segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

Pedalada eleitoral – Editorial | Folha de S. Paulo

Congresso afronta o Orçamento com proposta de destinar R$ 3,8 bi a campanhas

Beira o achincalhe a proposta gestada no Congresso para dotar o fundo eleitoral com R$ 3,8 bilhões em 2020, ou R$ 1,8 bilhão além do que antes se previa. Do PSL ao PT, passando pelo famigerado centrão, 13 partidos se mancomunaram para impor ao país uma despesa que só interessa a políticos.

Parlamentares agem como se o Brasil não padecesse sob um draconiano arrocho orçamentário, imposto pela escalada da dívida pública —que levou à adoção do teto constitucional de gastos durante o governo Michel Temer (MDB).

Falta dinheiro para tudo, do custeio ao investimento, e eles se dispõem a abusar do escasso crédito que ainda têm com a população.

Com a vigência do teto, o dispêndio terá de ser compensado com cortes noutros setores e serviços. Aqui a liga da injustiça formada na Comissão Mista do Orçamento se esmerou para comprovar o descaso com a opinião pública.

A ideia inicial parecia talhada para deflagrar revolta: R$ 500 milhões seriam tirados da saúde pública, R$ 380 milhões da infraestrutura (leia-se: saneamento e habitação), R$ 280 milhões da educação.

O próprio presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), avisou a seus pares que precisam explicar melhor à sociedade de quais fontes sairão os recursos. Por outro lado, como se já encaminhando contra a ideia infeliz, alertou que o eleitorado jamais se dará por satisfeito com os valores do financiamento público.

Com efeito, destinar R$ 2 bilhões para o fundo já soava como provocação, em tempo de garrote orçamentário, dado que aí já se embutira aumento de R$ 300 milhões sobre o R$ 1,7 bilhão despendidos no pleito de 2018. Mais que duplicar esse montante, chegando aos R$ 3,8 bilhões, equivale a cumular imprudência com indecência.

Como se não bastasse, o controle social sobre o gasto dos recursos bilionários é nulo. Caciques partidários controlarão essas verbas para financiar seus milhares de cabos eleitorais e apadrinhados nos 5.570 municípios do país.

Alega-se que eleições para prefeitos e vereadores são mais caras que pleitos nacionais, como o de 2018, porque há mais candidatos envolvidos. Ora, se hospitais, escolas e outras serviços têm de se virar com menos dinheiro, por que não podem fazer o mesmo todos os que almejam um cargo público?

A fim de arrancar da sociedade recursos para sustentar a corporação, desaparecem as diferenças ideológicas entre as siglas signatárias da proposta. Não há polarização. Elas representam 430 dos 513 deputados e 62 dos 81 senadores.

Senadores e deputados deveriam convencer-se, enquanto é tempo, de que estão sozinhos e isolados nessa empreitada doidivanas.

Mudança demográfica e ensino – Editorial | O Estado de S. Paulo

Na mesma semana em que o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) mostrou que o Brasil continua perdendo a corrida educacional e os especialistas em ensino básico alegaram que só a valorização da carreira docente mudará esse cenário trágico, o economista Ricardo Paes de Barros, ex-subsecretário da Secretaria de Ações Estratégicas da Presidência da República, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, apresentou aos secretários estaduais de Educação um detalhado estudo sobre a realidade educacional nas 27 unidades da Federação.

Segundo o estudo, como a população brasileira está envelhecendo e a taxa de natalidade está caindo, a demanda por matrículas na rede de ensino básico tende a se reduzir nos próximos anos – o que já vem sendo detectado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por isso, se os cursos de licenciatura e pedagogia mantiverem a média de formandos dos últimos anos, o Brasil terá um excedente de professores, conclui Paes de Barros. Entre 2013 e 2017, esses cursos formaram 1,148 milhão de docentes. As estimativas das autoridades educacionais são de que mais de 1,5 milhão vai se formar nos próximos cinco anos.

O desafio que o País tem de enfrentar para reerguer seu sistema educacional, portanto, é claro: em vez de gastar recursos escassos com a expansão do ensino superior na área de licenciatura e pedagogia, é necessário concentrá-los na melhoria da qualidade dos cursos existentes, para que possam formar professores preparados.

“Precisamos dizer às universidades que não necessitamos de mais professores, mas de melhores”, afirma Barros.

A opção por mais qualidade do que quantidade é o que os especialistas em ensino básico chamam de valorização do professorado. Como lembra o estudo de Barros, um dos principais problemas responsáveis pela baixa qualidade dos formandos em licenciatura e pedagogia está no fato de que esses cursos se expandiram basicamente pela oferta de graduações a distância, cuja qualidade é bastante inferior à dos cursos presenciais.

