quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

Linha dura – Editorial | Folha de S. Paulo

Queda de homicídio anima discurso; agenda bolsonarista felizmente avança pouco

As estatísticas compiladas pelo Ministério da Justiça indicam que a elevadíssima taxa de homicídios do Brasil voltou a diminuir neste ano, acentuando uma tendência iniciada nos últimos meses de 2017.

No primeiro semestre, o número de vítimas de assassinatos caiu 22% em relação ao mesmo período do ano anterior, conforme dados ainda preliminares das polícias estaduais. Nos seis meses iniciais de 2018, a queda havia sido de 9%.

Crimes contra o patrimônio, incluindo roubos de veículos e assaltos a bancos, também apresentam declínio, assim como os latrocínios.

Os especialistas ainda se mostram inseguros ao buscar explicações para o fenômeno. Polícias estaduais mais efetivas e a dinâmica das disputas entre facções criminosas estão entre os motivos apontados com mais frequência, mas inexiste diagnóstico consensual.

O governo Jair Bolsonaro se apressou a reivindicar parte dos louros, apontando o isolamento dos líderes das facções após sua transferência para presídios federais e o discurso duro adotado pelo presidente contra os criminosos.

Mas não se notou até aqui esforço relevante da administração federal para coordenar de forma mais eficaz a atuação das polícias estaduais, com a exceção de projeto piloto iniciado em cinco municípios com altos índices de criminalidade, de resultados incipientes.

Falar grosso certamente rende votos, como sabem Bolsonaro e governadores como João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ). Mas a hipótese de que isso tenha intimidado os criminosos é prematura, para dizer o mínimo.

Progressos também foram observados em estados geridos por partidos que fazem oposição a Bolsonaro, cujos governantes se distanciam da retórica truculenta.

Apesar da melhoria dos índices, o Brasil continua um dos locais mais violentos do mundo. Sua taxa de mortes violentas intencionais, de 27,5 por 100 mil habitantes em 2018, só perde para as de alguns países da América Latina e da África.

Há indícios, ademais, de que as polícias se tornaram mais letais neste ano. No estado de São Paulo, o número de pessoas mortas por agentes aumentou 11,5% no primeiro semestre. No Rio de Janeiro, onde a situação já era muito mais dramática, o crescimento foi de 18% entre janeiro e outubro.

Episódios como a morte da menina Ágatha Félix, de 8 anos, no Rio, e a desastrosa ação policial que terminou com a morte de nove jovens pisoteados em Paraisópolis, em São Paulo, ofereceram demonstrações chocantes de despreparo das forças repressivas.

Denúncias de tortura atingiram a nova administração de presídios que foram objeto de intervenção federal no Pará e no Ceará, após conflitos sangrentos entre facções.

O governo Bolsonaro nega que os abusos tenham ocorrido, mas o temerário do principal órgão federal dedicado ao combate à tortura não deixa dúvidas sobre o descaso com o problema.

A insegurança nas ruas das grandes cidades ainda é grande, e quase metade da população reprova as políticas federais de segurança pública. Segundo o Datafolha, 46% consideram o desempenho da União nessa área ruim ou péssimo.

Felizmente, grande parte da agenda bolsonarista não saiu do papel. Apenas 4 das 18 metas que seu governo estabeleceu para a segurança foram cumpridas integralmente, como esta Folha noticiou.

O Congresso barrou a proposta que ampliava o conceito de legítima defesa para assegurar impunidade a policiais que matam em serviço, assim como outras medidas do pacote anticrime lançado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.

O Palácio do Planalto ainda tenta introduzir o chamado excludente de ilicitude na legislação que define regras para atuação das Forças Armadas em operações de segurança nos estados, mas a palavra final caberá ao Congresso.

O intento de eliminar punições por excessos nas ações repressivas voltou a surgir neste final de ano, com o indulto natalino concedido por Bolsonaro a agentes condenados por crimes culposos.

Tentativas de ampliar o direito à posse e ao porte de armas também encontraram oposição. Regras mais permissivas foram aprovadas para proprietários rurais, colecionadores e atiradores esportivos, mas o alcance da medida foi menor do que o ambicionado.

Restou demonstrado que, embora tenha apelo em estratos ruidosos, a abordagem linha-dura é corretamente reprovada pela maioria.

É positivo que a agenda da segurança tenha enfim merecido maior atenção de governantes e legisladores, mas soluções simplistas e demagógicas não podem subtrair do debate a racionalidade e o respeito a direitos humanos.

Provas de corrupção liquidam a tese de guerra jurídica – Editorial | O Globo

Ideia de vitimização de ex-presidentes não resiste ao contraste com autos processuais

Personagens centrais em vários processos de corrupção, alguns líderes políticos sul-americanos propagam sua vitimização numa guerra jurídica.

É o caso dos ex-presidentes Lula, Cristina Kirchner (Argentina), Ollanta Humala (Peru) e Rafael Correa (Equador). Eles incorporaram a tese às narrativas de “resistência” à “perseguição política” com que habitualmente emolduram as respectivas biografias.

Os laços entre os quatro ex-presidentes vão além das relações pessoais construídas na contemporaneidade do poder.

Demonstram afinidade no modo de fazer política. Nos tribunais de seus países respondem por uma engrenagem de corrupção sistêmica, que deslegitimou instituições e partidos, e ainda obstruiu a competição empresarial, em privilégio de grupos financiadores de campanhas eleitorais.

Não é casual a onipresença da Odebrecht, para citar uma das empresas favorecidas, nos processos sobre corrupção que envolvem Lula, Cristina, Ollanta e Correa. A empreiteira é ré confessa no Brasil, Argentina, Peru e Equador.

