domingo, 1 de dezembro de 2019

Luiz Carlos Azedo - Era uma vez em… Alter do Chão

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“No caso de DiCaprio, Bolsonaro comprou mais uma briga gratuita, que queima o filme do Brasil na opinião pública mundial. É difícil explicar o que se ganha com isso”

Nono filme de Quentin Tarantino, Era uma vez em…Hollywood estreia nesta semana na tevê a cabo brasileira. É o filme com melhor bilheteria do diretor norte-americano no Brasil, com uma dupla de astros de primeiro time contracenando nos papéis principais: Leonardo DiCaprio e Brad Pitt. Todos os filmes de Tarantino (Cães de aluguel, Pulp fiction, Kill Bill, Bastardos inglórios, Jack Brown, Os oito odiados, Django livre), com antológicas e sutis recriações nos remetem a outros grandes cineastas que o diretor admira, como Martin Scorcese, Francis Ford Copolla, William Friedkin, Peter Bogdanovich, Steven Spielberg, George Lucas e Roman Polanski.

O filme retrata o ambiente da virada dos anos 1960 para 1970, quando o cinema passou por uma mudança radical, com as megaproduções dos grandes estúdios sendo ultrapassadas por filmes mais autorais e baratos, como Sem destino, lançado em 1969, um road movie americano de 1969, escrito por Peter Fonda, Dennis Hopper e Terry Southern. Produzido pelo primeiro e dirigido pelo segundo, ambos estrelando a película, revelou Jack Nicholson, que roubou a cena. Era o auge do movimento hippie e do “paz e amor”, cuja aura foi abalada pelo famoso caso da Família Manson, uma seita de fanáticos transgressores liderada por Charles Manson, que ordenou a seus seguidores uma série de assassinatos, entre os quais, o da atriz Sharon Tate.

A história de Rick Dalton pode lrender outro Oscar para Leonardo DiCaprio, por sua magnífica atuação. O personagem é protagonista de uma série de faroeste de sucesso na tevê, mas fracassa no cinema. Sobrevive encenando pontas em outras séries na telinha, enquanto busca a grande chance. Tem ao seu lado o amigo e alter ego Cliff Booth, interpretado por Brad Pitt, seu dublê em cenas de perigo e braço direito no dia a dia. Simultaneamente, nasce uma nova estrela em Hollywood: Sharon Tate, no filme O bebê de Rosemary, encenada por Margot Robie. Casada com Roman Polanski, o diretor do filme, a atriz se torna vizinha de Dalton. É um filme sobre os bastidores do cinema e seus protagonistas num momento de revolução dos costumes, com contradições tipicamente norte-americanas.


Tiro no pé
Pois não é que Bolsonaro resolveu comprar uma briga gratuita com Leonardo DiCaprio, acusando-o de financiar queimadas criminosas na Amazônia por meio de doações à WWF, organização governamental que atua na área ambiental. “Agora, o Leonardo DiCaprio é um cara legal, não é? Dando dinheiro para tacar fogo na Amazônia”, disse. Bolsonaro já havia atacado o ator durante live nas redes sociais, na qual o acusava de financiar quatro jovens integrantes da Brigada de Incêndio de Alter do Chão presos, na terça-feira, por suspeita de incêndio criminoso na Área de Proteção Ambiental de Alter do Chão.

“O pessoal da ONG, o que eles fizeram? O que é mais fácil? Botar fogo no mato. Tira foto, filma, a ONG faz campanha contra o Brasil, entra em contato com o Leonardo DiCaprio, e o Leonardo DiCaprio doa 500 mil dólares para essa ONG. Uma parte foi para o pessoal que estava tocando fogo, tá certo? Leonardo DiCaprio tá colaborando aí com a queimada na Amazônia, assim não dá”, disse Bolsonaro. O ator negou as acusações, reiterou apoio ao movimento ambientalista, mas negou ter financiado os quatro jovens, cuja prisão foi relaxada pelo próprio juiz que os mandou prender, por falta de provas conclusivas. No comunicado, Di Caprio disse ter orgulho de colaborar com grupos que protegem ecossistemas e saiu por cima: “o povo brasileiro está trabalhando para salvar seu patrimônio natural e cultural”.

Bolsonaro gosta de atirar primeiro e perguntar depois. Tudo indica que tirou suas conclusões de uma coletiva de imprensa do delegado de Polícia Civil do Interior, José Humberto Melo Jr, já afastado do cargo. “Percebemos que a pessoa jurídica deles conseguiu um contrato com a WWF, venderam 40 imagens para a WWF para uso exclusivo por R$ 70 mil, e a WWF conseguiu doações, como a do ator Leonardo DiCaprio, no valor de US$ 500 mil, para auxiliar as ONGs no combate às queimadas na Amazônia”, disse Melo Jr.

A WWF Brasil informou que tem contrato de técnico-financeiro com o Instituto Aquífero Alter do Chão, e que o valor de pouco mais de R$ 70 mil foi destinado à compra de equipamentos para as atividades de combate a incêndios florestais pela Brigada de Alter do Chão. Presidente da República não pode tirar conclusões precipitadas. No caso de DiCaprio, Bolsonaro comprou uma briga gratuita, que queima o filme do Brasil na opinião pública mundial. É difícil explicar o que se ganha com isso. Ademais, como no filme de Tarantino, entramos no túnel do tempo. Revivendo polêmicas dos anos 1960 e 1970 cujos traumas estão sendo resgatados da pior forma possível. Sempre haverá uma parcela da população que sonha com a volta ao passado, porém, essa é uma agenda regressiva de governo, um fator de desagregação nacional.

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