domingo, 29 de dezembro de 2019

Sem base aliada, governo foi obrigado a reeditar propostas

Falta de apoio também fez Planalto recuar em temas como a legislação armamentista e a reforma administrativa

Isabella Macedo | O Globo

BRASÍLIA — Em seu primeiro ano como presidente da República, Jair Bolsonaro acumulou repetições de decretos e medidas provisórias. Sem uma base consolidada no Congresso, ele não conquistou apoio suficiente para algumas de suas propostas e teve que reembalar os mesmos temas, refazendo e reenviando medidas para tentar valer o poder de sua caneta. Só para tentar flexibilizar porte e posse de armas, foram nove decretos — que passam a ter validade imediata assim que editados pelo Executivo.

Publicado ainda em janeiro, o primeiro deles acabou revogado meses depois. O ato ampliava a posse de armas, deixava de exigir a comprovação da necessidade da posse e dobrava a validade de licenças. Foi revogado depois de o Senado decidir sustar a medida e para evitar que a Câmara enterrasse o tema de vez.

O segundo decreto durou duas semanas, sendo alterado por um novo ato graças à polêmica gerada em torno da permissão da compra de fuzil. Ainda sob críticas, Bolsonaro assinou mais quatro medidas em junho, fatiando propostas anteriores. Novos decretos foram assinados em agosto e setembro. Um projeto de lei que fazia mudanças no Estatuto do Desarmamento também foi enviado para o Congresso. Da proposta original, pouco restou no que foi aprovado pelos deputados, limitando as flexibilizações a colecionadores, atiradores e caçadores (CACs).

Vai e vem nos ministérios
Bolsonaro insistiu ainda em reeditar medidas provisórias para organizar órgãos federais. As MPs também têm validade imediata, mas precisam ser validadas pelo Congresso em até 120 dias. Ao organizar seu ministério em janeiro, Bolsonaro passou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda (atual Economia) para a pasta da Justiça. O Congresso desfez a mudança em maio.

Nesta mesma MP, a Funai e a atribuição de demarcação de terras indígenas também eram remanejadas, o que também foi rejeitado pelo Congresso. Em junho, porém, uma nova MP transferia novamente a demarcação para a pasta da Agricultura.

Houve reação no Legislativo e no Judiciário. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, anunciou que devolveria a parte da matéria que tratava das demarcações, pois a Constituição proíbe a reedição de MPs no mesmo ano. No STF, o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu a eficácia cinco dias após a edição. Em agosto, a decisão foi referendada com um voto duro do decano da Corte, Celso de Mello:

— O comportamento do atual presidente, revelado na reedição de medida provisória (...) traduz uma clara, inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição e representa uma inadmissível e perigosa transgressão ao princípio da separação de poderes.

Depois da derrota no STF, Bolsonaro voltou a tentar mudar estruturas de governo por MP ao transferir o Coaf para o Banco Central (BC) e rebatizá-lo como Unidade de Inteligência Financeira (UIF). O Congresso, desta vez, aceitou manter a mudança no destino, mas manteve o nome de Coaf.

Na semana passada, o GLOBO mostrou que Bolsonaro é o presidente que mais teve MPs barradas pelo Congresso no primeiro mandato desde 2003. Entre as 24 MPs cujo prazo já expirou, 50% foram rejeitadas. Esse índice foi menor com Temer (29,5%), Dilma (20%) e Lula (1,8%).
— É um governo que legisla como sempre, mas perde como nunca. Tem sofrido derrotas em coisas que não são comuns à lógica da governabilidade do Brasil — avalia Humberto Dantas, professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp).

Reedições de Bolsonaro em 2019
1º de janeiro
Bolsonaro publica MP para reorganizar ministérios. Coaf passa do Ministério da Fazenda para a Justiça e Funai sai da pasta da Justiça para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Demarcação de terras indígenas, que era da Funai, passou para o Ministério da Agricultura

15 de janeiro
Bolsonaro edita primeiro decreto das armas, ampliando a posse de armas e dispensando a comprovação da necessidade da posse e dobrando a validade de licenças de cinco para 10 anos

19 de fevereiro
Governo envia à Câmara pacote anticrime proposto por Sergio Moro. Excludente de ilicitude, uma das promessas de campanha de Bolsonaro, faz parte da proposta

7 de maio
Novo decreto é editado pelo governo, anulando o primeiro. O ato permitia que proprietários rurais utilizassem armas em toda a área da propriedade e liberava compra de um tipo de fuzil de uso exclusivo de forças de segurança

21 de maio
O terceiro decreto de Bolsonaro alterava o que tinha sido publicado duas semanas antes, por polêmica sobre compra de fuzis. Exército deveria elaborar lista dos itens permitidos

22 de maio
Câmara aprova texto que reorganiza os ministérios de Bolsonaro devolvendo o Coaf ao Ministério da Economia, a Funai à Justiça e a demarcação de terras para a Funai

28 de maio
Senado aprova a reorganização ministerial chancelada pela Câmara na semana anterior

18 de junho
Senado aprova a derrubada do segundo decreto de Bolsonaro. Câmara agenda votação para a semana seguinte

19 de junho
Após Congresso ter barrado iniciativa há menos de um mês, Bolsonaro transfere novamente a demarcação de terras indígenas para o ministério da Agricultura

24 de junho
Luís Roberto Barroso, do STF, suspende a MP de Bolsonaro que havia tirado novamente a demarcação de terras indígenas da Funai e transferindo para a pasta da Agricultura

25 de junho
Para evitar mais uma derrota em atos sobre armas, Bolsonaro edita quatro decretos de uma só vez, “fatiando” as medidas anteriores. Um deles anulava outro publicado naquele mesmo dia. STF tira de pauta ações que questionavam decretos anteriores

25 de junho
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anuncia que o Congresso vai devolver ao Executivo parte da MP que tratava da demarcação das terras indígenas

1 de agosto
STF decide, por unanimidade, devolver a demarcação de terras indígenas para a Funai

19 de agosto
Nova MP transferindo o Coaf do Ministério da Economia para o Banco Central é publicada
20 de agosto

Bolsonaro revoga, por meio de outro decreto, a exigência de expressa autorização da instituição para que policiais civis, militares e forças auxiliares portassem arma fora de seus estados de atuação

25 de setembro
Deputados do grupo de trabalho da Câmara rejeitam a excludente de ilicitude enviada por Moro no pacote anticrime

30 de setembro
Novo decreto faz alterações em decreto de junho, flexibilizando posse de armas para uso pessoal para militares e policiais

7 de novembro
Câmara aprova projeto das armas enviado por Bolsonaro em junho. Proposta foi desidratada pelos deputados e ainda precisa ser analisada pelo Senado

21 de novembro
Bolsonaro encaminha nova proposta de excludente de ilicitude, dessa vez direcionado a ações de militares e agentes de segurança durante cumprimento de operações da Garantia da Lei e da Ordem (GLO)

4 de dezembro
Câmara aprova pacote anticrime sem excludente de ilicitude. Senado aprova medida uma semana depois, no dia 11

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