sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Murillo de Aragão - Participação, política e sociedade

- Revista Veja

O Brasil precisa de mais transparência no sistema partidário

Repousa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um questionamento — amparado pelos partidos PP e Solidariedade — sobre as atividades da Renova BR, uma associação educacional que oferece cursos de formação política e que instruiu diversos candidatos vitoriosos no pleito de 2018.

Os partidos questionam o fato de movimentos como o mencionado coletarem recursos que não são declarados à Justiça Eleitoral e que seriam usados para “destruir os partidos”, conforme afirmou o deputado federal Paulinho da Força, presidente do Solidariedade.

Não é verdade. Usando da liberdade de associação para fins lícitos, vários movimentos se voltaram à formação de cidadãos interessados em atuar na política e disputar eleições. Os movimentos de renovação política, em seu conjunto, estimularam mais de 500 candidatos nas eleições passadas e elegeram 54 deputados federais. Um resultado espetacular em uma sociedade que até bem pouco tempo atrás não revelava maior interesse em participar do processo político.

Ao se organizarem ao largo dos partidos, os movimentos de participação política incomodam profundamente as estruturas tradicionais de poder. Isso porque romperam o monopólio de mobilização e impuseram suas candidaturas a partir do apoio que obtinham na sociedade.

“Ao se organizarem ao largo dos partidos, os movimentos incomodam as estruturas de poder”

Recentemente, a presidente do TSE recebeu a visita de representantes de movimentos e organizações da sociedade civil. Eles haviam ido cobrar do tribunal maior transparência no uso e na distribuição dos recursos dos fundos partidários e eleitorais — tudo o que a maioria das legendas não deseja.

Para quem defende uma democracia robusta, é um grave equívoco considerar os movimentos elementos de destruição de partidos políticos. Pelo contrário. Não é novidade que as siglas vivem uma grave crise de representatividade há tempos e que a maioria se transformou em clubes fechados financiados pelos cofres públicos e com precária fiscalização.

A organização de movimentos que visam à atividade política — seja a partir de mobilização, seja por meio de formação — serve de fonte de atuação e renovação do sistema político nacional. Naturalmente, desde que dentro dos marcos constitucionais. Assim, os partidos deveriam estimular a integração com os movimentos.

No atual estágio de nossa democracia, a participação da sociedade no debate político é essencial. Sem ela, corremos o risco de não passarmos de uma autocracia disfarçada de democracia e controlada por oligarcas de legendas de mentira.

Movimentos de renovação política ameaçam, sim. Mas apenas os maus dirigentes partidários, vale dizer, aqueles que querem o controle opaco de verbas e privilégios. Daí existirem resistências contra tais organizações. Já quando a sociedade se mobiliza de forma genuína, os movimentos de renovação política podem apresentar o mesmo efeito das cheias do Nilo, fertilizando as várzeas e melhorando as colheitas.

O cientista político americano Robert Dahl considera que o ideal em uma democracia é que ela seja sustentada por uma coletividade ampla. É o que ele chama de poliarquia. Os movimentos de renovação política ampliam o número de atores participantes no jogo de poder. Cabe ao Poder Judiciário, portanto, assegurar que recebam a devida proteção nos termos da nossa Constituição, seja no que toca à liberdade de expressão, seja no que se refere aos direitos de associação e de pluralismo de educação.

Publicado em VEJA de 11 de dezembro de 2019, edição nº 2664

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