terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Josias de Souza - Huck encara sucessão de 2022 como ‘maratona’

Blog do Josias | Uol

Candidato não declarado ao Planalto, o apresentador Luciano Huck, da TV Globo, compara seu projeto presidencial com uma corrida de longa distância. "Ele diz: 'Tenho que ter cuidado, porque isso é uma maratona", conta Roberto Freire, presidente do Cidadania, partido que ambiciona a filiação de Huck.

Numa maratona, o corredor precisa combinar força física e equilíbrio mental. Quem se deixa levar pela ansiedade, apressando demais o passo na largada, arrisca-se a perder o fôlego antes de cruzar a linha de chegada. "Ele está certo. Faltam três anos para a eleição. Não tem razão para se precipitar", aprova Freire.

No caso de Huck, a ausência de pressa não se confunde com inação. Ao contrário, ele segue uma estratégia metódica. Na prática, realiza uma campanha invisível. Percorre o país, reúne-se com lideranças comunitárias locais, apoia movimentos apartidários de formação política e articula-se com um seleto grupo de políticos e formuladores de políticas públicas.

Nos últimos meses, Huck conversou com políticos de quatro partidos: Cidadania, PSDB, DEM e Podemos. Em privado, alguns dos interlocutores declaram-se impressionados com a desenvoltura do personagem. Os mais impactados avaliam que o astro de TV reúne potencial para se firmar como novidade em meio à polarização que opõe Jair Bolsonaro e Lula.

• Alternativa à polarização
No inicio de novembro, Huck reuniu-se em Brasília com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM. Já havia conversado com o presidente da legenda, Antônio Carlos Magalhães Neto, prefeito de Salvador. Ao trocar ideias com os correligionários, Maia disse apostar que a sociedade vai se cansar da disputa entre polos extremos.

O DEM sonha com a candidatura de Maia, mantém um pé na canoa do governador paulista João Doria (PSDB) e tem três filiados na equipe ministerial de Bolsonaro. Mas o presidente da Câmara avalia que, se a economia não deslanchar, o eleitor pode encontrar em Huck a novidade que procurava ao optar por Bolsonaro na sucessão de 2018.

Roberto Freire faz a mesma aposta: "A sociedade vai fugir da polarização. Não dá mais para votar num candidato apenas para evitar o outro. Isso é um desastre para o país. É preciso construir uma alternativa que expresse o desejo de votar em algo mais construtivo. O Huck reúne as condições para representar esse desejo".

Freire escora suas impressões numa pesquisa nacional feita por encomenda do Cidadania. "A pesquisa revela que, fora da polarização, Huck representa uma alternativa forte contra qualquer um dos dois extremos: o bolsonarismo e o lulopetismo. Ele reúne características que o tornam politicamente viável".

• Forte entre os pobres
Freire resume assim as linhas gerais da sondagem: "Huck é muito forte nas classes C e D, onde o Lula também é forte. Na classe B, de onde vem a maior força de Bolsonaro, o Huck aparece razoavelmente bem, acima do Lula. Na classe A, de maior renda, o Huck tem um certo obstáculo. Muitos o enxergam apenas como um apresentador de televisão. Não é só preconceito. Há também a ideia de que ele não tem experiência."

Indagado sobre os percentuais de intenção de voto amealhados por Huck, Freire se absteve de informar. Alegou que a pesquisa foi feita apenas para consumo interno. Mas declarou que, em temos quantitativos, os resultados ficaram "muito parecidos" com os de outra pesquisa, divulgada em outubro.

Referia-se a um levantamento feito pela empresa FSB, em parceria com a revista Veja. Nele, Huck oscila no primeiro turno entre 11% e 16%, dependendo do cenário. Num hipotético segundo turno contra Jair Bolsonaro, Huck perderia por 43% a 39%. Esse placar está no limite da margem de erro da pesquisa, que é de dois pontos percentuais —para cima ou para baixo.

Os entusiastas da candidatura presidencial de Huck enumeram os fatores que fariam dele um rosto adequado para representar as forças de centro na próxima sucessão presidencial. Vão abaixo, em dez tópicos, os pontos fortes de Huck na visão dos seus apoiadores:

• A campanha invisível
1) Nas viagens que realiza para gravar os quadros do seu programa, exibido nas tardes de sábado na TV Globo, Huck estabelece contatos com lideranças comunitárias e formadores de opinião nos estados. Prioriza as regiões Nordeste e Norte.

2) Huck organiza os seus contatos no formato de uma rede, apresentando uns aos outros. Imagina constituir uma estrutura orgânica, acima dos partidos.