A ideia de vitimização desses ex-presidentes numa guerra jurídica não resiste ao contraste com os autos processuais.

Caso exemplar é o de Lula, já condenado a um total de 29 anos e dois meses de prisão em diferentes instâncias judiciais.

Foi julgado “como inimigo”, disse um dos seus defensores diante da última sentença. Sobre impropriedades desse calibre, observou o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Victor Laus, em recente entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo”: “Em cinco anos de Operação Lava-Jato, julgando casos na então 8ª Turma, eu nunca ouvi uma defesa de conteúdo material. Nunca ninguém disse ‘meu cliente é inocente, meu cliente não tem nada a ver com isso, não há uma prova nesse processo’. Eu fiquei durante cinco anos ouvindo: ‘Há uma nulidade, porque aquele documento foi feito preto, e devia ser verde; aquele portão não abriu mas devia ter fechado’ (...) A verdade é essa.”

O antigo conceito de guerra jurídica (lawfare, em inglês) pode ser útil para suprir eventuais lacunas em estratégias de defesa. O Pentágono foi pioneiro, e há duas décadas incorporou essa forma de ofensiva ao seu arsenal de armamento não convencional. Manipula a tese em tribunais para restringir a aplicação da doutrina de proteção aos direitos humanos a adversários — grupos listados como objetivos militares.

Não deixa de ser irônico que líderes de esquerda na América do Sul tenham ido buscar no porão militar do “imperialismo” americano sua principal arma de defesa nos processos por corrupção.

Lula, Cristina, Ollanta e Correa decidiram que estão absolvidos pela História. O problema é a realidade imutável das provas judiciais.

O custo do funcionalismo – Editorial | O Estado de S. Paulo

Entre as reformas estruturantes necessárias para que o País entre na rota do desenvolvimento sustentável, a mais decisiva, não apenas do ponto de vista fiscal ou da eficiência da máquina estatal, mas da moralidade pública, é a reforma administrativa. Cada vez que vêm à tona novos dados – seja sobre as assimetrias entre a esfera pública e a privada ou entre a elite e a base da própria administração pública, seja sobre o desempenho do serviço público ou sobre o seu descontrole orçamentário – isso fica mais claro.

Um levantamento da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado antecipado pelo Estado mostra que nos últimos seis anos a União teria economizado R$ 32 bilhões com folha de pagamento se os reajustes aos funcionários públicos tivessem acompanhado os da iniciativa privada.

Entre 2013 e 2018, enquanto a massa salarial dos empregados privados encolheu 0,7%, os vencimentos e benefícios dos agentes públicos cresceram 12%. A perversidade do patrimonialismo estrutural do Estado brasileiro salta aos olhos quando se considera que a maior disparidade dos reajustes entre os trabalhadores privados e os públicos aconteceu justamente na voragem da recessão. 

Em 2017, enquanto a variação de renda no setor privado foi de 1%, os vencimentos e vantagens dos servidores tiveram uma alta de 7%. Em outras palavras: o momento em que os salários e empregos dos trabalhadores privados, ou seja, de quem paga as despesas, eram devastados foi o mesmo em que o funcionalismo público, que gera as despesas e que foi em grande parte responsável pela crise, mais se beneficiou.

Além da disparidade de renda em favor do serviço público, o estudo também evidencia a disparidade de eficiência em favor da iniciativa privada. Entre 2008 e 2018 as empresas estatais triplicaram suas despesas com funcionários ativos. Quando houve participação do capital privado, o aumento foi bem menor. Em dez anos, a despesa com folha das sociedades de economia mista cresceu 75%. Enquanto isso, a folha das empresas públicas, nas quais a União é a única acionista, inchou 211%.

Um estudo do Banco Mundial mostra que entre 2003 e 2017 os gastos com pessoal nos Estados cresceram 80% acima da inflação. O resultado é o descalabro fiscal. No último ano, 12 Estados violaram a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com a escalada das despesas com salários, o volume de investimentos do poder público foi o menor da série histórica. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a Prefeitura já consome 100% do IPTU para bancar o funcionalismo.

Pelos cálculos do Banco Mundial, os servidores federais ganham em média 100% a mais que seus similares da iniciativa privada – a maior desproporção em 53 países pesquisados. Dois terços dos funcionários da União estão na faixa dos 10% mais ricos da população. A distorção entre o serviço público e o privado – que faz dos primeiros, à custa dos últimos, a elite do mercado de trabalho nacional – é ainda espelhada dentro da própria máquina pública: uma distorção dentro da distorção que abastece uma elite dentro da elite. Segundo um diagnóstico do Ministério da Economia, um grupo diminuto de 5% dos servidores da administração federal se apropria de 12% da folha da União.

De onde quer que venham, seja sob qual aspecto for, os números só fazem atestar que o Estado brasileiro drena recursos do contribuinte não apenas para bancar muitos serviços que poderiam ser mais bem prestados pela iniciativa privada, mas para enriquecer os servidores.

Lamentavelmente, a reforma administrativa, de todas a mais necessária, é justamente aquela que o governo mais tem procrastinado. Esta protelação é ela mesma a maior prova do poder do corporativismo, uma vez que de todas as reformas essa deveria ser a menos impopular, se ao menos fosse devidamente esclarecido e comunicado à população o quanto lhe custa bancar os cerca de 11,5 milhões de servidores (5,6% da população) que consomem cerca de 15% do PIB. Este corporativismo, o fator que mais trava a reforma, é a maior prova da sua urgência.

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