quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Bruno Boghossian - Pirraça presidencial

- Folha de S. Paulo

Brasileiro demorou a adotar pragmatismo e preferiu investir em implicância ideológica

A agenda oficial não tinha nenhum compromisso extraordinário. Não apareceu nem mesmo um corte de cabelo emergencial, como o que impediu seu encontro com o chanceler da França, em julho.

Jair Bolsonaro passou boa parte da manhã e o início da tarde desta terça (10) em reuniões corriqueiras, mas não foi à posse do novo governo argentino, que acontecia naquele horário. Mandou apenas o vice Hamilton Mourão e protagonizou mais um episódio de pirraça presidencial.

O episódio mostra que Bolsonaro não consegue resistir à tentação de uma implicância ideológica, mesmo que isso possa causar prejuízos ao país. Quando Alberto Fernández e Cristina Kirchner já eram mais do que favoritos na eleição do país vizinho, o brasileiro fez questão de dizer que torcia contra a vitória da dupla.

Num evento no Rio Grande do Sul, em agosto, ele disse ao público que, se "essa esquerdalha" voltasse ao poder na Argentina, haveria o nascimento de uma nova Venezuela, com pobreza e migração em massa.

O presidente criou constrangimento com o principal parceiro do Brasil na região só para satisfazer sua cruzada política. O objetivo era evidente: manter vivos os fantasmas do retorno da esquerda e mobilizar sua própria base eleitoral, às custas das relações diplomáticas do país.

A autossabotagem continuou mesmo depois da eleição da chapa kirchnerista. O fato já estava consumado, mas Bolsonaro disse publicamente que lamentava o resultado e que os vizinhos haviam escolhido mal. Depois, afirmou que não queria se indispor com o novo governo, mas que não cumprimentaria o eleito.

Para completar, o presidente avisou que não iria à posse e escalou para a função o ministro da Cidadania. Depois, mudou de ideia e disse que não mandaria ninguém. Só no fim, foi convencido a enviar Mourão.

Bolsonaro demorou a sorrir amarelo e adotar o pragmatismo necessário em situações como essa. O comportamento errático deve inaugurar uma relação de desconfiança com o novo governo vizinho.

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