidentemente, Senado e Câmara farão mudanças nos textos enviados pelo governo, assim como ocorreu com a reforma da Previdência. As forças políticas e corporativistas, em especial do funcionalismo público, já se articulam na defesa de seus interesses e já conseguiram, antes mesmo de o governo apresentar suas propostas, derrubar algumas ideias, como a desvinculação de benefícios sociais e o fim da estabilidade para servidores atuais.

Mudar os projetos é parte do jogo democrático. Mais que isso, o amplo debate é necessário para que as regras expressem um amplo consenso social em torno da responsabilidade fiscal. A própria equipe econômica demonstra ter consciência disso, pois articulou boa parte das medidas com as lideranças do Congresso e o ministro Paulo Guedes já disse que não tem ponto inegociável nos projetos.

Apesar das recorrentes turbulências políticas enfrentadas pelo Brasil desde janeiro, o governo e o Congresso, na seara econômica, caminham em uma direção consistente para resolver o crônico problema fiscal brasileiro.

Mas o trabalho não pode ficar só no ajuste de longo prazo. É preciso também olhar a necessidade de aceleração do crescimento. Como bem apontou o deputado Rodrigo Maia, movimentos como a reforma tributária e a aceleração das privatizações, para atrair mais recursos privados ao país, também precisam ser intensificados.

O governo precisa enviar logo sua proposta tributária para permitir que o Congresso possa se dedicar com mais afinco também a essa agenda. O trabalho a se fazer na economia brasileira ainda é grande.

E os riscos não são poucos, dada a falta de uma base governista sólida e a aproximação das eleições municipais, que já tendem a contaminar os debates. Por isso, é louvável a postura reformista das principais lideranças do Parlamento e espera-se que haja persistência e convicção nesse caminho.

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