domingo, 8 de dezembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

Programa bolsonarista de demolições – Editorial | O Globo

Ações destrutivas do governo no meio ambiente e em áreas da Cultura constituem uma política

Os governos do PT, principalmente de Lula, tiveram a característica de manter áreas-chave em mãos de pessoas com experiência no ofício. No primeiro mandato, nomeou ministro da Fazenda um médico petista, Antonio Palocci, mas que soube conduzir uma equipe de profissionais do ramo.

Para a militância petista e aliados fisiológicos, Lula cedeu segmentos específicos da máquina do Estado: Incra (reforma agrária), Ministério do Trabalho e seu guichê sindical, entre outros exemplos de postos em que grupos organizados como o MST puderam, de alguma forma, ter acesso ao dinheiro público.

Com Bolsonaro, também há uma distribuição de espaços. Há o mesmo critério lulopetista da afinidade ideológica, mas o aparelhamento bolsonarista demonstra ter outras funções. Sem prejuízo de pendores patrimonialistas tradicionais da política brasileira, há segmentos do novo governo que atuam com intenções destrutivas, travando o que chamam de “guerra cultural”.

Um dos exemplos é a atuação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que se desdobra em desmontar a estrutura de vigilância e contenção de atividades potencialmente destrutivas, como desmatamento e garimpo, forças poderosas na devastação de florestas e na poluição de rios, agentes de devastações na Amazônia de repercussão mundial.

A atuação desses predadores tem sido facilitada pela desmontagem de equipes do Ibama e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Nos últimos dias, diante do abandono de postos avançados da Funai, na Amazônia, por falta de segurança, o ministro da Justiça, Sergio Moro, deslocou a Força Nacional para a região do Vale do Javari. Estão em risco tribos isoladas existentes na região, devido ao avanço de madeireiros e garimpeiros, estimulados pela inequívoca sinalização do governo Bolsonaro de que os controles na Amazônia seriam relaxados. E passaram a ser de fato por Ricardo Salles.

A área de Cultura e afins é outro alvo. Assumem bolsonaristas que se mostram ávidos por desmontar os segmentos da máquina pública que recebem para supostamente administrar. Seu comportamento é revelador: o secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, ex-diretor de artes cênicas da Funarte, assumiu agredindo verbalmente a atriz Fernanda Montegro, símbolo do teatro brasileiro, do cinema e da teledramaturgia. Mereceu o devido silêncio como resposta. Mas não foi esquecido.

O novo presidente da Funarte, Dante Mantovani, assumiu e teve o cuidado de distribuir opiniões trevosas: “o rock ativa o aborto, satanismo e drogas”; os Beatles vieram para combater o capitalismo e ativar o socialismo, enquanto John Lennon, especificamente, fez um “pacto com Satanás”.

Já o ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem comportamentos condizentes com este tipo de opiniões. Logo no MEC. Já Sérgio Camargo assumiu a Fundação Palmares com declarações no mínimo bizarras sobre escravidão e racismo.

Não pode ser coincidência. Deve haver um programa bolsonarista de demolições. É preciso que as instituições republicanas sejam acionadas em defesa de patrimônios públicos contra ações corrosivas destiladas por ideologias extremistas.

O dever de controle sobre a Polícia – Editorial | O Estado de S. Paulo

Na quinta-feira passada, o governador João Doria fez um importante recuo na sua avaliação sobre a atuação da Polícia Militar num baile funk em Paraisópolis, quando 9 pessoas morreram e 12 ficaram feridas. O reconhecimento de que erros foram cometidos não desprestigia e tampouco desautoriza a corporação policial. Trata-se, na verdade, de uma demonstração de compromisso com o aprimoramento da Polícia Militar, o que contribui para fortalecer a imagem da instituição.

Num primeiro momento, o governador afastou qualquer responsabilidade da Polícia Militar pelas mortes ocorridas. “A letalidade não foi provocada pela Polícia Militar, e sim por bandidos que invadiram a área onde estava acontecendo o baile funk. É preciso cuidado para não inverter o processo”, disse João Doria no domingo passado. Na ocasião, o governador afirmou que seriam mantidos os protocolos de atuação da Polícia Militar.

Eram muitas, no entanto, as evidências de que a atuação policial em Paraisópolis foi, no mínimo, imprudente. Segundo o relato da própria Polícia, agentes de segurança pública colocaram em risco a vida e a integridade de 5 mil pessoas para perseguir dois suspeitos no meio de um baile funk. Além disso, vídeos feitos por moradores da região evidenciaram condutas violentas e totalmente desproporcionais de policiais militares nas proximidades da festa.

Um desses vídeos, gravado em outubro do ano passado, chamou especialmente a atenção do governador. “Eu mesmo fiquei muito chocado quando vi as imagens”, disse João Doria, para quem as agressões aconteceram “gratuitamente”. No vídeo, um policial agride várias pessoas, inclusive um rapaz de muletas. Após a agressão, o agente sorria. “Aquele policial não representa a melhor Polícia Militar do País e tristemente fez o mau papel”, afirmou o governador. Em relação à tragédia de domingo passado, João Doria admitiu a possibilidade de falhas na conduta dos policiais militares. “Se existirem falhas, e elas forem apontadas, aqueles que falharam serão punidos”, afirmou.