3) O apresentador mantém vínculos com movimentos suprapartidários de formação política, como o Agora! e Renova.

4) Conforme a contabilidade de um dos apologistas de Huck, os grupos comunitários e os movimentos de formação política devem enviar às urnas na eleição municipal de 2020 algo em torno de 2 mil candidatos a vereador.

5) Trabalha-se com a perspectiva de que boa parte desses candidatos, em sua maioria jovens e novatos na política, componham a base de apoiadores de uma ainda hipotética candidatura presidencial de Huck.

6) "O que está sendo feito é algo orgânico, absolutamente novo, que não existe em nenhum partido", entusiasma-se o apoiador de Huck.

7) Simultaneamente, Huck se equipa para a disputa estreitando relações com políticos e técnicos. Conserva os contatos já consolidados com gente como o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso, o ex-governador capixaba Paulo Hartung e o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. E adiciona nomes novos ao seu WhatsApp.

8) No PSDB, Huck aproxima-se, por exemplo, do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. No DEM, além de Maia e ACM Neto, achega-se ao ex-deputado pernambucano Mendonça Filho, que realizou uma gestão bem avaliada como ministro da Educação do governo de Michel Temer.

9) Afora o assessoramento econômico e administrativo que obtém de Armínio e Hartung, Huck estreita relações com especialistas em áreas estratégicas como a segurança pública. Por exemplo: Ilona Szabó, diretora do Instituto Igarapé; e Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública da gestão de Temer.

10) Os críticos avaliam que a demora de Huck em assumir-se como candidato prejudica suas pretensões políticas. Os conselheiros do apresentador discordam. Acreditam que sua presença no vídeo, associado a quadros em que aparece como benfeitor de pessoas humildes, funciona como um poderoso palanque eletrônico.

• Caminho sem volta
Pelo menos um dos conselheiros políticos de Huck rumina uma dúvida quanto à sua disposição para inaugurar uma carreira política. Em conversas francas, chegou mesmo a aconselhar o apresentador a refletir profundamente sobre a iniciativa, pois tomará "um caminho sem volta".

"Tivemos duas ou três conversas na casa dele", contou o interlocutor de Huck. "Eu disse para ele: Acharei ótimo se você vier. Mas não ficaria bem se não o aconselhasse a pensar profundamente. É como se você tivesse que morrer para renascer num outro personagem. Uma celebridade é, de certo modo, uma unanimidade. Um político divide opiniões, vai ser xingado, terá a vida devassada, vai expor a família."

De saída, Huck terá de se desligar da Globo. Perderá o faturamento milionário de patrocinadores que não convivem bem com a ideia de vincular suas marcas a um projeto político. Isso já ficou claro em 2018. Por tabela, Huck prejudicará a carreira de sua mulher, Angélica, também contratada da emissora.

Em privado, Huck declara ter despertado para a política depois que sobreviveu, junto com Angélica e os dois filhos, a um acidente aéreo, em 2015. Diz que o episódio o estimulou a pensar em formas de colaborar com o país. Obteve a concordância de Angélica. Ela disse que apoiará a decisão do marido, seja qual for.

• Candidatura é 'um chamado'
Há dois meses, numa entrevista à revista Marie Claire, Angélica referiu-se à eventual candidatura de Huck como "um chamado que ele não buscou". Declarou: "Acredito na capacidade de trabalho e no olhar para o outro que ele tem. Mas é uma escolha minha? Que acho muito legal? Não posso falar isso porque não seria verdade. Teríamos mais a perder do que a ganhar. Mas estamos em um momento tão louco na política que não quero, jamais, ser egoísta e leviana de impedir algo nesse sentido. Jamais falaria 'não, você não vai'."

"Em algum momento, o Huck terá que tomar a atitude", afirma Roberto Freire. "Como se trata de uma maratona, ele vai levando. Não tem motivo para precipitar. Ele tem que ficar à vontade para definir o momento. Cada um sabe onde o calo aperta. Mas creio que tudo está absorvido".

Huck ensaia o ingresso nos quadros do Cidadania desde o final de 2017, quando o partido ainda se chamava PPS. Disse a Freire que pendia para a legenda porque não está associada a nenhum escândalo.

Desde então, o ex-PPS vem se reestruturando para absorver em seus quadros os jovens egressos dos movimentos suprapartidários de formação política. Líder do Cidadania na Câmara, o deputado Daniel Coelho (PE), também simpático à ideia de uma candidatura presidencial de Huck, disse que o movimento é de mão dupla. Membros do Cidadania também se integram aos movimentos.

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