Além disso, professores com melhor formação precisam ser recompensados com vencimentos mais altos do que os atuais, lembra Barros. Mas como aumentar salários num período de dificuldades orçamentárias? Segundo ele, como haverá a necessidade de menos docentes e de novas escolas de ensino básico, por causa das mudanças demográficas, a economia de recursos daí advinda pode ser revertida em favor do próprio sistema educacional. Em outras palavras, os recursos poupados poderão ser destinados ao aumento salarial dos professores.

O estudo mostra ainda que, além de ser decisiva para a ampliação dos níveis de aprendizagem dos alunos do ensino básico, a melhoria na qualidade de formação dos professores tem outro importante impacto social. “Como o magistério público atrai gente de famílias pobres, aumentar a remuneração dos profissionais de ensino é uma importante janela de ascensão social”, diz Paes de Barros.

Dois indicadores dão a dimensão dessa “janela”. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), realizada pelo IBGE, os professores representam atualmente 3,1% da força de trabalho do Brasil – e entre as mulheres com ensino superior, 20% são professoras. Além disso, segundo dados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) de 2017, 72% dos concluintes em licenciatura e cursos de pedagogia eram mulheres; 52% eram negras, pardas ou indígenas; e 61% tinham mães que haviam cursado, no máximo, até o ensino fundamental.

O estudo de Paes de Barros, um conceituado estudioso da relação entre educação e economia, apresenta um número significativo e valioso de informações para fundamentar um projeto destinado a reverter o trágico cenário apontado pelo Pisa. Resta esperar que, em vez de perder tempo criticando professores e discutindo religião e pedagogia, as autoridades educacionais o leiam, linha por linha.

Lei de proteção aos dados pessoais qualifica o país – Editorial | O Globo

Governos estaduais e municipais precisam avançar na organização interna e na estrutura de fiscalização

Todas as empresas e órgãos públicos dispõem de oito meses para se adaptar à Lei Geral de Proteção de Dados, que estabelece normas à coleta e ao tratamento de dados no país, sejam digitais ou não.

Inovadora, essa legislação foi aprovada em 2018 com prazo largo e incomum, de 24 meses, para a transição dos setores público e privado. Entra em vigor em agosto do ano que vem.

Parte das empresas já está preparada, mas raros são os órgãos públicos que avançam na organização para assegurar proteção à privacidade.

Uma centena de países já instituiu normas restritivas ao uso, manipulação, tratamento e difusão de dados pessoais. No Brasil a lei permitirá transferência de dados ao exterior, desde que o país de destino possua nível de zelo compatível, ou quando é possível comprovar idênticas condições. Via contratos, por exemplo.

Os legisladores nacionais se inspiraram, principalmente, na experiência europeia recente (com o General Data Protection Regulation). O espírito da lei brasileira deverá ser replicado, com adaptações, nos demais países associados ao Mercosul.

Os efeitos tendem a ser amplos e profundos na sociedade. A LGPD submete todos a um padrão inédito de zelo pela privacidade. Ela altera a rotina de usuários, empresas e de todo o poder público. Onde esse sistema foi adotado percebeu-se grande demanda dos usuários sobre empresas e órgãos públicos, obrigando-os a se adequar rapidamente.

Isso vai muito além da vigilância na cadeia de custódia do tratamento de dados, digitais ou não. Abrange a capacidade corporativa de resposta imediata às pessoas. Elas passam a ter o direito de requerer informações sobre processamento das suas informações, com opção para consentimento, pedido de exclusão ou portabilidade dos próprios dados.

Qualquer empresa ou órgão público estará sujeito a penalidades, em caso de violação de privacidade. As sanções incluem advertência, com publicidade da infração confirmada; bloqueio dos dados vazados, com eliminação das informações sobre as vítimas; e multa de até 2% da receita obtida no último exercício fiscal, mas limitada ao patamar de R$ 50 milhões.

Governos estaduais e municipais precisam avançar, rapidamente, na própria organização interna e na estrutura de fiscalização, que corresponderá à Autoridade Nacional de Dados no plano federal.

Mesmo com o prazo incomum de dois anos para adaptação, há corporações atuando no Congresso para ampliar esse período de transição. Para o setor privado, pelo menos, prazo maior tende a ser inócuo.

Porque, nesse caso, a garantia de privacidade das informações pessoais será uma necessidade na competição empresarial. Para empresas de qualquer tamanho, o zelo com os dados dos clientes será um diferencial de relevância no mercado — aspecto decisivo na fidelização de clientes e na agregação de valor à marca.