O mais importante, no entanto, foi o anúncio de que os protocolos serão revistos. “Independentemente disso (se houve falhas de agentes), a Polícia Militar e a Polícia Civil já foram orientadas a rever protocolos e identificar procedimentos que possam melhorar e inibir, se não acabar, com qualquer perspectiva da utilização de violência e de uso desproporcional de força”, anunciou João Doria.

Diante da tragédia ocorrida no baile funk em Paraisópolis – nove pessoas morreram em razão de tumulto surgido a partir de uma ação da Polícia Militar – é imprescindível que protocolos e procedimentos de ação sejam revistos. É simplesmente inaceitável que policiais – agentes públicos treinados para promover a segurança pública – atuem de forma imprudente e desproporcional à ameaça.

As investigações devem ser feitas com rigor e agilidade, de forma a revelar as causas, os responsáveis e as circunstâncias de tão desastroso desfecho. No entanto, já agora, com as informações disponíveis, é de justiça reconhecer que foi flagrantemente equivocada a atuação policial em Paraisópolis. Por isso, ainda que não tenha vindo num primeiro momento, a reação do governador João Doria de não negar as evidências e reconhecer a ocorrência de falhas, bem como a necessidade de rever critérios e procedimentos, é digna de nota.

As forças policiais precisam ser bem treinadas. Para que sejam eficientes e atuem sempre dentro da lei, os agentes devem saber o que fazer e como fazer. No entanto, as forças policiais não exigem apenas treinamento, como se uma atuação adequada fosse mera questão técnica. As forças policiais exigem um contínuo cuidado por parte das autoridades. Assim como o exercício do poder, o da violência por parte do Estado sempre requer controle. Que as autoridades políticas estejam atentas, para garantir que as forças policiais atuem sempre dentro da mais escorreita legalidade. No cumprimento desse dever, é imprescindível não fechar os olhos quando alguns agentes atuam fora dos limites da prudência e da lei.

Na margem de erro – Editorial | Folha de S. Paulo

Datafolha vê rejeição estável a Bolsonaro em meio a melhora incerta da economia

São sutis os movimentos do eleitorado neste primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro. A despeito da propensão do presidente ao conflito permanente e do avanço de uma agenda econômica controvertida e ambiciosa, seus índices de aprovação e rejeição não tiveram alterações bruscas.

Conforme pesquisa realizada pelo Datafolha na quinta e na sexta-feira (5 e 6), 30% dos brasileiros aptos a votar consideram o governo ótimo ou bom. O percentual é semelhante aos apurados em abril (32%), no início de julho (33%) e no final de agosto (29%).

Trata-se de uma proporção modesta para quem se saiu vitorioso nas urnas há cerca de um ano. A esta altura de seus governos, o tucano Fernando Henrique Cardoso e o petista Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, contavam com popularidade na casa dos 40%.

Em certa medida, o fenômeno atual é explicável pelo grau inusual de polarização ideológica vigente na sociedade. Mas enganou-se quem imaginou que Bolsonaro moderaria discurso e prática em busca do centro político, como fizera Lula, partindo da esquerda, no início da década passada.

Em vez disso, o mandatário se mantém aferrado às diatribes de campanha —ou talvez seja mais preciso dizer que se mantém em campanha. Hostiliza, a todo momento e a qualquer pretexto, políticos, imprensa, artistas, ambientalistas e o que quer julgue fazer parte do establishment.

Sua rejeição mostrou elevação gradual de abril a agosto, quando a parcela dos que acham o governo ruim ou péssimo passou de 30% a 38%. Essa tendência parece agora estancada, com a taxa em 36%.

A estabilidade não deixa de ser notável num período em que se aprovou uma profunda reforma previdenciária —e diante da ampla percepção, também constatada pelo Datafolha, de que o presidente não se comporta de acordo com o cargo e de que a imagem do país no exterior piorou.

Entretanto também se nota, pela primeira vez no ano, alguma alta do otimismo com a economia. Hoje, 43% dos eleitores acredita que a situação vai melhorar, ante 40% em agosto; a avaliação positiva da política econômica subiu de 20% para 25%, movimento que não se estendeu a outras áreas do governo.

Há razões a sustentá-lo. A queda da inflação e dos juros tem facilitado, enfim, a expansão do crédito e do consumo; o desemprego cai, embora lentamente; os investimentos privados, ainda muito deprimidos, estão aumentando.

Tais fatores encorajam projeções de um crescimento do PIB acima de 2% em 2020, após três anos na casa de 1%. A margem de erro nesse caso, porém, é elevada, ainda mais no imprevisível governo Bolsonaro.

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