terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Ricardo Mendonça - O risco de ter ministros populares

- Valor Econômico

Situação soa como uma grande novidade no jogo político

Quando a ex-presidente Dilma Rousseff sofreu o impeachment, em 2016, alguém lembrou de um artigo profético que o historiador Luiz Felipe de Alencastro havia publicado em 2009. Antes do primeiro mandato da petista, o pesquisador alertava para o risco de colocar o já experientíssimo deputado Michel Temer no posto de vice - uma relação apresentada por ele como inédita. “Uma presidenciável desprovida de voo próprio na esfera nacional, sem nunca ter tido um voto na vida, estará coligada a um vice que maneja todas as alavancas do Congresso e da máquina partidária peemedebista”, argumentava ele em “Os riscos do vice-presidencialismo”.

O presidente Jair Bolsonaro não tem um vice ou auxiliares capazes de manejar todas as alavancas do Congresso. Não corre este risco específico, portanto. Mas, numa situação igualmente inédita, tem algo que talvez seja potencialmente tão ou mais perigoso que isso: ministros mais populares que o chefe.

Embora não haja séries históricas de pesquisas que permitam fazer uma afirmação definitiva, não parece arriscado dizer que a situação de ministros mais populares que o presidente soa, sim, como uma grande novidade no jogo político. Alguém imagina um Guido Mantega mais popular que Lula? Um Pedro Malan mais popular que Fernando Henrique?

Desde o início do governo, em janeiro, pesquisas de diferentes institutos mostram que o ex-juiz Sergio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, tem mais popularidade que Bolsonaro. Levantamento do Datafolha divulgado ontem confirmou o fenômeno e trouxe mais duas novidades nessa área. A ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e o ministro Paulo Guedes (Economia) também despontam como mais bem avaliados que o presidente.

O critério usado pelo Datafolha é o da taxa de aprovação (bom ou ótimo) apurada entre os que afirmam conhecer a autoridade objeto da pesquisa. Bolsonaro é conhecido de quase toda população, tem 30% de avaliação positiva. Conhecido por 93% dos entrevistados, Moro alcança 53% de aprovação. Damares marca 43% de bom ou ótimo; Guedes, 39%.

O Datafolha ouviu 2.948 pessoas entre nos dias 5 e 6 deste mês. A liderança desses três ministros sobre Bolsonaro ocorre acima da margem de erro, de dois pontos para mais ou para menos.

Não é difícil explicar a popularidade de Moro, personagem alçado ao primeiro escalão da disputa política ainda na época de magistrado.

Considerando a força do sentimento anti-PT que acomete parte enorme do eleitorado, é fácil perceber que a recente libertação de Lula e, em seguida, a condenação do ex-presidente por parte do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no caso do sítio de Atibaia tenham contribuído para manutenção da aprovação a Sergio Moro.

Apresentado desde sempre pelo chefe como um ministro especial, Guedes é visto por liberais autênticos como espécie de avalista do governo. Gente que votou em Bolsonaro, mas torce o nariz para seu estilo, encontra em Guedes uma justificativa para explicar o que fez na urna há pouco mais de um ano.

O ministro também pode ter sido beneficiado pela conjuntura recente, com aumento do PIB um pouco além do esperado, algum alívio com a liberação de parte do FGTS e um esboço de recuperação do emprego. Um pouco mais difícil - eis uma tarefa para os pesquisadores - talvez seja explicar a popularidade de Damares.

A questão mais relevante que se coloca, porém, é outra. A três anos da eleição, é difícil esperar que algum desses personagens resolva se arriscar num movimento de rebeldia/independência que represente ameaça real a Bolsonaro.

Não se afobam não, porque sabem que nada é pra já. Moro, em especial, tem se esforçado para fazer juras de fidelidade ao chefe - é apenas curioso notar que ele sente necessidade de agir assim. Mas que garantia Bolsonaro tem que, massageados por pesquisas, assessores, partidos, outros políticos, igrejas, marqueteiros e analistas, continuarão assim em 2022?

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