Falha na articulação adia reformas complementares – Editorial | Valor Econômico

Se quer mesmo completar o processo de ajuste e ampliar a produtividade da economia, o governo precisa encontrar meios de melhorar a sua relação com o Congresso

Apesar de ter vendido otimismo com a possibilidade de aprovação, ainda neste ano, de ao menos uma das suas propostas de reforma do Estado, o governo teve que assistir o Senado adiar para 2020 a discussão das três propostas de emenda constitucional (PEC) enviadas ao Congresso.

O programa “Mais Brasil” é a grande aposta do governo no pós-Previdência. A equipe econômica acreditava, inicialmente, que conseguiria aprovar ainda neste ano a PEC Emergencial. Se isso ocorresse, ela permitiria o acionamento imediato de uma série de gatilhos para redução de gastos obrigatórios. Entre eles, a redução de 25% da jornada de trabalho dos servidores com corte salarial proporcional, congelamento por dois anos de promoções automáticas e outras iniciativas para abrir espaço no teto de gastos e permitir um futuro aumento nos investimentos públicos.

O desejo do ministro Paulo Guedes de aprovar a PEC Emergencial antes deste fim de ano rapidamente revelou-se inexequível. No próprio governo, poucas semanas depois do anúncio, já se contava com a hipótese de aprovação dessa PEC entre o primeiro e o segundo trimestre do ano que vem, como noticiou o Valor.

Com isso, as esperanças de curto prazo da área econômica se voltaram para a PEC que permite a desvinculação de recursos dos fundos públicos para o pagamento de dívida.

A expectativa era que a matéria fosse aprovada ao menos na Comissão de Constituição Justiça (CCJ) do Senado. O relatório chegou a ser lido pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), mas não avançou mais do que isso. Para piorar, já há movimentações para introdução de novas mudanças no texto, quando a CCJ o examinar a partir de fevereiro. No relatório, ele estabeleceu que parte dos recursos desvinculados deverá ser destinada a projetos e programas voltados a segurança de regiões de fronteira e, também, para obras de revitalização do rio São Francisco. Ou seja, foi na contramão do espírito de desamarrar o orçamento.

Entre outras mudanças que devem ser agregadas a esta PEC está a de preservar os fundos instituídos pelo Poder Judiciário, tribunais de contas, Ministério Público, defensorias públicas e pelas procuradorias-gerais dos Estados e do Distrito Federal. Com isso, o potencial de R$ 220 bilhões em recursos a serem liberado deve diminuir.

Ao Valor, há duas semanas, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, disse acreditar que a PEC do Pacto Federativo, a mais complexa e ampla das três medidas enviadas pelo Executivo, deve ser aprovada até o fim do primeiro semestre. Essa iniciativa amplia os repasses de recursos federais a Estados e Municípios, além de promover uma série de medidas de ajuste fiscal para todos os entes, algumas delas também previstas na PEC Emergencial.

O adiamento do início efetivo das discussões das três PECs foi mais um episódio das sérias falhas na articulação política do governo. Estas só não custaram a reforma da Previdência porque o tema estava amadurecido na sociedade e contou com efetivo esforço de articulação por parte do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e, após muita cobrança, da abertura do cofre para parte das emendas parlamentares pelo Palácio do Planalto.

Além das três PECs o governo promete enviar propostas para as reformas tributária e administrativa. Até agora vieram a público ideias e princípios norteadores dos projetos, mas eles não foram efetivamente apresentados. Antes que alguém argumente que a pressão é mera ansiedade jornalística, vale lembrar que foi o ministro Paulo Guedes que prometeu todos esses projetos para este ano.

Fazer mais reformas é necessário para garantir a solvência intertemporal do Estado, mas também dar maior capacidade de investimento ao setor público, hoje totalmente comprometida. Se quer mesmo completar o processo de ajuste das contas públicas e ampliar a produtividade da economia, o governo precisa encontrar meios de melhorar a sua relação com os parlamentares.

Além disso, um pouco mais de prudência declaratória de Guedes e da sua equipe seria bem-vinda. Isso tumultuaria menos o ambiente político e daria mais segurança para quem está pensando em trazer investimentos para o país. Episódios como a frustração do leilão da cessão onerosa e as declarações de Guedes sobre o câmbio e o AI-5 deixam claras as consequências negativas de falas atabalhoadas ou impensadas. O dólar que há duas semanas encostou em R$ 4,30 e forçou intervenções mais agressivas do Banco Central, é uma prova disso.

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