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O mundo não acabou – Editorial | O Estado de S. Paulo
Diante de um julgamento que despertou, como poucas vezes, tantas paixões, é oportuno entender o que de fato foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54, a respeito do início do cumprimento da pena. Concorde-se ou não com a decisão do Supremo, é hora de serenidade, evitando contaminar a discussão com questões políticas ou ideológicas. O aperfeiçoamento do sistema de Justiça não se dá com afrontas, arroubos ou estridências.
Em primeiro lugar, deve-se ressaltar a falta de funcionalidade de um sistema penal que espera o esgotamento de todos os recursos para que se possa iniciar o cumprimento da pena. Não é assim que funciona nos países civilizados. Aguardar o trânsito em julgado é colocar o trabalho da primeira e da segunda instâncias sob uma névoa de dúvida, o que tem muitos efeitos daninhos. Além de sobrecarregar as instâncias superiores, essa condição transmite a mensagem de que as instâncias inferiores não precisam fazer um trabalho impecável. Suas decisões não geram efeitos, estando sempre condicionadas a uma corte superior de revisão. Um bom sistema de Justiça atua de forma oposta, fortalecendo a responsabilidade de cada instância.
Ao longo do julgamento das ADCs 43, 44 e 54, muito se falou na presunção de inocência, o que poderia levar a um engano significativo. O objetivo das três ações não era garantir a extensão desse princípio, mas tão somente esclarecer a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal (CPP). “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”, diz o artigo 283 do CPP.
É a própria lei que condiciona a pena de prisão à “sentença condenatória transitada em julgado”. Dessa forma, por mais equivocado que seja o sistema que impede o início da execução após a decisão de segunda instância, é de reconhecer que o problema tem sua origem na lei, e não na decisão do STF. A correção da distorção deve vir do Legislativo, fazendo as emendas na Constituição e no Direito Processual Penal. E o ministro Dias Toffoli abriu caminho para tal, com seu voto.
Cabe também notar o irrazoável alarmismo suscitado em relação aos efeitos da decisão do STF, como se ela concedesse imediata liberdade aos cerca de 5 mil réus que estão, até agora, cumprindo pena antes do trânsito em julgado. A legislação prevê a possibilidade de decretar prisão “como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal” (art. 312 do CPP). Dessa forma, antes de soltar qualquer preso com base na recente decisão do STF, deve o Judiciário analisar com atenção se há motivo legal para decretar sua prisão preventiva.
Também não há sentido em falar que a decisão do Supremo representa um golpe de morte na Operação Lava Jato. O julgamento das ADCs 43, 44 e 54 refere-se à execução da pena, assunto absolutamente estranho à Lava Jato. Não é papel de uma operação de investigação administrar pena e, menos ainda, interferir na definição das regras e procedimentos aplicáveis ao cumprimento dessa pena, o que seria sintoma de grave confusão de competências.
Houve também tentativas de contaminar a discussão jurídica com questões políticas. Para alguns, a mudança de jurisprudência seria uma manobra para soltar o ex-presidente Lula, o que, dentro dessa visão, representaria o retorno aos “tempos de impunidade”. Para outros, numa lógica igualmente alheia aos fatos, a nova orientação do STF seria uma absolvição do líder petista. No julgamento, os ministros do STF não analisaram nenhum dos vários processos nos quais o ex-presidente figura como réu. E o réu Lula, se não pelo que foi decidido na noite de quinta-feira, seria solto em decorrência da progressão da pena.
É hora de baixar a poeira. Exercendo a sua competência institucional, tal como prevista pela Constituição, o STF analisou a constitucionalidade de um artigo do CPP, declarando-o constitucional. Se o que a lei dispõe traz danos ao sistema de Justiça, o caminho institucional para sua correção é o recurso à Casa da representação do povo. Numa República, esse é o único caminho legítimo e sadio.
Retrocesso penal – Editorial | Folha de S. Paulo
STF reverteu instituto que ajudou a mudar a percepção sobre o alcance da lei
Não é simples explicar para o cidadão leigo por que o Supremo Tribunal Federal mudou três vezes, em menos de 11 anos, o seu entendimento sobre a possibilidade de um condenado à prisão começar a cumprir a pena após perder a apelação em segunda instância.
A tarefa se complica pois, nesse período curto para a dieta das jurisprudências constitucionais, dois ministros —inclusive o presidente, Dias Toffoli— mudaram de ideia. Gilmar Mendes alterou duas vezes a sua opinião, demonstrando eloquência comparável ao defender A, o contrário de A e novamente A.
O comentário realista diria que este é o Supremo Tribunal Federal de que dispomos. Embora longe do ideal, melhor tê-lo como um pivô do regime democrático do que qualquer alternativa. De fato.
Ainda assim, não há dúvida de que a decisão da maioria dos ministros, consumada nesta quinta (7), significa retrocesso, seja para a expectativa de estabilidade na aplicação das normas, seja para a percepção de que a lei atinge a todos, ricos e pobres, sem distinção.
De 2005 —quando nesta Folha o então deputado Roberto Jefferson denunciou um esquema de compra de apoio ao governo— para cá, a única questão substantiva a ser alterada no panorama do direito penal brasileiro foi o aumento da probabilidade de enquadramento de poderosos, nas empresas e na máquina estatal, envolvidos em negociatas com recursos públicos.
