- Valor Econômico
Ascensão de um polo político ambiental terá enorme impacto
Ainda é comum ouvir no Brasil que a reação europeia aos problemas ambientais brasileiros é protecionismo disfarçado ou neocolonialismo. Isso é miopia, pois perde de vista o ponto principal, que é o aparente surgimento de um novo polo na política ocidental: a utopia ambientalista. Essa deve ser uma megatendência deste século, que afetará vários aspectos de nossas vidas: o modo como produzimos, consumimos, nos alimentamos. A ativista sueca Greta Thunberg deu uma cara ao movimento.
Há mais de dois séculos a política no Ocidente é dominada por uma contraposição entre a utopia da liberdade e a utopia da igualdade, que deram origem à maioria dos modernos partidos de direita e de esquerda, respectivamente. Essas ideias são centrais no Iluminismo e irromperam violentamente na Revolução Francesa, de 1789. São resumidas no primeiro artigo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, daquele mesmo ano: “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos”.
Desde então discute-se o que é ser livre e ser igual, mas essas duas utopias formam a base da política ocidental, que o Brasil herdou. É importante lembrar que esses conceitos nunca penetraram totalmente em sistemas políticos não ocidentais. Frequentemente tentamos ver o restante do mundo sob a ótica dessa dicotomia direita x esquerda. Isso é um equívoco.
A história do Ocidente sugere que os países que souberam equilibrar ou combinar melhor as utopias da liberdade e da igualdade são os que mais prosperaram. Possivelmente, com o tempo, a concorrência entre elas foi refinando esses dois polos, que competem, porém também colaboram entre si e se influenciam. Assim, querer eliminar o outro lado é contraproducente.
Assistimos agora ao que parece ser um fenômeno político novo: a ascensão da utopia ambientalista, que coincide e se alimenta da preocupação com o aquecimento global e suas consequências. Essa expansão tem várias frentes, como a crescente importância dos partidos verdes, a penetração da agenda ambiental nos demais partidos, e um ruidoso movimento não partidário, que tem capturado os corações e mentes de jovens pelo mundo.
Partidos verdes não são novidade. Surgiram na década de 1970, na Nova Zelândia e na Europa. Mas, nos últimos anos, estão crescendo e se tornando atores políticos mais relevantes. Os partidos verdes são mais fortes nos países mais prósperos do norte da Europa. Estão no governo na Dinamarca, Suécia, Finlândia, em Luxemburgo, mas também em Portugal e na Nova Zelândia. O bloco verde é o quarto maior no Parlamento Europeu. O presidente da Áustria é do partido verde. Os verdes são uma opção de governo na Alemanha, caso a premiê Angela Merkel (democrata-cristã) perca o apoio do Partido Social Democrata. A CDU, de Merkel, e os verdes já governam, juntos, o terceiro maior Estado alemão, Baden-Württemberg. Pesquisas indicam que os verdes podem se tornar o segundo maior partido no país. Toda essa proximidade do poder é algo inédito.
Essa prevalência nas áreas mais ricas da Europa pode indicar que, satisfeitas necessidades básicas e avançadas as agendas de liberdade e de igualdade, a preocupação ambiental sobe junto à população. Onde são fortes, os verdes em geral parecem representar uma ameaça maior aos partidos tradicionais de centro-esquerda. Mas também se tornam um aliado provável de governos da esquerda. Há exceções, como a Letônia e a Lituânia, onde os verdes formaram um bloco com partidos agrários de direita.
Mas a utopia ambientalista não se resume a partidos verdes. O discurso ambiental vem há tempos penetrando nos partidos tradicionais, da esquerda à direita. Partidos de esquerda parecem mais abertos ao tema, mas há vários exemplos à direita também. Na Alemanha, Merkel decidiu fechar gradualmente as usinas nucleares do país, medida apoiada pelos ambientalistas, e promove uma agressiva política de conversão energética para fontes renováveis.
E a utopia ambientalista transcende ainda a política partidária. O movimento de greves de estudantes convocado por Greta Thunberg driblou a estrutura política tradicional e falou diretamente aos jovens. Quando a ativista sueca ataca os governos, não faz distinção entre esquerda e direita. Todos estão fracassando no combate ao aquecimento e em outros temas ambientais importantes.
Assim, quando o presidente francês, Emmanuel Macron, ou outro político europeu, critica as queimadas no Brasil, não é mais por protecionismo nem por colonialismo. É pela própria sobrevivência política, num ambiente eleitoral cada vez mais sensível ao tema ambiental. Na Austrália, o governo do premiê liberal Scott Morrison, que rejeita o combate ao aquecimento global, está sob forte críticas num momento em que o país vive uma onda calor recorde e incêndios florestais devastadores.
Não está claro quanto nem como essa utopia ambientalista penetrará em locais onde as utopias liberal e igualitária avançaram menos, como no Brasil e em outras partes subdesenvolvidas do mundo, onde necessidades básicas ainda não foram satisfeitas. Karl Marx previa que o comunismo, um produto extremo da utopia igualitária, avançaria nos países europeus mais ricos. Acabou tomando o poder primeiro na atrasada Rússia czarista.
A utopia ambientalista tem o potencial para trazer mudanças sócio-econômicas de dimensão similar às geradas pelas utopias iluministas, que transformaram o mundo nos últimos dois séculos. A União Europeia ameaçou neste mês adotar tarifas relacionadas às emissões de carbono de seus parceiros comerciais. É bem provável que os países que saírem à frente na adoção da economia circular (que prevê que os produtos devem ser projetados e feitos para serem totalmente reciclados e reaproveitados) vão barrar a entrada de produtos que não cumprirem com esse requisito.
Os mercados mudarão para se adaptar à utopia ambientalista. Empresas serão cada vez mais cobradas. Segundo estudo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), divulgado na recente conferência do clima de Madri, só 30% das empresas brasileiras desenvolveram algum plano de descarbonização e só 10% têm o plano em andamento para ser finalizado até 2022. Isso não atende à geração Greta. Hoje essa utopia é mais forte na Europa. Mas e amanhã?
Utopia para beneficiar países avançados na concorrência comercial, mas dificultando o acesso às pessoas que ainda não supriram suas necessidades básicas.
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