domingo, 1 de dezembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

Amadorismo- Editorial | O Estado de S. Paulo

Em sessão conjunta na quarta-feira passada, o Congresso derrubou nada menos que 7 de 11 vetos apostos pelo presidente Jair Bolsonaro a projetos de lei. E é possível que, na semana que vem, outras dezenas de vetos tenham o mesmo destino. Segue, assim, a toada de um governo que se recusa a organizar uma base parlamentar capaz de sustentar as iniciativas de interesse do Palácio do Planalto.

Ao final do primeiro ano do mandato, está cada vez mais claro que o Executivo, sob Bolsonaro, está se tornando progressivamente irrelevante na definição da agenda política nacional, o que é um fenômeno exótico em se tratando de um regime presidencialista – e potencial gerador de incertezas para investidores e cidadãos em geral.

Tem sido comum que medidas adotadas pelo governo que afetam a vida de pessoas e empresas sejam derrubadas ou simplesmente caduquem por falta de empenho do presidente em sustentá-las no Congresso, causando transtornos e, no limite, descrédito. E, como se sabe, o pior que pode acontecer ao Estado é a anomia – ou seja, a condição em que a autoridade estatal não é mais reconhecida pelos cidadãos, seja porque estes se convenceram de que a lei não é para todos, seja porque a barafunda legal os impede de saber o que vale e o que não vale. Este último é precisamente o caso do governo de Bolsonaro, uma usina de medidas que, não raro, não valem o papel em que estão escritas.

Muitas dessas decisões, é bom que se diga, não deveriam mesmo prosperar, quer porque seriam prejudiciais ou inúteis ao País, quer porque eram simplesmente ilegais. Outras, no entanto, deveriam ser mantidas, como o veto presidencial à permissão para que parlamentares aumentem o quanto quiserem o fundo eleitoral, destinado a financiar campanhas. Essa permissão está na minirreforma eleitoral aprovada em setembro passado. Ao derrubarem o veto de Bolsonaro, os parlamentares se deram o direito de definir o valor do fundo eleitoral já para o pleito do ano que vem – e há líderes partidários que pretendem fazer o montante chegar a R$ 4 bilhões, ante R$ 1,7 bilhão na eleição do ano passado.

Ou seja, a excrescência de um fundo público destinado a bancar campanhas eleitorais não só foi mantida, como terá seu já bilionário valor multiplicado por dois – ou até mais, a depender da sanha de partidos que, por sua gritante irrelevância como representantes de legítimos interesses da sociedade, não conseguem convencer os eleitores a financiá-los, como deveria ser.

O mais espantoso é que o veto do presidente Bolsonaro foi derrubado com a ajuda dos próprios governistas, segundo informa reportagem do Estado. E não foi a primeira vez que isso aconteceu – basta lembrar que em diversos momentos da tramitação da reforma da Previdência, por exemplo, alguns parlamentares alinhados ao governo atuaram como se fossem da oposição. Não se pode culpá-los, pois até o presidente Bolsonaro manifestou reticências sobre a reforma e defendeu a manutenção de privilégios previdenciários de algumas corporações.

Hoje, é impossível saber qual é a base do presidente no Congresso, pois nem mesmo partido político Bolsonaro tem, já que recentemente deixou o PSL, pelo qual foi eleito. Também não se sabe quem se responsabiliza pela articulação política, pois o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, suposto coordenador da base, é visto como omisso – e, como agora, frequentemente é alvo da ira de parlamentares por descumprir as promessas que faz, em nome do governo, em troca de votos.

O presidente Bolsonaro dá a esse amadorismo o nome de “nova política”. Julga que sua tarefa inclui abarrotar o Congresso de decretos, medidas provisórias e propostas de emenda constitucional sem definir prioridades, esperando que os parlamentares os aprovem simplesmente porque é isso o que o presidente da República espera, sem necessidade de negociação. Por ora, há um alinhamento das lideranças do Congresso com alguns dos principais pontos da agenda econômica de Bolsonaro, mas hoje está claro que se trata de mera coincidência. Se o presidente Bolsonaro pretende governar de verdade, é melhor que mostre disposição e talento para isso.

Febre cambial – Editorial | Folha de S. Paulo

Alta do dólar pode ser explicada ao menos em parte por transformações econômicas

Em um país com histórico de reviravoltas na política econômica, não deixa de ser natural a busca por referências de estabilidade. No Brasil, altas abruptas na cotação do dólar frequentemente tendem a ser tomadas como sinalização de crise na economia.

Foi assim nos últimos dias, com a rápida desvalorização do real, cuja cotação bateu sucessivos recordes ante o dólar e suscitou intervenções do Banco Central.