O STF foi protagonista nessa trajetória ao julgar com rigor os desmandos revelados no mensalão e ao favorecer a aplicação de instrumentos que ajudaram a recuperar bilhões roubados dos cofres públicos e a condenar figuras que muitos pensavam imunes à punição.
As decisões da corte em 2016, que restituíram a jurisprudência de validar a prisão do condenado em segundo grau, constituíram vigorosa sinalização no mesmo sentido. Ajudaram a mudar a percepção sobre o alcance da lei penal no Brasil.
Infelizmente, o Supremo acaba de apagar esse instituto apenas três anos depois de tê-lo ativado.
As notícias de abusos de autoridades investigativas e judiciais que atuam em casos de corrupção deveriam levar, como estão levando, a revisões pontuais e circunstanciadas dos processos, bem como à punição dos violadores.
É temerário adotar terapia sistêmica para esses males, pois seu efeito colateral provável será estimular os crimes do colarinho branco.
No horizonte das conquistas recentes contra a corrupção, sempre pairou a ameaça da associação tácita entre as possíveis vítimas poderosas e suas clientelas para colocar freios no processo. Após a decisão desta quinta, o STF terá trabalho para convencer o público de que não endossa o chamado acordão.
Leilão do pré-sal mostra que o modelo precisa mudar – Editorial | O Globo
Ficou evidente, já em 2013, que concorrência poderia ser maior não fosse a imposição do sistema de partilha
No seu estilo peculiar, muito franco, o ministro Paulo Guedes, da Economia, resumiu a análise dos resultados do leilão de áreas do pré-sal, na semana passada: “Tivemos uma dificuldade enorme para, no final, nós vendermos para nós”, disse. “Ficamos cinco anos conversando a respeito, fizemos um trabalho espetacular, aprofundando, examinando. Chegou ao final, deu no show .”
“Sumiu todo mundo da sala, só ficou ela lá” , acrescentou, referindo-se à Petrobras. E questionou: “Será que a concessão, que é usada no mundo inteiro, não é melhor que a partilha, que é usada por influência de alguns operadores petroleiros franceses em regimes corruptos na África?”.
Reafirmou-se a necessidade do fim do modelo de partilha, usado na cessão de áreas do pré-sal para exploração, adotado no governo Dilma Rousseff. Isso precisa ser corrigido rapidamente, com mudança para o sistema de concessões.
Foi o modelo de partilha que deixou o Brasil, durante anos, à margem do mapa-múndi dos grandes leilões para exploração de áreas promissoras em petróleo. Perdeu-se tempo e oportunidades numa etapa de alta significativa nas cotações internacionais do petróleo — o barril ultrapassou a barreira dos US$ 100 —, o que sempre aumenta a atratividade desses leilões.
Em 2007, teve-se a confirmação do potencial de óleo na camada do pré-sal. O país esperou cerca de seis anos, entre os governos Lula e Dilma, até a definição do modelo de negócios para essa área. E, em 2013, realizou-se o primeiro leilão pelo modelo de partilha, da área batizada de Libra.
Na época apenas um consórcio se apresentou, com a participação da Petrobras. O bônus de assinatura foi significativo, rendeu R$ 15 bilhões à União, sem considerar a parcela de óleo que será cedida na fase de produção. Porém, confirmou-se a baixa atratividade do modelo.
Ficou evidente, já no leilão de 2013, que a concorrência poderia ter sido maior, não fosse a imposição do sistema de partilha. Essa opção do PT teve inspiração no método disseminado por alguns exploradores franceses na África. Baseia-se em maior ingerência do Estado no negócio de exploração e produção de petróleo.
A versão brasileira foi condimentada com amarras estatais adicionais. Criou-se uma empresa (estatal) para administrar o óleo compartilhado. Estabeleceu-se, também, o monopólio da Petrobras na operação das áreas, ainda com a participação compulsória da empresa (estatal) de no mínimo 30% em todos os consórcios.
O resultado está aí. O país está completando 12 anos de resultados pífios na exploração de petróleo, em contraste com o potencial disponível no pré-sal, pela insistência em um modelo que desde o primeiro leilão se mostra ineficiente para impulsionar a competição setorial e alavancar o crescimento econômico. É preciso mudar, rapidamente.
Da coluna de Fernando Haddad na Folha:
ResponderExcluirO edifício jurídico, abalado pelo populismo, vai lentamente sendo reconstruído pelo STF. Alguns importantes alicerces foram reforçados, mesmo que o solo ainda pareça movediço. O STF disciplinou os abusos da condução coercitiva, dos quais Lula foi vítima, normatizando as condições da sua aplicação.
Graças ao STF, Lula, como qualquer outro cidadão, passou a dar entrevistas, depois de ter sido impedido de fazê-lo durante o período eleitoral por um ministro da corte, em flagrante contradição com o princípio constitucional da liberdade de imprensa.
Lula, um ex-presidente da República, foi impedido de tomar posse como ministro-chefe da Casa Civil, quando nem sequer era réu, a partir do vazamento ilegal de gravações ilícitas, na tentativa bem-sucedida do “juiz” Moro de manipular o STF e a opinião pública. (…)
No que diz respeito a Lula, paciente de tantas arbitrariedades, um último gesto de reconhecimento lhe caberia. Lula foi julgado por um “juiz” parcial. O conjunto de evidências é robusto o suficiente para que suas condenações sejam anuladas. Para que o país tenha um pouco de paz. Porque não há paz sem justiça!
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/fernando-haddad/2019/11/justica.shtml