terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Luiz Carlos Azedo - Ídolos com pés de barro

- Nas entrelinhas | Crreio Braziliense

Uma das histórias mais conhecidas do Livro do Antigo Testamento é a interpretação de um sonho do rei da Babilônia Nabucodonosor II, assim traduzido pelo profeta Daniel: “Ó rei, tu tiveste uma visão. Eis que uma grande, uma enorme estátua se levantava diante de ti; era de um brilho extraordinário, mas de um aspecto terrível. Esta estátua tinha a cabeça de ouro fino, o peito e os braços de prata, o ventre e as ancas de bronze, as pernas de ferro, os pés metade de ferro e metade de barro”.

Nabucodonosor II contemplava a estátua quando uma pedra se desprendeu da montanha, sem intervenção de mão alguma, e esmigalhou os pés da estátua, porque a argila e o ferro nunca deram boa liga. “Então, na queda, com a mesma pancada foram feitos em pedaços o ferro, o barro, o bronze, a prata, o ouro”, que viraram pó e foram levados pelo vento sem que deixassem vestígios, uma óbvia analogia com a ascensão e queda dos impérios.

Além de grande guerreiro e estrategista militar, Nabucodonosor II foi responsável por transformar a Babilônia em uma cidade de gigante imponência. Sua construção mais famosa são os Jardins Suspensos da Babilônia, uma das sete maravilhas do mundo antigo. Na narrativa bíblica, era um rei pagão, que havia sido designado por Deus para cumprir seus propósitos. Seu reinado é o contexto da vida dos profetas Jeremias, Ezequiel e Daniel.

No segundo sonho narrado por Daniel, Nabucodonosor II viu uma grande árvore sendo cortada. Ao interpretá-lo, o profeta previu que o rei seria castigado por seu orgulho com sete anos de loucura, o que teria acontecido, na narrativa bíblica. Nesse período, acreditava ser um animal, um caso severo de licantropia clínica, segundo os especialistas. Quando recobrou o entendimento, obviamente, deu glória a Deus. Nabucodonosor morreu entre agosto e setembro de 562 a.C., com aproximadamente 70 anos de idade. Sucedido por seu filho, Evil-Merodaque, pouco depois o Império Babilônico entrou em declínio, sendo liquidado pelos persas.

Como sabemos, a Era dos Impérios acabou com o fim do colonialismo, mas os ídolos de pé de barro continuaram se multiplicando mundo afora. Os sonhos de Nabucodonosor II, por isso mesmo, se tornaram uma espécie de lição para os políticos não se embriagarem com o poder. No momento, na constelação de políticos em grande evidência, três astros brilham mais do que os demais. O presidente Jair Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Justiça, Sérgio Moro. É dispensável dizer quem no momento encarna com perfeição a passagem bíblica, mas essa história se repete com muita frequência na política brasileira, e ninguém tem o monopólio do papel de ídolo com pés de barro.

O novo mito
A novidade da pesquisa DataFolha, divulgada ontem, é o alto índice de aprovação do ministro da Justiça, Sérgio Moro, com 53% de bom e ótimo, 23% de regular, 21% de ruim e péssimo, em meio à desaprovação do governo Bolsonaro, que tem 36% de ruim e péssimo, 32% de regular e 30% de bom e ótimo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, o segundo mais bem avaliado, vem bem atrás: 39% de ótimo e bom, 33% de regular e 23% de ruim e péssimo.

Esse resultado, se for mantido nesse patamar, obviamente, transformará Moro numa alternativa de poder em 2022. Uma contradição política como essa, quando aflora, pode ser antagônica ou não. Tudo vai depender do nível de entendimento entre Bolsonaro e Moro daqui para frente. Se se tornar antagônica, Moro terá de sair do governo. A pesquisa reflete uma realidade na qual Bolsonaro está sofrendo os desgastes da desaprovação de seu governo, ao contrário do seu ministro da Justiça.

Moro empunha sozinho a bandeira da ética, por causa do caso Queiroz, e divide com Bolsonaro a bandeira da ordem. Uma parte da oposição, ao se alinhar com o ministro da Justiça, acaba projetando sua liderança ainda mais. O ex-juiz federal de Curitiba não é nem corre o risco de virar um ídolo com pés de barro, como Lula e Bolsonaro, respectivamente. Ainda encarna o mito do herói por sua atuação na Operação Lava-Jato. O herói é sempre aquele que entra em ação quando os outros estão paralisados. Realiza aquilo que outro poderia ter feito, mas não fez; ou melhor, o que todos os demais deixaram de fazer.

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