Declarações desastradas de autoridades certamente contribuíram para tal comportamento. O ministro da Economia, Paulo Guedes, por exemplo, afirmou não estar preocupado com o patamar atual, que deve ser duradouro. Sua grotesca referência ao AI-5 da ditadura militar tampouco contribui para aumentar a confiança no país.

Ainda assim, cabe considerar se as oscilações da moeda sugerem problemas. Para tanto, a mera observação de preços pode não ser informativa. Basta dizer que o patamar atual, acima de R$ 4,20, embora nominalmente elevado, está distante do recorde observado em 2002 corrigido pela inflação —próximo a R$ 7,5 por dólar.

A desvalorização do real incentiva exportações, estimulando, de imediato, a atividade econômica. Por outro lado, o encarecimento dos equipamentos importados compromete o investimento. Mudanças nos preços de itens centrais da pauta comercial, como matérias-primas, também interferem.

Já no mercado financeiro, o câmbio se comporta como um ativo sujeito aos humores dos investidores, que por vezes tendem a conferir caráter especulativo às cotações. É justamente esse efeito que o Banco Central busca combater com suas intervenções, além de levar em conta eventuais impactos secundários na inflação.

Nada disso constitui novidade. A mudança verdadeira se dá na política econômica. O cenário de austeridade fiscal e juros baixos, com a taxa do BC em 5% ao ano, altera o comportamento da moeda.

Reduz-se, por exemplo, a atratividade de fluxos de curto prazo que se aproveitavam do diferencial de rentabilidade em relação ao restante do mundo, o que é bem-vindo.

Mudanças nas estatísticas, além disso, mostraram que o déficit externo brasileiro é bem maior que o estimado antes, mesmo com a economia ainda cambaleante.

Tudo isso sugere que a cotação necessária para equilibrar os mercados pode mesmo ser mais alta. Sem que o país apresente problemas de financiamento externo, e dadas as altas reservas internacionais, a febre cambial não parece ser indicativa de doença mais grave.

Câmara avalia inépcia na gestão da educação – Editorial | O Globo

Relatório de comissão retrata fragilidades em área essencial ao desenvolvimento

Onze meses depois de iniciado, o governo Jair Bolsonaro demonstra enfrentar problemas de eficiência administrativa em áreas relevantes. A educação é uma delas, confirma uma comissão da Câmara encarregada de analisar a condução da política setorial e o desempenho da burocracia ministerial.

Trata-se de ação importante do Legislativo na avaliação de políticas públicas. Os diagnósticos da comissão refletem uma evidente falta de sincronia entre a gestão, o planejamento e a realidade brasileira, com consequências diretas na formulação e na execução da política educacional.

Em abril, depois de uma desastrada audiência do então ministro da Educação, Ricardo Vélez, 50 deputados de 12 partidos subscreveram uma inspeção nos programas setoriais. Criou-se, então, uma comissão especial com a responsabilidade de realizar um diagnóstico e apresentar alternativas.

Bolsonaro substituiu o atrapalhado Vélez por Abraham Weintraub, atual ministro. Tanto um como outro insistiram em perder tempo entretidos numa estridente caça ao comunismo, sepultado há três décadas. Esqueceram o principal, o trabalho. Em 11 meses, Vélez e Weintraub conseguiram a proeza de rebaixar o perfil da educação, área em que houve continuidade de programas entre governos.

O relatório da comissão, que será votado nos próximos dias, retrata ambiguidades e fragilidades governamentais na gestão desse setor vital ao desenvolvimento.

Paradoxalmente, elas derivam de uma circunstância perversamente negativa: a prevalência da doutrinação na condução de políticas públicas fundamentais, motivo de constantes críticas aos adversários petistas feitas pelo candidato Bolsonaro durante a campanha eleitoral do ano passado.

Exemplo vívido da tepidez no comando está na baixa execução orçamentária de diversos programas de competência do Ministério da Educação. Em uma etapa marcada pelo contingenciamento de recursos, mesmo os programas e funções orçamentárias que não sofreram bloqueio de recursos tiveram baixo nível de efetividade.

Num país que ainda não alfabetizou nem a metade das crianças até o terceiro ano do ciclo fundamental, o ministério manteve próximo de zero os repasses de verbas para ações de “apoio ao desenvolvimento da educação básica”, até julho passado. Em dois programas orçamentários focados na educação de jovens e adultos, os deputados constataram um com execução próxima de zero e o outro beirando 1%.

Com ideias fora de lugar e ações caricaturais, o ministro Weintraub tem confirmado sua preferência pelo embate com adversários, frequentemente imaginários. Seria mais uma nota de almanaque do folclore político, não fosse o alto custo que a inépcia na gestão da educação pode representar ao futuro do país.

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